Violência dispara na Venezuela e pode ser o ponto fraco de Chávez


Valor, 24/04/2012.
"Chávez recebeu o país com 8.000 mortos ao ano. Hoje, são 20 mil. A Venezuela está melhor hoje do que antes? Eu digo que não."
A declaração dada ao Valor pelo candidato único da oposição, Henrique Capriles, dá pistas sobre um de seus maiores trunfos na disputa pela Presidência venezuelana. A insegurança será um tema central na sua campanha para evitar que o presidente Hugo Chávez se reeleja para um novo mandato de seis anos, no dia 7 de outubro.
Mais do que as criticadas estatizações, o alegado autoritarismo do presidente e a má relação com os Estados Unidos e a Europa, a explosão da violência é hoje o problema que mais preocupa a maioria dos venezuelanos, ao lado do custo de vida, em um país onde a inflação é de dois dígitos.
Na era Chávez, a insegurança cresceu a níveis elevadíssimos, o que colocou o país entre os mais violentos do continente americano, em nítido contraste com as melhoras na área social. O índice de venezuelanos em situação de pobreza caiu de 53,9% para 31,9% entre 2004 e 2011, segundo dados oficiais. Já a pobreza extrema caiu de 22,5% para 8,6%. Esse período coincide com a atuação dos principais programas sociais do governo Chávez, as chamados "missões", sobretudo nas áreas de saúde, educação e habitação - em alguns casos com distribuição de dinheiro, móveis e eletrodomésticos.
Por outro lado, a criminalidade disparou. Quando Chávez se elegeu, em 1999, o país registrava cerca de 6.000 homicídios por ano, a uma taxa de 25 por 100 mil habitantes, semelhante à do Brasil e já considerada elevada. Em 2011, foram cometidos 19,3 mil assassinatos no país, segundo dados da ONG Observatório Venezuelano de Violência (OVV). O índice de 67 homicídios por 100 mil habitantes coloca o país entre os mais violentos do mundo. Os roubos a mão armada e os sequestros-relâmpago - chamados na Venezuela de "sequestros express" - também se tornaram delitos comuns.
"Eu vejo em Caracas uma situação parecida à que se vivia no Brasil em meados da década de 1990, quando a sensação de insegurança aumentou", diz Luiz Pinto, doutorando da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), que faz pesquisa de campo na Venezuela. "Há uma profusão de relatos sobre sequestros-relâmpago, assaltos à mão armada, roubo de celulares que faz as pessoas tomarem atitudes às quais não estavam habituadas, como deixar de falar ao celular na rua, colocar grades nas portas e evitar um táxi desconhecido."
Analistas de diferentes linhas de pensamento são unânimes em dizer que a violência e a insegurança são temas centrais no debate político venezuelano. Mas divergem sobre a responsabilidade do governo Chávez nessa área e os possíveis impactos eleitorais.
Andres Antillano, especialista em criminalidade da Universidade Central da Venezuela, aponta um paradoxo. Para ele, dificilmente os mais pobres, que são os mais afetados pela violência no país, deixarão de votar no presidente. "Eles tendem menos a atribuir a responsabilidade ao governo, em boa medida porque a violência sempre foi endêmica nos setores pobres. Não há uma clara relação entre o aumento da violência e o governo."
Para ele, isso muda com relação à classe média, que considera a insegurança como um dos principais problemas e uma das principais razões para votar contra o governo. "Por essa razão, o candidato da oposição, que tem como clientela fundamental os setores médios, colocou o tema da segurança como central em sua campanha, enquanto o tema da inclusão social e da redistribuição segue sendo a bandeira principal do chavismo", afirma.
Ativistas como Liliana Ortega, da ONG Cofavic, e analistas como Roberto Briceño-León, do OVV, atribuem parte da violência à polarização política do país, alimentada por discursos do presidente. "Chávez já disse várias vezes que a revolução bolivariana é uma revolução armada", diz León.
Capriles vem tentando ligar o aumento da insegurança no país à "deterioração do Poder Judiciário na Venezuela", que, segundo ele, está aparelhado. Ele tenta ainda atribuir a Chávez a divisão na sociedade venezuelana. "Essa polarização não é de agora, vem desde o final dos anos 1980", lembra Gilberto Aranda, especialista em Venezuela da Universidade do Chile.
Outro tema relacionado à violência é o desemprego - hoje em cerca 8%, sendo que é quase o dobro disso entre os jovens -, que Capriles atribui em grande parte ao fracasso de Chávez em diversificar a economia, há décadas totalmente dependente da renda petroleira. Ao mesmo tempo, Capriles tenta desvincular Chávez de sua maior obra social, as "missões".
Na semana passada, a Mesa de Unidade Democrática, a coligação que apoia Capriles, começou a recolher assinaturas para um projeto de lei chamado "Missões para Todos e por Igual", para "assegurar a continuidade e "introduzir melhora nos programas sociais". "É um absurdo que uma gestão pretenda apropriar-se das missões. Elas não pertencem a um governo, mas aos venezuelanos", disse o chefe de campanha de Capriles, Armando Briquet, em um artigo.
Para o sociólogo Luiz Cedeño, da ONG Paz Activa, o Chávez vem levando vantagem no debate até aqui. "Ele tem sido muito astuto em não falar muito sobre o tema da segurança", diz. "Se ele não fala, a insegurança não é notícia."

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