Democracia e Insegurança na América Latina


Por José Maria Nóbrega Jr. – Coordenador do Núcleo de Estudos da  Violência da UFCG

Recentemente estive participando do 8º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, em Gramado, linda cidade do Rio Grande do Sul. Fiquei abismado com a quase total falta de interesse dos cientistas políticos sobre a questão da segurança pública e da criminalidade como área da Ciência Política. Não obstante a conferência de abertura, ministrada pelo competente professor alemão Wolfgang Merkel (Universidade Humboldt/Berlim) – “Is there a crisis of democracy in Europe? How do the economic crisis and other social trends impact on the "European Model of Democracy”, tratar da qualidade das democracias na Europa em comparação aos países da América Latina. Muitos dos gráficos apresentados na sua exposição, boa parte retirada do Latinobarômetro (http://www.latinobarometro.org), mostraram a preocupação dos latino-americanos sobre a insegurança encontrada na região.
Dito isto, e aproveitando a minha presença na Área Temática sobre Segurança Pública e Segurança Nacional no mesmo evento, analisarei algumas questões as quais meus colegas cientistas políticos vêm negligenciando.
1. Podemos avaliar a qualidade da democracia apenas pelo crivo eleitoral?
2. Democracia pressupõe direitos, altas taxas de criminalidade não seria uma contradição à consolidação democrática?
A primeira questão respondo com um eloquente NÃO! Mostra-se insuficiente avaliar democracias pelos seus sistemas eleitorais[1]. O México teve eleições recentemente e em algumas de suas cidades foi preciso à presença das Forças Armadas para garantir ao eleitor o livre trânsito entre sua casa e as urnas. É fundamental averiguar a capacidade dos estados no seu sistema legal, que rege suas estruturas burocráticas no sentido de garantir o estado de direito democrático[2].
Para a segunda questão afirmo, SIM, é uma contradição para a solidez da democracia taxas de criminalidade crescentes. Apesar de responder a isso no meu paper apresentado no referido encontro, e tendo como referência os estados situados no nordeste brasileiro (http://www.starlinetecnologia.com.br/abcp2012/arquivos/15_5_2012_12_27_26.pdf) o comentador do meu trabalho afirmou a “dificuldade” de tentar correlacionar (ou associar) altas taxas de homicídios com a qualidade da democracia, por enxergar a dificuldade de se afirmar que São Paulo – estado que vem reduzindo as taxas de assassinatos – seria mais democrático que a Bahia – estado que vem apresentando uma explosão nessas taxas -, num mesmo contexto territorial. O que prontamente discordei, apesar do território ser uma das dimensões do estado. Há mais democracia como regime político em São Paulo que na Bahia, ali há menos mortes por agressão, não obstante ser muito mais populoso. Se o principal bem tutelado do estado democrático de direito é a vida, a morte por agressão é um contracenso a este mesmo estado[3].
Na América Latina a maior preocupação de seus cidadãos é com a incapacidade de suas democracias em garantir proteção contra o crime (cf. gráfico 1).

 Gráfico 1: P. ¿Hasta qué punto las siguientes libertades, derechos, oportunidades y seguridades están  garantizadas en su país? Completamente garantizadas, Algo garantizadas, Poco garantizadas o ara nada garantizadas. *Aquí solo ‘Completamente garantizadas’ más ‘Algo garantizadas’

Os latino-americanos responderam que o estado garante mais igualdade social, oportunidades de emprego e maior distribuição de renda que proteção contra os crimes. Ora, a principal função do estado, a garantia da vida, dos bens e da liberdade natural aparece como o que é menos garantido.
A insegurança pública e individual aparece como a principal preocupação dos habitantes nos países latino-americanos, incluindo ai o Brasil. Países como México, Colômbia, Venezuela e Brasil, apresentam taxas de criminalidade muito fora do tolerável para regimes políticos democráticos consolidados/estáveis.
Por isso é fundamental o link entre criminalidade e regimes políticos para avaliar a qualidade desses regimes. Não obstante, a maioria dos cientistas políticos assim não visualizam.


[1] Importante fazer a leitura do texto de Mainwaring et al (2001), “Classificando Regimes Políticos na América Latina” publicado pela Revista Dados http://www.scielo.br/pdf/dados/v44n4/a01v44n4.pdf para uma discussão mais aprofundada do conceito contemporâneo de democracia.
[2] Para uma leitura a respeito das dimensões do estado contemporâneo ler O´Donnell (2010), Democracia, agência e estado. Teoria com intenção comparativa. Ed. Paz e Terra.
[3] Para uma leitura mais aprofundada a respeito da relação entre democracia e violência sugiro a leitura de artigo produzido em conjunto Nóbrega Jr, Zaverucha e Rocha (2011),” Mortes por agressão em Pernambuco e no Brasil: um óbice para a consolidação da democracia” Rev. Sociol. Polit. vol.19 no.40 Curitiba Oct. http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-44782011000300005&script=sci_arttext

Comentários

Postagens mais visitadas