De Caruaru para o Brasil

Jornal do Commercio 25 outubro 2009

Jorge Zaverucha

Entre 8 e 10 de outubro foi realizado, em Caruaru, o Seminário Nacional sobre Homicídios. Por que nesta cidade? Foi o modo encontrado para divulgar o excelente trabalho que vem sendo feito por Cirlene Rocha à frente da Penitenciária Plácido de Souza.
Tudo começou quando a presidente do Rotary-Caruaru, Ivânia Porto, que é minha orientanda no mestrado profissional em gestão pública para o desenvolvimento do Nordeste da UFPE, sugeriu que conhecesse a mencionada unidade prisional. Segundo ela, algo de novo, em termos de gestão, estava ocorrendo.
Aceitei o convite e em maio passado fui visitar o local. Qual não foi o meu encanto ao conhecer pessoalmente a diretora Cirlene Rocha e seu modo de gerir uma penitenciária construída para 100 pessoas e que abriga 800 apenados. Sem notícia de qualquer rebelião em sua gestão iniciada em 2002. São sete profícuos anos de gestão.
De volta ao Recife, imediatamente contactei, no Rio de Janeiro, o professor Gláucio Soares, a maior autoridade nacional em estudos sobre homicídios e consultor da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp). Meu objetivo era encontrar uma maneira de divulgar, o mais amplamente possível, o que presenciara na capital do Agreste.
Imediatamente, o professor Soares sugeriu fazermos um Seminário Nacional sobre Homicídios em Caruaru, como forma dos seminaristas conhecerem e divulgarem nacionalmente o exitoso experimento.Contamos com financiamento da Senasp, com apoio do governador Eduardo Campos, que abriu as portas da penitenciária para os visitantes, do Poder Judiciário local, que forneceu as instalações do Fórum para a realização das palestras, e do Rotary-Caruaru, na parte logística.
O que viram os seminaristas? Uma penitenciária que procura ressocializar o preso, conforme reza a Lei de Execução Penal. Em vez de ser um depósito de seres humanos vivendo em condições abjetas, tenta-se que o apenado possa mudar de vida para ser, posteriormente, reintegrado à sociedade.
Os presos trabalham em diversas atividades: fabricam jeans, bancos feitos com garrafas de plástico, sandálias e blocos de cimento, costuram bolas de futebol e, também, realizam trabalhos de serraria, pintura, padaria, artesanato, etc. Para cada três dias de trabalho, um dia da pena é descontado.
A penitenciária possui uma biblioteca e, em breve, haverá um laboratório de informática. Há uma estação de rádio interna, salas de aulas para o primeiro grau, local para musculação, uma pequena quadra onde realizam-se jogos de futsal e vôlei, bem como roda de capoeira, serviços de odontologia e enfermaria e uma barbearia onde presos cortam cabelo e fazem barba com navalha. E não se conhece caso em que este instrumento tenha sido usado em outra atividade...
Cirlene Rocha tem uma grande capacidade para construir parcerias dentro e fora do aparelho de Estado. A penitenciária, em convênio com a Secretaria de Esportes de Caruaru, faz parte de um campeonato de futsal local. Além de ter participado no Baile Municipal do Recife. Um preso desfilou com uma fantasia feita pelos seus colegas e ganhou o primeiro lugar na categoria criatividade. A penitenciária possui um templo ecumênico construído em parceria com comerciantes e clubes de serviço locais.
No final da visita, uma banda de apenados (cantor, tecladista, baixista, baterista e vocal) fez uma apresentação musical para os seminaristas que se misturaram aos apenados. Eles fabricaram salgadinhos e os distribuíram entre os convidados. Um CD do grupo já foi gravado e tem o sugestivo nome: Tom da liberdade.
Pernambuco tem uma penitenciária modelo. Resta esperar que experiência tão exitosa seja replicada nas demais prisões brasileiras. É Caruaru mostrando ao Brasil que é possível fazer a diferença.

» Jorge Zaverucha, doutor em ciência política pela Universidade de Chicago (EUA), é coordenador do Núcleo de Estudos de Instituições Coercitivas e da Criminalidade da UFPE

Comentários

  1. A unidade sem Sombra de dúvida é um modelo ,que deve ser seguido por outras unidades,que ao invés de valorização humana,profissional,educacional e espiritual transforma o sistema, que deveria ressocializar, em depósitos humanos,sem nenhuma perspectivade mudança ou aceitação perante a sociedade. O que faz Cirlene e ter visão do homem como ser transformador de sua imagem e estrutura.

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