O frágil estado democrático de direito no Brasil e a justiça ativista e parcial
No quesito imparcialidade da justiça criminal, o Brasil ficou atrás do Irã. A oposição de direita no país tem razão ao criticar os abusos de poder do STF. No quesito imparcialidade da justiça criminal, o Brasil ficou atrás do Irã.
O presente trabalho trata-se de análise de alguns indicadores mensuráveis de estado democrático de direito para o Brasil; numa série temporal de 2012 a 2023. Os dados foram resgatados do Índice Global de Estado de direito do Projeto Mundial de Justiça (World Project Justice, 2023) e outras referências.
Está na ordem do dia no Brasil a interferência da nossa suprema corte (Supremo Tribunal Federal - STF) na política e no processo de escolha dos governos e representantes. Também há forte interferência do STF nas políticas públicas do país, tanto na esfera federal como na subnacional.
A frequente acusação da oposição de direita no Brasil de que as acusações, julgamentos e condenações do fatídico oito de janeiro são injustas, também estão na ordem do dia e pauta a agenda da grande mídia e das discussões nas redes sociais. Tudo isso obriga a Ciência Política a analisar, medir e diagnosticar o quadro real dessas demandas de poder no país.
Por isso, além dos dados do Índice Global de Estado de Direito acima citado, analisamos os indicadores de violência (medidas pelas taxas de homicídios com base nas mortes violentas intencionais, do Anuário Brasileiro de Segurança Pública) e o Índice de Democracia (medida pelo indicador de Democracia do Democracy Index da The Economist Intelligence Unit, 2024).
O indicador de devido processo legal e direitos do acusado corresponde ao fator 4.3 do tópico “direitos fundamentais” e o indicador de imparcialidade do sistema de justiça criminal corresponde ao fator 8.4 do tópico “justiça criminal” do banco de dados do World Justice Project (2023). Esses indicadores medem a capacidade das instituições nas garantias dos direitos civis no processo de justiça e na imparcialidade da justiça do país. Quanto maior o indicador, ou seja, mais próximo de um (1), maior é a garantia dos direitos e maior é a imparcialidade da justiça.
Os dados nesses dois indicadores demonstram preocupação e se alinham às críticas da oposição e da direita brasileira de uma forma geral. Há queda da imparcialidade da justiça com variação negativa na ordem de -50,38% com destaque ao dado de 0,11 para os dois últimos anos da série. O indicador já era ruim no início da série e se tornou grave no final dela. Indica que a justiça, principalmente em sua instância máxima, vem tomando decisões nada dentro do rito ao qual o estado democrático de direito prega. A imparcialidade é um termômetro importante e gera garantias a um processo legal cego às diferenças, justo e transparente.
Já o indicador de devido processo legal e direitos do acusado, paradoxalmente, demonstrou leve melhoria, apesar de um dado bem abaixo da média das democracia avançadas (NÓBREGA, 2022). O indicador apresentou variação percentual positiva de 6,87%, mas a média que veremos na tabela 2 vai mostrar que esta é baixa e não contribui para a melhoria dos demais indicadores, como vamos ver nas correlações da tabela 3.
Os indicadores de taxas de homicídios e de índice de democracia também apresentaram variação positiva. No caso dos homicídios, medidos pelas mortes violentas intencionais em suas taxas por cem mil habitantes, demonstrou um dado importante de redução na ordem de -19,10%, o que foi explicado pelo nosso grupo de pesquisa NEVCrim em relatório de pesquisa onde os fatores institucionais como prisões efetuadas, gastos públicos em segurança pública e controle das armas de fogo tiveram impacto decisivo nessa redução, ou seja, mais do que a capacidade do estado de direito no seu aspecto judicial, foram as políticas públicas de segurança que foram responsáveis por tal redução. As correlações executadas na tabela 3 demonstram também, que as instituições do sistema de justiça criminal são importantes para o controle dos homicídios.
A democracia no Brasil apresentou recuo na ordem de -6,18%, indicando a dificuldade de consolidarmos um regime efetivamente democrático no país e que as instituições do estado democrático de direito são fundamentais para esse aprofundamento; e que a justiça parcial é um fator que desabona a democracia, a colocando em risco.
Como dito, a média, a mediana, a máxima e a mínima do indicador de devido processo legal e direitos do acusado são baixas o que é reforçado pelo baixo desvio padrão na série histórica (0,02). A imparcialidade do sistema de justiça criminal segue praticamente o mesmo padrão, mas com um indicador típico de ditaduras. O sistema de justiça criminal no Brasil é similar a de países autoritários. A título de exemplo, em 2020, o Brasil ficou atrás do Irã nesse quesito (Irã com 0,26 e o Brasil com 0,20).
Já os homicídios como proxy de violência, demonstrou importante recuo e a estatística descritiva reforça essa abordagem. O desvio padrão aponta para essa queda e que esse quesito de estado democrático de direito, apesar do alto número ainda de vidas ceifadas todos os dias no país, apresentou importante redução.
A democracia como regime político apresentou dados de pouca inflexão, mas de queda numa realidade de classificação de democracia falha ou híbrida - quando há características autoritárias em suas instituições. As correlações abaixo descritas irão expor as associações entre os indicadores de estado de direito no Brasil.
As correlações acima demonstram as seguintes associações entre as variáveis de estado de direito democrático:
1. A correlação entre devido processo legal e imparcialidade da justiça teve uma associação positiva baixa de 0,28;
2. A correlação entre devido processo legal e taxas de homicídios apresentou associação moderada a alta de 0,53;
3. A correlação entre devido processo legal e índice de democracia não apresentou associação, sendo nula, na ordem de -0,06;
4. A correlação entre imparcialidade da justiça e as taxas de homicídios apresentou nível de associação alta de 0,68;
5. A correlação entre imparcialidade da justiça e o índice de democracia foi o mais alto de todas as correlações feitas, com alto nível de associação de 0,81;
6. A correlação entre taxas de homicídios e o nível de democracia também se mostrou associado, num nível moderado a alto de 0,55.
As correlações demonstram que os indicadores de estado democrático de direito aqui utilizados são significativamente associados, salvo a correlação nula entre devido processo legal e democracia. Isso demonstra que a oposição e a direita estão corretas em criticar o STF e as tomadas de decisão dos seus atores do judiciário. Que a imparcialidade da justiça se deterirou muito no país nos últimos anos (com recuo de mais de cinquenta por cento, como vimos na tabela 1) e que o impacto disso se mostrou relevante nas demais variáveis de estado democrático de direito, com destaque a correlação entre imparcialidade da justiça e a democracia brasileira.
Portanto, comprovamos empiricamente o mal que uma justiça politizada e partidarizada faz ao país. É importante avançarmos na pauta do ativismo do judiciário e urge o controle de seus atores por parte do Congresso Nacional. Este totalmente inerte aos abusos da suprema corte e de alguns de seus atores que abusam constantemente de seu poder.
José Maria Nóbrega é doutor em Ciência Política pela UFPE e professor associado de Ciência Política da UFCG.
Referências:
ANUÁRIO BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, DADOS ESTATÍSTICOS, 2024.
AS TAXAS DE MORTES VIOLENTAS INTENCIONAIS NO BRASIL: dinâmica e correlações estatísticas
José Maria Pereira da Nóbrega Júnior, (UFCG, CDSA, NEVCRIM) E-mail: jose.maria@professor.ufcg.edu.br Duilia Dalyana Ribeiro Santos da Nóbrega, (PPGCP-UFPE, UEPB, NEVCRIM) E-mail: dallyribeiro@yahoo.com.br
THE ECONOMIST INTELLIGENCE UNIT, DEMOCRACY INDEX. 2023. Age of Conflict.
WORLD JUSTICE PROJECT, 2023. Rule of Law Index, banco de dados, 2023.
VIOLÊNCIA NO BRASIL (2011–2023)
VIOLENCE IN BRAZIL (2011–2023)
José Maria Pereira da Nóbrega Júnior Universidade Federal de Campina Grande, UFCG, Brasil jose.maria@professor.ufcg.edu.br
Assuma de vez que você é bolsonarista raiz, não tem nada demais em assumir porque tá muito claro
ResponderExcluiré este o seu comentário sobre tudo o que escrevi? ser de uma correnta política ou de outra não é importante. o importante é entender e fazer um complemento ou argumento contrário (válido, com base em ciência). mas, muito obrigado pelo comentário.
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