ACCOUNTABILITY HORIZONTAL: o equilíbrio democrático entre liberalismo e republicanismo


O conceito de accountability horizontal desenvolvido pelo cientista político argentino Guillermo O´Donnell é uma das principais discussões teóricas da ciência política contemporânea. Em seu artigo seminal, “Accountability Horizontal e novas poliarquias” (1998, http://www.scielo.br/pdf/ln/n44/a03n44) O´Donnell discute com propriedade as categorias do conceito. Estas são o republicanismo, o liberalismo e a democracia. O republicanismo é romano e reporta as instituições da época da Roma republicana. O liberalismo é anglo-americano e reporta as instituições dos modelos políticos da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos da América. Já a democracia, reporta aos tempos clássicos da ágora ateniense. Para ele, uma democracia moderna precisa equilibrar-se nessas categorias do conceito de accountability horizontal.

Este conceito, a priori, traz a transparência do regime político como ponto de partida. Para tal, além dos dispositivos eleitorais, é fundamental que os atores políticos eleitos respeitem o império da lei e a vontade do povo refletido no conceito clássico de democracia. No entanto, eleições dependem de liberdades civis e políticas tal qual definido no conceito de Poliarquia em Dahl. E estas dependem de lei e estado coercitivo para ser efetiva, eficaz e eficiente. E, também, o regime político livre e democrático dependerá do império da lei, no qual todos os agentes do Estado e os indivíduos em sociedade vejam, no limite por ela delineado, os limites para os seus comportamentos no cotidiano social.

Estados com falhas em suas instituições são estados de fraco accountability horizontal, não obstante em muitos desses estados encontrarmos instituições que promovem eleições competitivas e periódicas. Para o fortalecimento da democracia então, será fundamental o fortalecimento dos componentes que definem o conceito de accountability horizontal. O fortalecimento dos componentes liberais, republicanos e democráticos depende de instituições sadias e de baixa usurpação com, ao mesmo tempo, um equilíbrio entre essas categorias.

O´Donnell (1998) afirmou que, para esse equilíbrio e sucesso das poliarquias jovens, a incapacidade estatal em fazer valer tais ingredientes trabalhará contra a tentativa de equilíbrio. Para ele:

O liberalismo teme as consequências diretas e indiretas da usurpação pelos governantes, e, portanto, coincide com o republicanismo ao esperar que os governantes se sujeitem não apenas à lei existente – como os republicanos exigiriam – mas a um tipo de lei que proteja as liberdades e as garantias que o liberalismo aprecia. Mas o liberalismo não tem muito a dizer sobre a corrupção. O republicanismo, por sua vez, proíbe a usurpação e condena fortemente a corrupção (corruptio optimi est pessima), chegando a entender por isso, em suas versões mais clássicas, até mesmo a negligência pelas coisas públicas que o liberalismo vê com benevolência. Finalmente, a visão monística da democracia ignora a ideia mesmo de usurpação. (O´DONNELL, 1998: 46).

Ou seja, para uma democracia robusta, sólida, o equilíbrio entre esses componentes da accountability horizontal fundamenta a democracia e, praticamente, impede o risco de retrocesso ao autoritarismo.
Não à toa, as novas poliarquias latino-americanas não se consolidam mantendo-se numa zona híbrida na qual as instituições políticas não se democratizam, não se tornam accountables, ou seja, capazes de fazer com que os atores sociais conduzam as suas ações tendo como base o liberalismo e o republicanismo.

Na América Latina os agentes do estado se sentem pouco inclinados ao respeito ao império da lei e, por sua vez, mais estimulados a passar por cima dos direitos dos cidadãos. Vide os episódios contemporâneos nessas semipoliarquias – regimes de hibridismo institucional no qual há eleições conforme a teoria, mas as garantias dos componentes liberais e a integridade do império da lei são fracos -, tal qual a da Bolívia em que o antigo mandatário se sente a vontade em desrespeitar a lei eleitoral e, também, as forças armadas tem amplas prerrogativas políticas. Segundo o cientista político Jorge Zaverucha, na América Latina dificilmente um governante se mantem no poder sem o apoio político das forças armadas. Ou seja, republicanismo e liberalismo sofrem constante ameaça pelos agentes do Estado, eles eleitos ou não.

by JMN

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