O que aprendemos com a Colômbia?



Em matéria publicada em 2000 pela Revista Veja, essa era a realidade colombiana:

"Nosso vizinho mais violento atingiu um padrão de criminalidade sem precedentes, a ponto de 40% do território do país estar entregue a narcotraficantes, paramilitares e aos guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), um fóssil venenoso da Guerra Fria. Como consequência desse processo de ocupação, estima-se que quase 2% da população – 800 mil pessoas – tenham abandonado o país nos últimos dez anos com medo da violência. Calcula-se que 1,5 milhão de camponeses fugiu da violência no campo para engrossar as favelas das grandes cidades. Um terço desse total está na capital, Bogotá. É o terceiro maior número de refugiados internos no mundo. Só perde para Angola e Sudão". (LORES, Raul J. [2000], “Na Colômbia o crime já venceu”. Veja, Edição 1.655, de 28 de junho de 2000).

Gráfico 1. Taxas de homicídios na Colômbia – 2000 a 2016
Fonte: Homicide Report (Banco Mundial).

Passados quase 20 anos, os dados demonstrados no gráfico 1 ilustram bem como a violência decresceu e como o crime foi arrefecido naquela Nação latino-americana. Na série histórica apresentada no referido gráfico, a queda nos números absolutos de homicídios foi de 53,2%, entre os anos 2000 e 2016, e de 61% nas taxas de homicídios por cada grupo de 100 mil habitantes – que é a principal proxy de violência. A taxa em 2002 foi de 68,3 por 100 mil e, em 2016, caiu para 25,5, uma queda expressiva de 62,6%, o que equivale a uma média anual de 4,47% ao ano.

Medellín e Bogotá, principais cidades colombianas, aparecem como exemplo de controle do crime violento no mundo contemporâneo. Medellín, de terrível passado de violência resultado do domínio dos cartéis das drogas – que teve como principal expoente o internacionalmente conhecido Pablo Escobar – conseguiu reduzir as taxas de homicídios de 380 por 100 mil em 1991 – o recolhimento dos cadáveres nas ruas de Medellín eram feitos pelos carros do Exército, já que os veículos do instituto médico legal não davam conta – para uma taxa menor que a média nacional, em 2016, de 21 por 100 mil, uma queda em 25 anos de 94,4%.

Quais as causas para tão expressiva redução do crime violento na Colômbia?

Conforme trabalho recentemente publicado (NÓBREGA JR., José M. P. da [2019], Democracia, violência e segurança pública no Brasil. Ed. UFCG. Campina Grande, PB. Para acesso ao e-book: https://editora.ufcg.edu.br/ebooks/151/view_bl/65/publicacoes-2019/62/democracia-violencia-e-seguranca-publica-no-brasil.html?tab=getmybooksTab&is_show_data=1) alguns estudiosos (TORRES, Fabio S. [2012]. Las cuentas de la violencia. Economía Universidad de los Andes, Bogotá: Grupo Editoral Norma) asseveraram que 90% do incremento nas taxas de homicídios na Colômbia estavam ligadas a renda proporcionada pelo narcotráfico, que a ineficiência da Justiça e a pobreza explicavam muito pouco os altíssimos níveis de violência em cidades como Bogotá e Medellín. Ou seja, o foco devia ser no grupo que estava gerando mais conflito violento, que era o narcotráfico e este estava fortemente ligado a presença de grupos guerrilheiros, como as Farc; que a presença desses grupos potencializavam as taxas de homicídios em 1,8 e 4,2 pontos percentuais a mais, respectivamente.

Diminuir o poder econômico e político dos narcotraficantes foi fator decisivo, muito mais que as políticas de prevenção adotadas naquele país, apesar destas serem muito importantes. Esses autores colombianos inferiram também que a investigação sobre a violência na Colômbia obedece a características especiais originadas na existência de grupos armados, atividades ilegais e ineficiência da justiça, que a pobreza, a desigualdade e a exclusão social não produzem na Colômbia uma violência diferente da que pode produzir em outros países ou regiões.

Já Soares (SOARES, G. A. D. [2008], Não Matarás. Desenvolvimento, desigualdade e homicídios. Rio de Janeiro: FGV Editora) avaliou os resultados obtidos pelas políticas públicas em segurança nas duas principais cidades colombianas, chegando as seguintes inferências:

a. Os dados sobre Bogotá demonstram que, quando uma política pública acertada passa de política de governo a política de Estado, há benefícios evidentes, há continuidade;
b. O mesmo é válido para Medellín, uma experiência menos conhecida que a de Bogotá, e que reduziu ainda mais o número de homicídios. O acelerado declínio nas taxas de homicídios foi uma das maiores da história do crime e que o desmonte dos narcorrevolucionários e dos grupos paramilitares foi o principal mecanismo causal desse declínio.

Velasquéz (VELASQUÉZ, Hugo A. [2006], Os governos locais e a segurança cidadã. PNUD) também deu importância a sequência das políticas em Bogotá como ponto fundamental para o sucesso no controle da criminalidade violenta. A municipalização da política de segurança pública ampliou as estratégias da política pública levando em conta o contexto local. Gestão da informação, planejamento estratégico, criação de infraestrutura administrativa, destinação de recursos humanos qualificados, fortalecimento da polícia metropolitana, accountability e constante avaliação foram fatores destacados por ele.

Em suma, inteligência desarticulando o crime organizado e os grupos paramilitares, estrangulando as suas fontes de financiamento; gestão na formulação, execução e avaliação das políticas públicas em segurança foram pontos mais destacados; a política de guerra declarada, do confronto em regiões como favelas e comunidades, sem metas articuladas entre as diversas instituições coercitivas resulta em muita morte e não resolve o problema da criminalidade violenta. O exemplo colombiano nos ensina muita coisa e precisa ser levado em conta pelos gestores da segurança pública em qualquer lugar do mundo violento.

by JMN

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