Efetivo policial e controle da criminalidade violenta



Uma das referências sobre a segurança pública de dada realidade é a ocupação dos espaços pelas instituições do aparato de segurança estatal. As teorias sociais do crime e da violência destacam isso, com especial relevância as teorias de abordagem econômica, como a Rational Choice e a teoria das janelas quebradas, Broken Windows, com vasta literatura empírica a respeito (NÓBREGA JR., J.M.P. da [2017], “Violência homicida no Nordeste brasileiro: Dinâmica dos números e possibilidades causais”. Dilemas. Vol. 10, n. 23. https://revistas.ufrj.br/index.php/dilemas/article/view/14563 e NÓBREGA JR., J.M.P. da [2015], “Teorias do Crime e da Violência: Uma Revisão da Literatura”. BIB, São Paulo, n. 77, 1º semestre de 2014 (publicada em dezembro de 2015), pp. 69-89. http://anpocs.com/index.php/bib-pt/bib-77).

De destaque, então, é o papel do efetivo policial como variável proxy (indicador que substitui um conceito ou teoria) na ocupação espacial do Estado para o controle da violência e da criminalidade violenta, sobretudo os crimes patrimoniais e contra à vida.
Segundo às Nações Unidas (“Os estados com o maior déficit de policiais por habitante”. Acesso em 19/08/2019: https://exame.abril.com.br/brasil/brasil-tem-deficit-de-20-mil-policiais-em-seu-efetivo/?fbclid=IwAR0hLfE7TbF2Q6LWw_olLb0MK-HPOjkR49TFQZvZANynAud7Je0U27M6thk), a média de efetivo policial no país precisa melhorar para se chegar a um policial para cada 450 habitantes.

Dados mais recentes do IBGE mostram que o Brasil tem um policial para cada 473 habitantes e, segundo a ONU, precisaria de mais 20 mil policiais militares para chegar ao número ideal.

Das 27 unidades da federação, 17 delas estão deficitárias, sendo a pior delas o Maranhão, com um policial para cada 881 habitantes. Seria, portanto, necessário dobrar o seu efetivo policial, que hoje está em torno de 7.709 servidores. O Distrito Federal está em melhor situação com um policial para cada 194 habitantes. Pernambuco apresentou dado de um policial para 476 habitantes.

No entanto, efetivo policial não é uma variável determinante para o controle da criminalidade violenta. Por exemplo, São Paulo, que teve o indicador de um policial para 488 habitantes (20ª posição entre as unidades federativas, incluindo o total nacional, cf. tabela apresentada abaixo), é o estado da federação com a menor taxa de homicídios para o ano de 2017, com 10,7 por cem mil habitantes (nomenclatura internacional da violência) em mortes violentas intencionais nos dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2019).

Analisando os dados do relatório “Perfil dos Municípios Brasileiros de 2014” (IBGE) [último relatório que aparece o número de efetivo policial], percebemos a falta de correlação estatística entre o número de efetivo policial e o controle da criminalidade violenta, esta medida pelas taxas de homicídios (mortes por agressão) dos dados do Sistema de Informação de Mortalidade do Sistema de Dados do SUS, para o mesmo ano de 2014, com as taxas calculadas pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade Federal de Campina Grande (NEVU).

Tabela. Unidades da Federação | Efetivo policial militar | Total/homens/mulheres | razão do índice policiais/habitantes | índice policial/habitantes | correlação de Pearson entre razão do índice de policiais/habitantes com as taxas de homicídios
Unidades da Federação
Total
Homens
Mulheres
Índice de policiais/ hab. (1)
indice
tx hom 14
correl indxtxhom
Distrito Federal
14.345
13.176
1.169
0,176
1.194
29,48
-0,025
Amapá
3.700
2.946
754
0,179
1.199
34,09
Acre
2.712
2.441
271
0,240
1.286
29,36
Roraima
1.669
1.426
243
0,244
1.292
31,79
Rondônia
5.200
4.700
500
0,272
1.332
33
Rio de Janeiro
46.135
42.147
3.988
0,288
1.355
32,79
Rio Grande do Norte
8.926
8.717
209
0,304
1.378
47
Tocantins
3.855
3.384
471
0,307
1.383
25,39
Amazonas
9.050
7.970
1.080
0,334
1.421
32,01
Paraiba
9.263
8.563
700
0,335
1.423
39,33
Espírito Santo
8.491
7.518
973
0,355
1.452
41,39
Alagoas
7.135
6.349
786
0,363
1.463
62,77
Sergipe
4.660
4.343
317
0,368
1.471
49,42
Brasil
425.248
383.410
41.838
0,370
1.473
29,43
Pernambuco
19.348
17.227
2.121
0,372
1.476
36,19
Mato Grosso
6.579
5.992
587
0,377
1.484
42,05
Bahia
31.039
26.714
4.325
0,378
1.485
39,12
São Paulo
89.478
79.600
9.878
0,380
1.488
13,52
Minas Gerais
42.115
38.519
3.596
0,381
1.489
22,75
Mato Grosso do Sul
5.255
4.833
422
0,383
1.492
26,68
Pará
15.943
14.047
1.896
0,388
1.500
42,48
Goiás
11.950
11.000
950
0,415
1.538
44,24
Rio Grande do Sul
20.405
17.773
2.632
0,421
1.547
24,18
Ceará
15.926
15.440
486
0,424
1.551
52,3
Santa Catarina
11.560
10.680
880
0,440
1.574
12,83
Piauí
5.335
4.975
360
0,456
1.597
22,41
Paraná
17.465
15.667
1.798
0,479
1.630
26,68
Maranhão
7.709
7.263
446
0,653
1.881
35,86
Fonte: “Perfil dos Estados e Municípios Brasileiros 2014”, estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). cálculo das taxas e correlação de pearson nevu (2019).

Na tabela acima, temos os números de efetivo policial total, por gênero, razão do índice do número de policiais por habitantes, o indicador geral de policial por habitantes, as taxas de mortes por agressão e a correlação de Pearson entre as colunas de dados da razão do índice policiais por habitantes com as taxas de mortes por agressão (indicador de criminalidade violenta).

O resultado da correlação de Pearson (que mede o nível de associação entre dois conjuntos de dados, no qual um conjunto de dados X é avaliado em seu nível de impacto estatístico em outro conjunto de dados Y, o resultado pode ser positivo, quando as duas variáveis são crescentes e positivas; negativo, quando uma variável é positiva e a outra negativa, nesse caso são consideradas inversas, enquanto uma cresce a outra decresce; ou nula, quando o resultado é igual a zero ou próximo disso) mostra que o efetivo policial não tem correlação, ou associação, com o controle da criminalidade violenta dado o resultado muito próximo de zero (R=-0,025) apesar de um sinal negativo, não há como apontar uma relação inversa, o efetivo cresce e a criminalidade violenta decresce, ou vice-versa.

Os números em suas descrições apresentam resultados diversos e, em alguns aspectos, controversos, com todas as unidades da federação com números de policiais acima do estipulado como padrão e em nenhuma delas há controle das taxas de homicídios, com a média nacional acima três vezes do tolerável mundialmente.

A correlação de Pearson foi um mecanismo bastante razoável para sugerirmos a fraca significância do efetivo policial para o controle da criminalidade violenta, o que já vínhamos destacando há algum tempo (NÓBREGA JR., J.M. [2011], “Os homicídios no Nordeste Brasileiro”. Segurança, Justiça e Cidadania / Ministério da Justiça. – Ano 3, n. 6, (2011). Brasília: Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP). Sem planejamento estratégico, sem distribuição do efetivo segundo critérios científicos (georreferenciamento, destacamento em áreas “quentes”, abordagens pontuais baseadas em dados, etc.), o simples aumento do efetivo policial ostensivo não responderá adequadamente às demandas sociais do crime violento.

by JMN

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