Polígono da Maconha : o custo baixo da plantagem

Polígono da Maconha[1]: o custo baixo da plantagem



José Maria P. da Nóbrega Júnior – Cientista Político, Professor Adjunto da UFCG

Segundo o sociólogo Paulo César Pontes Fraga, o Polígono da Maconha ainda atende cerca de 40% do mercado brasileiro. Formado por cidades do sertão pernambucano e baiano, o Polígono da Maconha ficou conhecido pela prática intensa da atividade ilícita e pelas investidas das polícias no confronto ao tráfico na região.

Segundo o pesquisador/cientista político da UFPE, professor Adriano Oliveira, o poder político (Legislativo e Executivo) quase sempre está entrelaçado com o comércio de drogas na região. Na sua pesquisa, que resultou no Livro intitulado “Tráfico de Drogas e Crime Organizado. Peças e Mecanismos” (Ed. Juruá, 2007), Oliveira demonstrou que o tráfico intenso na região nas décadas de 90 e 00 foi facilitado, e mesmo potencializado, por proteção e interferência institucional.

Oliveira explicou, através de uma análise baseada na teoria da explicação por mecanismos, que os agentes estatais recebiam benefícios ao concederem proteção institucional. Por exemplo, “um sujeito criminal pode favorecer um parlamentar com o ganho de votos ou um delegado com uma promoção. Esses benefícios são os mais visíveis, mas existem outros não tão visíveis. Um magistrado pode conceder a proteção institucional a um comerciário de drogas em troca de uma futura transferência para a Capital de Pernambuco” (OLIVEIRA, 2007: 210).

A partir de meados da década passada, o poder coercitivo estatal passou a agir de forma mais incisiva na região. Foram desmatadas várias plantagens e, segundo algumas informações da própria polícia, houve prejuízo aos plantadores, em sua maioria da agricultura familiar. 

“Dados da PF apontam que em 2015 foram erradicados 787 mil pés de maconha, deixando de produzir 262 toneladas da droga. Foram destruídos ainda 255 plantios, 353 mil mudas e apreendidas 545 quilos de maconha pronta para consumo. ‘Com isso conseguimos coibir a circulação da droga no estado em 80%. Nesta última operação, 109 toneladas do entopercente deixou de abastecer várias cidades de Pernambuco, Bahia, Ceará e Maranhão”, argumentou Giovani Santoro”[2].

Partindo da hipótese que a região é marcada por grave desigualdade social, os agricultores continuam plantando a maconha ao invés de produtos alimentares em razão do alto preço do produto em relação aos vegetais e leguminosas e da proteção político/institucional ainda existente e sem a qual o crime organizado não funciona a contento.

Analisando os dados de desigualdade e pobreza em duas das principais cidades envoltas no comércio e consumo ilícito de maconha no Polígono da Maconha, vamos testar algumas variáveis em torno da hipótese levantada acima. Os indicadores de violência (Proxy homicídio), anos de estudo, percentual de extrema pobreza e renda per capita serão cruzados e correlacionados para o teste da hipótese.

TABELA 1. Polígono da Maconha (Petrolina e Paulo Afonso) Homicídios | anos de estudo | % extrema pobreza | renda per capita | correlação violência e extrema pobreza | Variação % de homicídios | correlação violência e renda per capita | Variação % de renda per capita
polígono da maconha
hom
aestudo
% extrema pobreza
renda per capita
C VEXTP
Var%extp
Var%hom
CVRP
Var%rd
2000
117
8,25
15,84
404,40
PET
1
-56,30%
-26,40%
-1
49,60%
2010
86
9,25
6,99
605,06
2000
18
8,43
19,13
342,92
PA
-46,30%
260%
1
58,80%
2010
65
8,9
10,26
544,73
-1
Fonte: atlas de desenvolvimento humano brasil 2013/IBGE/DATASUS. Cálculos de percentuais e correlações do autor.

Observando os dados expostos na Tabela 1, segue os indicadores de violência, pobreza e desigualdade social. Vamos descrever os cruzamentos e correlações dos dados para testar a hipótese. Os dados são dos anos 2000 e 2010, correspondentes aos anos de censo do IBGE.

Petrolina é uma cidade de pouco mais de 330 mil habitantes localizada a mais de 700 km do Recife. Lá houve redução da extrema pobreza em 56,3% com diminuição dos homicídios em 26,4% no comparativo 2000/2010. Na correlação entre os dois indicadores o R=1. Ou seja, os investimentos feitos pelos governos para o arrefecimento da miséria teve forte correlação com a queda dos homicídios no período. Os anos de estudo foram potencializados e a renda cresceu em quase 50% em dez anos. Por que, então, os agricultores continuam arriscando na atividade ilícita de plantagem da droga se os dados são tão positivos?

Já em Paulo Afonso[3], outra cidade do Polígono da Maconha, esta na Bahia, teve um alto crescimento dos homicídios com incremento percentual de 260% entre 2000 e 2010, com queda na extrema pobreza em -46,3%. O R da correlação foi inverso, -1. O que nos indica o contrário do que ocorreu em Petrolina no que tange ao controle da violência. A renda per capita teve um incremento superior ao de Petrolina com um aumento de quase 60% na melhoria da renda da sociedade de Paulo Afonso. A pergunta continua vigente: o que faz os agricultores familiares de Paulo Afonso a continuarem a produzir maconha não obstante a melhoria dos indicadores socioeconômicos, se o risco de ser vitimado pela violência cresceu tanto?

Os dados nos levam confirmar em parte a hipótese levantada na qual a agricultura familiar pretere os produtos alimentares em relação à droga devido ao alto lucro deste produto no mercado ilícito da droga, não obstante a melhoria da renda, a redução da extrema pobreza, o aumento da escolaridade e o risco de ser vitimado no conflito gerado pelo tráfico, no caso de Paulo Afonso, que se tornou maior expressivamente. Em parte, porque a grave desigualdade foi arrefecida expressivamente nos dez anos do comparativo aqui empreendido. O alto lucro da maconha compensa o risco.




[1] Formado por 13 cidades (Salgueiro, Floresta, Belém de São Francisco, Cabrobó, Orocó, Santa Maria da Boa Vista, Petrolina, Carnaúba da Penha e Betânia, todas em Pernambuco, e Juazeiro, Curaçá, Glória e Paulo Afonso, na Bahia).
[2] http://g1.globo.com/pe/petrolina-regiao/noticia/2015/09/policia-federal-erradica-329-mil-pes-de-maconha-no-sertao-de-pe.html
[3] População estimada em 119.214 (IBGE, 2015).

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