A INDONÉSIA É BÁRBARA? E NÓS?

GLÁUCIO SOARES IESP-UERJ

Vai ser complicada essa disputa com a Indonésia a respeito da execução de um cidadão brasileiro por desrespeito às leis daquele país. É claro que não há extraterritorialidade. O crime foi cometido em território indonésio. Como convencer o governo indonésio de que deve aplicar a lei, que é duríssima, a seus próprios cidadãos, mas não a um brasileiro? É importante saber que não se trata de uma decisão individual do Presidente recém-eleito, nem de uma arbitrariedade. Em 2007, a instituição mais parecida com o Supremo, o Mahkamah Konstitusi Republik Indonesia, votou por seis a três a favor da constitucionalidade da aplicação da pena de morte por tráfico de drogas.
A Indonésia não discriminou o Brasil, que não é o único país estrangeiro a ter um cidadão (ou mais de um) condenado à morte. Há cidadãos de dezoito países esperando a execução.
A Indonésia não é um estado terrorista, nem protege terroristas. Ao contrário, o terrorismo é um dos crimes que podem ser punidos com a pena capital. Três dos responsáveis pelo atentado terrorista com bombas em Bali, que mataram 202 pessoas em 2002, foram executados.
A Indonésia tão pouco executa centenas ou milhares de criminosos. Embora a pena possa ser aplicada aos autores de dezessete crimes diferentes, ela só foi aplicada aos autores de três tipos de crime: terrorismo, homicídio e tráfico de drogas. Desde 1999 foram trinta execuções. Gostaríamos que ninguém fosse executado, mas como nós, brasileiros, podemos condenar esse tipo de violência naquele país, quando no nosso Brasil, atualmente, cerca de cento e cinquenta pessoas são assassinadas por dia, cinco vezes mais do que os executados na Indonésia em 16 anos? Usando uma expressão popular, não temos “moral” para isso.
Resta a alternativa de condenar o sistema penal daquele país, como fizeram a Anistia Internacional e a Human Rights Watch. Não obstante, a linguagem das críticas está perigosamente parecida com a do evolucionismo social em suas vertentes ocidentalistas e cristãs, que define o mais evoluído como o mais parecido dos países ocidentais – os mesmos que foram potências coloniais e que escravizaram e mataram, esses sim, milhões de pessoas.
No que concerne o sistema penal, também precisamos de cuidado com pinçar apenas um aspecto, a pena de morte, para condena-lo, sem atentar para suas consequências, nem para a autonomia ou falta de autonomia desse instituto no sistema penal como um todo.
É preciso tomar MUITO cuidado com o preconceito baseado na ignorância. Conhecemos pouco a respeito da Indonésia, o que abre caminho para o preconceito contra o país, por ser asiático, diferente, e de maioria muçulmana. É o país com maior população muçulmana do mundo, mais de duzentos milhões, o equivalente à população brasileira. Há o perigo de alcunhar o país de primitivo, barbárico, porque é muçulmano e não ocidentalizado.
Se entrarmos na questão pelo lado das críticas ao sistema penal, abriremos muitos flancos. A taxa de homicídios na Indonésia é baixíssima, menos de 1 por cem mil habitantes. De 2008 a 2011 oscilou entre 0,4 e 0,7. Não é taxa de país violento, desumano nem cruel. A nossa, é: em 2012, foi de 29, de acordo com o Mapa da Violência. A mesma fonte nos indica que houve 56.337 pessoas assassinadas naquele ano. Trinta e oito vezes mais do que na Indonésia, dois países com população comparável (a da Indonésia é perto de dez por cento maior). Nossa taxa de homicídios é mais de quarenta vezes a da Indonésia.
Não dá para tapar o sol com uma peneira. No que concerne a violência letal na sociedade, os bárbaros somos nós.

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