O desenho eleitoral brasileiro e o perfil do eleitor paraibano



José Maria Nóbrega – Cientista Político, Professor Adjunto da Universidade Federal de Campina Grande




No atual quadro eleitoral brasileiro a distribuição do voto demonstra que a maior parte dos eleitores está em cidades do interior do país. Estudos sobre comportamento eleitoral têm foco em análises enviesadas em certas cidades, em sua maioria, capitais dos estados mais populosos do país. Poucos, ou quase nenhum estudo sobre comportamento do eleitor, focam em cidades menos populosas, principalmente com tradição política conservadora. Estudos sobre o comportamento e o perfil do eleitor no Nordeste, por exemplo, ainda estão por vir.

A população brasileira estimada para o ano de 2013 foi de 192.376.496 habitantes, segundo o IBGE. De acordo com os dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) são 140.394.103 de eleitores. Mas, a distribuição é desigual, ou seja, boa parte dos eleitores está no Sudeste. A tabela abaixo demonstra a distribuição espacial pelas regiões do Brasil, a partir dela irei descrever o desenho eleitoral brasileiro levantando, também, algumas hipóteses sobre o perfil dos eleitores. Para isso, farei uma análise hipotética do perfil eleitor paraibano.

Tabela 1. Distribuição Espacial do Eleitorado Brasileiro por Região
Regiões
Total do eleitorado
Percentual
Centro-Oeste
10.013.605
7,12%
Nordeste
38.195.297
27,15%
Norte
10.600.010
7,53%
Sudeste
60.789.706
43,2%
Sul
20.795.485
14,7%
Exterior
252.343
0,17%
Fonte: TSE. Tabela formatada pelo autor.

Pelo que pode ser visto na tabela 1, Sudeste e Sul acumulam a maior parte dos eleitores brasileiros. As regiões Sul e Sudeste, as mais modernas e, por sua vez, desenvolvidas, juntas somam 81.585.191 eleitores, ou 59% dos eleitores brasileiros. O restante, mais de 58 milhões de eleitores, está distribuído nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste, além do diminuto percentual de eleitores brasileiros que vivem no exterior.

Levando-se em conta que a maior parcela da população brasileira vive em cidades do interior, com populações inferiores aos cem mil habitantes, passo agora a analisar a distribuição espacial do voto ao nível dos estados e municípios.

Por exemplo, o maior colégio eleitoral do Brasil é o Estado de São Paulo. São 31.253.317 eleitores, o que representa 23% do eleitorado nacional. Ou seja, São Paulo tem muita representatividade eleitoral. Contudo, desse total de eleitores em São Paulo, 27,5%, ou 8.619.170 eleitores, estão na capital. O restante, 72,5% está fora da capital, com percentual expressivo de eleitores no interior paulista. 

Contudo, o interior paulista tem forte influência do desenvolvimento do Estado como um todo, onde a política eleitoral é mais fragmentada e os partidos políticos precisam maximizar os votos através de um discurso progressista, pouco aberto a tradicionalismos.

A questão da distribuição eleitoral se repete nos outros estados da federação. Boa parte do eleitorado está nas principais cidades, o que é lógico, mas a maior parte deles está no interior. Mas, as cidades interioranas das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste possuem realidades distantes daquela encontrada nas cidades sob influência do Estado de São Paulo.

Vejamos o exemplo da Paraíba. Neste Estado existem 223 municípios onde os principais colégios eleitorais estão em João Pessoa (capital) e Campina Grande (cidade do interior, localizada no agreste do Estado, mas que possui a segunda maior população e o segundo PIB da Paraíba). Nessas duas cidades estão 26,4% dos 2.865.819 eleitores paraibanos. Depois dessas duas cidades, Santa Rita – que faz parte da Região Metropolitana de João Pessoa – aparece em terceiro lugar com 3,12% dos eleitores do Estado (na tabela 2 está exposta a distribuição percentual do eleitorado paraibano, bem como os números absolutos de eleitores nas cidades).

Tabela 2. Distribuição Espacial do Eleitorado na Paraíba
Município
Qt
%
ÁGUA BRANCA
7.065
0,247
AGUIAR
4.640
0,162
ALAGOA GRANDE
23.664
0,826
ALAGOA NOVA
15.549
0,543
ALAGOINHA
10.952
0,382
ALCANTIL
4.477
0,156
ALGODÃO DE JANDAÍRA
2.707
0,094
ALHANDRA
16.020
0,559
AMPARO
2.197
0,077
APARECIDA
6.475
0,226
ARAÇAGI
14.925
0,521
ARARA
9.528
0,332
ARARUNA
13.935
0,486
AREIA
19.253
0,672
AREIA DE BARAÚNAS
1.927
0,067
AREIAL
5.616
0,196
AROEIRAS
15.914
0,555
ASSUNÇÃO
3.410
0,119
BAÍA DA TRAIÇÃO
5.891
0,206
BANANEIRAS
17.614
0,615
BARAÚNA
3.883
0,135
BARRA DE SANTA ROSA
11.054
0,386
BARRA DE SANTANA
7.460
0,26
BARRA DE SÃO MIGUEL
4.610
0,161
BAYEUX
70.704
2,467
BELÉM
13.642
0,476
BELÉM DO BREJO DO CRUZ
5.552
0,194
BERNARDINO BATISTA
2.587
0,09
BOA VENTURA
5.391
0,188
BOA VISTA
5.509
0,192
BOM JESUS
2.659
0,093
BOM SUCESSO
4.338
0,151
BONITO DE SANTA FÉ
8.040
0,281
BOQUEIRÃO
12.973
0,453
BORBOREMA
4.635
0,162
BREJO DO CRUZ
9.488
0,331
BREJO DOS SANTOS
5.354
0,187
CAAPORÃ
16.638
0,581
CABACEIRAS
4.324
0,151
CABEDELO
36.623
1,278
CACHOEIRA DOS ÍNDIOS
7.059
0,246
CACIMBA DE AREIA
3.182
0,111
CACIMBA DE DENTRO
13.221
0,461
CACIMBAS
5.186
0,181
CAIÇARA
6.297
0,22
CAJAZEIRAS
44.129
1,54
CAJAZEIRINHAS
3.513
0,123
CALDAS BRANDÃO
5.062
0,177
CAMALAÚ
4.929
0,172
CAMPINA GRANDE
280.207
9,778
CAPIM
4.466
0,156
CARAÚBAS
3.589
0,125
CARRAPATEIRA
2.237
0,078
CASSERENGUE
5.964
0,208
CATINGUEIRA
4.162
0,145
CATOLÉ DO ROCHA
21.076
0,735
CATURITÉ
4.568
0,159
CONCEIÇÃO
14.025
0,489
CONDADO
5.646
0,197
CONDE
16.115
0,562
CONGO
4.593
0,16
COREMAS
12.247
0,427
COXIXOLA
1.658
0,058
CRUZ DO ESPÍRITO SANTO
14.167
0,494
CUBATI
5.986
0,209
CUITÉ
16.351
0,571
CUITÉ DE MAMANGUAPE
6.170
0,215
CUITEGI
5.740
0,2
CURRAL DE CIMA
5.112
0,178
CURRAL VELHO
2.070
0,072
DAMIÃO
4.137
0,144
DESTERRO
6.876
0,24
DIAMANTE
5.633
0,197
DONA INÊS
9.158
0,32
DUAS ESTRADAS
3.434
0,12
EMAS
2.807
0,098
ESPERANÇA
24.615
0,859
FAGUNDES
9.497
0,331
FREI MARTINHO
2.745
0,096
GADO BRAVO
6.884
0,24
GUARABIRA
39.158
1,366
GURINHÉM
11.506
0,401
GURJÃO
2.985
0,104
IBIARA
5.150
0,18
IGARACY
5.738
0,2
IMACULADA
8.743
0,305
INGÁ
13.592
0,474
ITABAIANA
19.896
0,694
ITAPORANGA
17.157
0,599
ITAPOROROCA
12.638
0,441
ITATUBA
7.804
0,272
JACARAÚ
12.820
0,447
JERICÓ
6.326
0,221
JOÃO PESSOA
480.237
16,757
JOCA CLAUDINO
2.532
0,088
JUAREZ TÁVORA
6.782
0,237
JUAZEIRINHO
12.453
0,435
JUNCO DO SERIDÓ
5.264
0,184
JURIPIRANGA
9.170
0,32
JURU
7.603
0,265
LAGOA
4.401
0,154
LAGOA DE DENTRO
6.028
0,21
LAGOA SECA
19.583
0,683
LASTRO
3.132
0,109
LIVRAMENTO
5.634
0,197
LOGRADOURO
3.112
0,109
LUCENA
10.310
0,36
MÃE D'ÁGUA
3.769
0,132
MALTA
4.677
0,163
MAMANGUAPE
31.773
1,109
MANAÍRA
8.776
0,306
MARCAÇÃO
5.924
0,207
MARI
16.796
0,586
MARIZÓPOLIS
4.977
0,174
MASSARANDUBA
10.142
0,354
MATARACA
6.437
0,225
MATINHAS
3.839
0,134
MATO GROSSO
2.270
0,079
MATURÉIA
5.223
0,182
MOGEIRO
11.337
0,396
MONTADAS
3.929
0,137
MONTE HOREBE
3.873
0,135
MONTEIRO
23.765
0,829
MULUNGU
8.505
0,297
NATUBA
6.825
0,238
NAZAREZINHO
6.146
0,214
NOVA FLORESTA
7.732
0,27
NOVA OLINDA
5.136
0,179
NOVA PALMEIRA
3.267
0,114
OLHO D'ÁGUA
6.653
0,232
OLIVEDOS
3.243
0,113
OURO VELHO
2.671
0,093
PARARI
1.868
0,065
PASSAGEM
2.202
0,077
PATOS
67.562
2,358
PAULISTA
9.697
0,338
PEDRA BRANCA
3.417
0,119
PEDRA LAVRADA
5.988
0,209
PEDRAS DE FOGO
18.624
0,65
PEDRO RÉGIS
4.638
0,162
PIANCÓ
11.076
0,386
PICUÍ
14.455
0,504
PILAR
9.241
0,322
PILÕES
6.820
0,238
PILÕEZINHOS
5.339
0,186
PIRPIRITUBA
7.948
0,277
PITIMBU
10.412
0,363
POCINHOS
13.246
0,462
POÇO DANTAS
3.470
0,121
POÇO DE JOSÉ DE MOURA
3.895
0,136
POMBAL
24.714
0,862
PRATA
3.462
0,121
PRINCESA ISABEL
15.474
0,54
PUXINANÃ
10.748
0,375
QUEIMADAS
32.227
1,125
QUIXABA
1.751
0,061
REMÍGIO
13.407
0,468
RIACHÃO
3.270
0,114
RIACHÃO DO BACAMARTE
4.134
0,144
RIACHÃO DO POÇO
3.993
0,139
RIACHO DE SANTO ANTÔNIO
1.809
0,063
RIACHO DOS CAVALOS
6.828
0,238
RIO TINTO
18.318
0,639
SALGADINHO
2.771
0,097
SALGADO DE SÃO FÉLIX
10.882
0,38
SANTA CECÍLIA
6.187
0,216
SANTA CRUZ
5.336
0,186
SANTA HELENA
5.550
0,194
SANTA INÊS
3.915
0,137
SANTA LUZIA
11.650
0,407
SANTA RITA
89.443
3,121
SANTA TERESINHA
4.527
0,158
SANTANA DE MANGUEIRA
4.736
0,165
SANTANA DOS GARROTES
5.329
0,186
SANTO ANDRÉ
2.650
0,092
SÃO BENTINHO
3.498
0,122
SÃO BENTO
24.659
0,86
SÃO DOMINGOS DE POMBAL
2.965
0,103
SÃO DOMINGOS DO CARIRI
2.343
0,082
SÃO FRANCISCO
3.342
0,117
SÃO JOÃO DO CARIRI
4.082
0,142
SÃO JOÃO DO RIO DO PEIXE
14.568
0,508
SÃO JOÃO DO TIGRE
3.519
0,123
SÃO JOSÉ DA LAGOA TAPADA
6.427
0,224
SÃO JOSÉ DE CAIANA
5.042
0,176
SÃO JOSÉ DE ESPINHARAS
3.940
0,137
SÃO JOSÉ DE PIRANHAS
14.830
0,517
SÃO JOSÉ DE PRINCESA
3.573
0,125
SÃO JOSÉ DO BONFIM
3.356
0,117
SÃO JOSÉ DO BREJO DO CRUZ
1.689
0,059
SÃO JOSÉ DO SABUGI
3.449
0,12
SÃO JOSÉ DOS CORDEIROS
3.186
0,111
SÃO JOSÉ DOS RAMOS
4.668
0,163
SÃO MAMEDE
6.467
0,226
SÃO MIGUEL DE TAIPU
5.384
0,188
SÃO SEBASTIÃO DE LAGOA DE ROÇA
8.854
0,309
SÃO SEBASTIÃO DO UMBUZEIRO
2.902
0,101
SÃO VICENTE DO SERIDÓ
8.156
0,285
SAPÉ
38.597
1,347
SERRA BRANCA
10.079
0,352
SERRA DA RAIZ
2.547
0,089
SERRA GRANDE
2.713
0,095
SERRA REDONDA
6.549
0,229
SERRARIA
4.748
0,166
SERTÃOZINHO
3.860
0,135
SOBRADO
6.782
0,237
SOLÂNEA
22.740
0,793
SOLEDADE
10.721
0,374
SOSSÊGO
2.996
0,105
SOUSA
47.216
1,648
SUMÉ
12.773
0,446
TACIMA
7.689
0,268
TAPEROÁ
11.082
0,387
TAVARES
11.058
0,386
TEIXEIRA
10.398
0,363
TENÓRIO
2.543
0,089
TRIUNFO
7.545
0,263
UIRAÚNA
11.350
0,396
UMBUZEIRO
6.485
0,226
VÁRZEA
2.383
0,083
VIEIRÓPOLIS
5.030
0,176
VISTA SERRANA
2.893
0,101
ZABELÊ
1.959
0,068
Total do Estado
2.865.819

Fonte: TSE (2014)

Dessa forma, levanto a hipótese na qual o perfil do eleitor paraibano, majoritariamente/estatisticamente, se caracteriza por forte tradicionalismo. Este tradicionalismo refletido em uma forma de política familista, ou seja, uma cultura patrimonialista reforçada pelo voto vinculado as forças tradicionais das principais famílias que fazem parte do poder no Estado, sendo isto mais forte nas cidades do interior. 

Um candidato a qualquer cargo em qualquer instância eleitoral e de qualquer esfera ideológica precisa do voto tradicional para ganhar uma eleição, ou se manter num cargo, seja para o Executivo ou para o Legislativo.

Esta hipótese, é claro, precisa ser testada com pesquisas qualitativas, mas o desenho eleitoral da Paraíba sugere que o voto do interior pode decidir uma eleição majoritária e leva, muitas das vezes, a vitórias cabais no âmbito das eleições proporcionais, seja a nível federal ou estadual. Diferente do que ocorre no Brasil moderno (Sul e Sudeste), no Brasil arcaico e tradicionalista (Norte, Nordeste e Centro-Oeste) persiste uma forma de fazer política patrimonialista e de troca de favores privados em troca de votos e de domínio político, com distribuição de cargos.

O voto de “cabresto” e o “neo-coronelismo” persiste, fazendo parte da tradição política no Nordeste, o que pode ser reforçado pelas estratégias dos governadores em angariar apoio dos prefeitos nos municípios. Mais de 70% dos eleitores paraibanos está fora dos principais colégios eleitorais, o que faz da disputa eleitoral uma competição interiorana. Os costumes orgânicos das sociedades nas cidades menores podem potencializar um tipo de voto vinculado às tradições familiares e ao patrimonialismo acima das políticas públicas impessoais exigidas pelo novo paradigma da gestão pública.

Seguindo este raciocínio e, reafirmando que, para a comprovação dessa hipótese são necessários testes empíricos e pesquisas qualitativas rigorosas, o perfil do eleitor paraibano ainda prescinde de uma conotação democrática, da democracia moderna representativa dos modelos contemporâneos de democracia. Em sua maioria ainda é um eleitor vinculado às tradições da política patrimonialista e o que pode reforçar esta hipótese é o percentual altamente fragmentado do voto nas cidades do interior do referido Estado.

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