Classificando Regimes Políticos na América Latina

Os países latino-americanos não são democracias consolidadas
José Maria Nóbrega Jr. – Cientista Político, Professor e Pesquisador da UFCG/CDSA, Coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da UFCG (NEVU), Pesquisador do InEAC

A Revista inglesa The Economist todos os anos lança um relatório sobre o indicador de regimes políticos no mundo. São 167 países classificados por critérios como, por exemplo, liberdades civis e cultura política. A classificação é quadricotômica, ou seja, os países são classificados em Full Democracies (democracias consolidadas), Flawed Democracies (democracias falhas), Hybrid Regimes (regimes híbridos) ou Autoritharian Regimes (regimes autoritários). Desses países, 25 foram classificados como democracias consolidadas, o que equivale a 15% dos países analisados. Estes concentram 11,3% da população mundial. Cinquenta e quatro países foram classificados como democracias falhas, o que equivale a 32,3% dos países estudados, nestes são concentrados 37,2% da população mundial. Trinta e sete países foram classificados como regimes híbridos, o que equivale a 22,2% dos países analisados, e concentram 14,4% da população mundial. Por fim, 51 países foram classificados como regimes plenamente autoritários, o que corresponde a 30,5% dos países analisados, aí concentrando 37,1% da população do globo. Percebe-se que a maioria dos países classifica-se numa “zona cinzenta” entre democracias plenas e regimes autoritários. Ou seja, 54,5% dos países nem são democracias consolidadas, nem são regimes autoritários. Concluo que são regimes semidemocráticos (NÓBREGA JR, 2010). Outra informação importante, esses regimes híbridos semidemocráticos concentram 51,6% da população mundial. Meu objetivo aqui é analisar a classificação deste Index ao nível dos países da América Latina.
A classificação em regimes políticos segue a seguinte conceituação em suas categorias:
1.     Full Democracies (democracias consolidadas): países em que as liberdades políticas fundamentais e as liberdades civis são respeitadas e, além disso, apoiam uma cultura política favorável ao robustecimento da democracia. O funcionamento do governo é satisfatório. A mídia é independente e diversificada. Existe um sistema eficaz de freios e contrapesos. O poder judiciário é independente e as decisões judiciais são cumpridas.
2.     Flawed democracies (democracias falhas): nesses países também há eleições livres com respeito às liberdades civis básicas. Contudo, há problemas na sua governança e baixo desenvolvimento da sua cultura política, além de baixos níveis de participação política.
3.     Hybrid regimes (regimes híbridos): nos países híbridos há irregularidades institucionais que impedem a liberdade e a justiça. Além das falhas encontradas na fraca governança e no baixo desenvolvimento da sua cultura política e dos baixos níveis de participação política, características de regimes de democracias falhas, a corrupção é alta e as regras não servem para todos com o mesmo impacto. Há judiciário sem independência e uma imprensa que sofre constantes repressões.
4.     Authoritarian regimes (regimes autoritários): Nesses estados o pluralismo político é ausente ou muito circunscrito. Muitos países nesta categoria são ditaduras definitivas. Podem existir algumas instituições formais da democracia, mas estas têm pouca substância. Eleições, se vierem a ocorrer, não são livres e justas. Há desrespeito pelos abusos e violações das liberdades civis. A imprensa e a mídia são tipicamente estatais ou controladas por grupos ligados ao regime no poder. Há repressão de críticas ao governo e a censura é generalizada. Não há poder judiciário independente (DEMOCRACY, 2012: 28).

Metodologicamente há aplicação de surveys com perguntas para analisar os países em sua performance em: I. Electoral process and pluralismo (Processo eleitoral e pluralismo político); II. Functioning of government (funcionamento do governo); III. Political Participation (participação política); IV. Political Culture (Cultura Política); e V. Civil Liberties (Liberdades civis). De acordo com as definições do regime supracitadas.
No que tange as perguntas sobre o processo eleitoral e pluralismo político há preocupação em avaliar se as eleições se dão num ambiente de liberdade política, civil e cultural, onde essas se dão sob leis igualitárias e que dão oportunidade ampla para os partidos políticos disputarem o voto do cidadão sem sofrer repressão do aparato do estado.
Sobre o funcionamento do governo há preocupação em averiguar a lisura das instituições do executivo e do legislativo e se o exercício do poder se dá num ambiente de liberdade e de equilíbrio institucional. Outro apontamento da teoria se dá ao controle civil sobre os militares.
Sobre a participação política, além de efetiva participação popular no sufrágio, há preocupação em averiguar a amplitude da participação social no âmbito da representação, como, por exemplo, a participação das mulheres nos cargos de poder (executivo e legislativo). Se os cidadãos se engajam em questões políticas e de políticas públicas.
A respeito da cultura política as questões são relacionadas ao grau de consenso social e coesão das instituições estatais a respeito do funcionamento da democracia. Outro aspecto relaciona-se a percepção da população à liderança do parlamento e a importância das eleições. Se a população prefere os militares no poder aos civis. Se há tradição na cultura popular da democracia como método de escolha de governantes e como forma ampla de participação popular na esfera pública.
No que tange as liberdades civis, o index foca em perguntas relacionadas às liberdades civis e políticas básicas, tais como liberdade de imprensa, de expressão e de associação. Se há uso de tortura pelas instituições estatais. Se o judiciário é independente. Se há tolerância religiosa e de crença. Se há igualdade perante as leis do estado de direito. Se os cidadãos gozam de segurança básica. Se há garantia à propriedade privada (bens). Se há liberdade de escolha da profissão e da formação acadêmica. Se há proteção aos direitos humanos (civis, políticos e sociais). Se há discriminação racial. E em que medida o governo invoca novos riscos e ameaças as liberdades civis como desculpa à segurança nacional (INDEX, 2012: 29-39).
Vemos que os critérios de avaliação levam em consideração vários aspectos do regime político em seu poder em garantir liberdade e o mínimo de igualdade social, política e econômica. As respostas dão a oportunidade ao entrevistado responder  as seguintes opções: 1 (alto), 0,5 (moderado) e 0 (baixo) em relação as perguntas, ou seja, se há alto, moderado ou baixo nível de respeito à democracia. As notas atribuídas ao questionário vão de 0 a 10, onde os países que tem notas médias entre 8 e 10 se encaixam nas democracias consolidadas. Os que ficam entre 6 e 7,9 são classificados como democracias falhas. Os países que ficam entre 4 e 5,9 são classificados como regimes híbridos. E os países com notas médias abaixo de quatro são classificados como regimes autoritários. Toda a metodologia de questionário qualitativo tem, como base teórica, autores contemporâneos da teoria democrática.
O índice fornece uma “fotografia” do estado da democracia em todo o mundo. Cobre quase toda a população do mundo e a grande maioria desses Estados (micro estados são excluídos). Eleições livres e justas e liberdades civis são condições necessárias para a democracia, mas eles não são suficientes para uma democracia plena e consolidada se não acompanhada de um governo transparente e, pelo menos minimamente eficiente, a participação política suficiente e uma cultura política democrática. Não é fácil de construir uma democracia resistente. Mesmo em regimes democráticos sólidos de longa data, a democracia pode corroer se não for alimentada e protegida (INDEX, 2012).
Verifica-se a preocupação do documento em classificar os regimes políticos entre os mais e menos democráticos e os que são plenamente autoritários. Verifica-se, também, a inclusão teórica do processo de classificação com as teorias contemporâneas da democracia[1] ao destacar a importância das eleições democráticas e da qualidade em se garantir estado de direito (liberdades civis).
“Even if a consensus on precise definitions has proved elusive, most observers today would agree that, at a minimum, the fundamental features of a democracy include government based on majority rule and the consent of the governed, the existence of free and fair elections, the protection of minority rights and respect for basic human rights. Democracy presupposes equality before the law, due process and political pluralism” (DEMOCRACY INDEX, 2012: 25).
Ao abordar a classificação do The Economist numa outra base teórica (compatível com a do trabalho da prestigiada revista) percebe-se que os regimes considerados democracias falhas (ou imperfeitas) e regimes híbridos podem ser enquadrados numa única definição, por ambos estarem situados em uma “zona cinzenta” intermediária – apresentando características de regime democrático e autoritário ao mesmo tempo. Daí serem em sua maioria países semidemocráticos (MAINWARING ET AL, 2001 e ZAVERUCHA, 2005).
Dessa forma, passo agora a analisar os países da América Latina substituindo as nomenclaturas supracitadas por semidemocracia. Assim, temos a seguinte distribuição quanto aos países classificados pelo Index Of Democracy neste contexto:



Quadro 1. Tabela dos Países Latino Americanos na Classificação de Regimes Politicos
ranking
país
média score
posição mundial
Classificação
1
Uruguai
8.17
18
Democracia
2
Costa Rica
8.10
22
Democracia
3
Chile
7.54
36
Semidemocracia
4
Brasil
7.12
44
Semidemocracia
5
Panamá
7.08
46
Semidemocracia
6
Trinidad e Tobago
6.99
48
Semidemocracia
7
México
6.90
51
Semidemocracia
8
Argentina
6.84
52
Semidemocracia
9
Suriname
6.65
56
Semidemocracia
10
Colômbia
6.63
57
Semidemocracia
11
Rep. Dominicana
6.49
60
Semidemocracia
12
El Salvador
6.47
61
Semidemocracia
13
Peru
6.47
61
Semidemocracia
14
Paraguai
6.26
70
Semidemocracia
15
Guiana
6.05
76
Semidemocracia
16
Guatemala
5.88
81
Semidemocracia
17
Bolívia
5.84
85
Semidemocracia
18
Honduras
5.84
85
Semidemocracia
19
Equador
5.78
87
Semidemocracia
20
Nicarágua
5.56
92
Semidemocracia
21
Venezuela
5.15
95
Semidemocracia
22
Haiti
3.96
116
Semidemocracia
23
Cuba
3.52
127
Autoritarismo
Fonte: Index Of Democracy (2012). The Economist. Formatado pelo autor tendo como base a teoria minimalista da democracia (Mainwaring et al, 2001).

A classificação coloca o Brasil como o quarto regime político mais bem posicionado, atrás apenas de Uruguai, Costa Rica e Chile. Dos 23 países classificados, apenas Uruguai e Costa Rica aparecem no rol dos países de democracias consolidadas. O Score médio acima dos oito pontos coloca estes dois países latino-americanos entre países como os Estados Unidos, a Coréia do Sul e o Japão. O Uruguai apresentou pontuação média melhor que a dos Estados Unidos (média de 8.11), considerado país de democracia consolidada e com instituições confiáveis.
Contudo, a grande maioria dos países latino-americanos nem são democracias consolidadas, nem regimes autoritários – aí só Cuba aparece como regime plenamente autoritário.
“Flawed democracies are concentrated in Latin America and eastern Europe, and to a lesser extent in Asia. Despite progress in Latin American democratisation in recent decades, many countries in the region have fragile democracies. Levels of political participation are generally low and democratic cultures are weak. There has also been significant backsliding in recent years in some areas such as media freedoms” (Index, 2012: p. 8).
Dos 23 países analisados, 20 deles são semidemocráticos. Ou seja, apresenta algum problema em alguns dos critérios avaliados. Por exemplo, o Brasil apresentou ótimas notas no processo eleitoral e nas liberdades civis[2], mas notas baixas em participação política e cultura política.
O conceito de democracia é definido pela The Economist de forma minimalista, mas não submínima (MAINWARING ET AL, 2001 e ZAVERUCHA, 2005). Na sua definição o eleitoralismo das definições submínimas é insuficiente para compor o componente liberal da democracia liberal contemporânea:
“All modern definitions, except the most minimalist, also consider civil liberties to be a vital component of what is often called “liberal democracy”. The principle of the protection of basic human rights is widely accepted. It is embodied in constitutions throughout the world as well as in the UN Charter and international agreements such as the Helsinki Final Act (the Conference on Security and Co-operation in Europe). Basic human rights include the freedom of speech, expression and the press; freedom of religion; freedom of assembly and association; and the right to due judicial process. All democracies are systems in which citizens freely make political decisions by majority rule. But rule by the majority is not necessarily democratic. In a democracy majority rule must be combined with guarantees of individual human rights and the rights of minorities” (idem, 26).

Os regimes políticos na América Latina promovem eleições conforme a teoria e a comprovação empírica do Index, mas violam constantemente direitos civis básicos, com baixa participação política da comunidade nas discussões de políticas públicas, com níveis baixos de cultura política democrática e grande desconfiança nas instituições politicas. Há abuso dos estados em usar da tortura e da violência ilegal contra os seus cidadãos (O´DONNELL, 2000). O Index of Democracy (2012) demonstra que os regimes políticos na América Latina ainda não são democracias consolidadas. E as nossas instituições frágeis a isso confirma.


Referências Bibliográficas:
MAINWARING, S.; BRINKS, D. & PÉREZ- LIÑAN, A. (2001). Classificando regimes políticos na América Latina. Dados, Rio de Janeiro, v. 44. n. 4, p. 645-687. Disponível em: http:—www.scielo.br-pdf-dados-v44n4- a01v44n4.pdf. Acesso em: 15.set.2011.
NÓBREGA JR., José Maria (2010). “A Semidemocracia Brasileira: autoritarismo ou democracia?”. Sociologias, Porto Alegre, ano 12, no 23, jan./abr. 2010, p. 74-141
O´DONNELL, Guillermo (2000). “Poliarquia e a (In)efetividade da Lei na América Latina: uma conclusão parcial”. In: Democracia, Violência e Injustiça. O não-Estado de Direito na América Latina. Orgs. Juan Mendez, Guillermo O´Donnell e Paulo Sérgio Pinheiro. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
THE ECONOMIST INTELLIGENCE UNIT (2012). Democracy index 2012. Democracy at a standstill. A report from the Economist Intelligence Unit. www.eiu.com
ZAVERUCHA, J. (2005). FHC, Forças Armadas e Polícia: entre o autoritarismo e a democracia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.




[1] Que reporta a Schumpeter e a autores não minimalistas, como Habermas.
[2] Questiona-se a boa nota do Brasil em Liberdades Civis, já que neste critério há clara preocupação do Index (2012) em relação a segurança básica de seus cidadãos. Diz-se isso por haver no Brasil uma taxa de homicídios quase três vezes maior que a tolerada e que as instituições coercitivas apresentam pouco prestígio, baixa eficácia e pouca eficiência.

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