Brasil não sabe lidar com a violência sem usar a repressão, afirma antropólogo

Por Meghie Rodrigues
27/05/2013
O real debate em torno da redução da maioridade penal vai muito além das argumentações apaixonadas “contra x a favor” que se tem visto na imprensa. Para Roberto Kant, professor de Direito Público da Universidade Federal Fluminense (UFF) e ex vice-presidente da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), a ambivalência “é um jogo de marketing das instâncias repressivas da sociedade”. Ele afirma que o que está em questão é a dificuldade que o Brasil encontra em administrar conflitos de uma forma não-repressiva, “por causa da nossa tradição jurídica e sociológica incrustada no Direito”, que tem por preceito norteador a diretiva de Ruy Barbosa: “tratar desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam”. 

Para o professor, pode ser que a própria ideia que fazemos do conceito de ‘conflito’ esteja deturpada – o que faz com que seja ainda mais difícil lidar com ele. “Conflitos são uma desarmonia e uma forma de desorganizar a sociedade e por isso precisariam ser extintos. Assim se procura pacificá-los ou suprimir quem provoca o conflito – mas isso não é administrar e nem chegar a um consenso. Isso não é entender os conflitos”. 

Kant explica que “na tradição democrática burguesa, os diferentes devem ser tratados de maneira uniforme” tendo a repressão como forma de controle social. O problema é a noção de “diferente” que se tem na sociedade brasileira. “O direito a foro privilegiado para funcionários do Estado, professores e religiosos retrata e encarna a desigualdade jurídica”, afirma. E completa: “não existe nenhuma forma de administrar conflitos institucionalmente que atinja a parte pobre da população que se mete neles”. 

Reduzir a maioridade penal não vai sanar o problema da impunidade que, para Kant, não se localiza de forma mais explícita nos menores e sim na ausência de solução para os homicídios no Brasil. “São 50 mil sem solução. Temos uma taxa de 5% de solução de inquéritos policiais em caso de homicídios. Isso sim é impunidade”, diz. Ele reitera que a prisão, como forma de isolamento e não de recuperação, deve ser usada em casos extremos, como no de assassinos em série. “Mas não vejo nada na proposta que tenha a ver com isso. Não é uma solução. É uma coisa completamente deslocada, de quem não entende ou não quer entender do assunto”.

Kant levanta a hipótese de haver relação entre o aumento da repressão com a formação de uma indústria do sistema prisional. “Tem muita gente ganhando dinheiro com a indústria da prisão. É um negócio. Pode haver reforços de interesses econômicos e industriais atrás da proposta”. 

“Não tem ninguém interessado em administrar as raízes da violência”, diz Kant. O Brasil estaria longe de experimentar mecanismos que possam de fato atuar na resolução de conflitos e na investigação e apuração dos crimes de maneira razoável. Para ele, “o problema é administrar as pessoas”. 

Revista Eletrônica de Jornalismo Científico: http://www.comciencia.br/comciencia/?section=3&noticia=802

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