As Democracias na América Latina


Por José Maria Nóbrega Jr. – Professor de Ciência Política da Universidade Federal de Campina Grande (PB)

Lendo e observando o cenário político da América Latina (AL) nos últimos tempos, percebe-se claramente que a maioria dos observadores políticos não comunga de conceitos similares sobre o que é um regime político plenamente democrático. Alguns afirmam que a democracia só existe com maior participação popular. Outros, que a democracia tem ponto de partida liberal e que a Constituição é a Carta Magna que rege, ou deveria reger, uma sociedade democrática, colocando em segundo plano a vontade popular.

Nem tanto o céu, nem tanto a terra!

Democracia é, inicialmente, uma aposta institucionalizada, mas a participação do povo também é condição da democracia. Como afirmei, também, é condição. Nem a aposta institucionalizada no processo político, nem a participação popular são suficientes para a democracia como regime político sólido. Por isso as divergências nas opiniões dos especialistas e a dificuldade do leitor em entender o que é Democracia como um conceito prático e de fácil entendimento.

Usarei dois estados latino-americanos como exemplos para discutir a questão democrática na América Latina. O México, que vem atravessando uma fase de violência descontrolada provocada pelo narcotráfico e a corrupção exacerbada. E o Paraguai, que teve o seu presidente, Fernando Lugo, impeachado há alguns dias.

Começamos, antes de entrar nos casos específicos, definindo o que é democracia minimamente. Para a existência de um regime político democrático são necessários: 1. Eleições limpas, livres, pluripartidárias e periódicas com direito à alternância para o Executivo e o Legislativo; 2. Direitos políticos extensos para a maioria adulta da população; 3. Estado de Direito Democrático, onde o aparato institucional tem como principal meta garantir direitos individuais e manter o estado laico; e 4. Controle dos civis sobre os militares.

Dito isto, vamos para o primeiro exemplo.

O México:

As eleições no México correm num estado de guerra. Ou seja, as instituições políticas do estado mexicano não estão conseguindo controlar a sociedade. Os grupos criminosos se infiltraram no estado e os atores político-sociais não conseguem manter o mínimo de segurança. Veracruz, cidade a 400 quilômetros da capital mexicana e conhecida pelo seu potencial turístico, está dominada pelos grupos de narcotraficantes, mais ou menos parecido com o que acontecia com Bogotá e Medellín na Colômbia na década passada. Hoje a polícia não mais atua, foi substituída por fuzileiros navais, ou seja, a segurança pública e institucional não existe mais, foi solapada pela criminalidade violenta.

As pessoas na cidade mexicana de Veracruz estão com tanto medo da situação de carnificina provocada pelos constantes assassinatos, que algumas delas não vão às urnas pelo simples fato de não terem garantia as suas vidas no trajeto entre suas casas e as urnas. Daí reporto a importância do estado de direito, no tópico terceiro da definição de democracia aqui exposta linhas acima. Eleições vão ocorrer no México, mas isso não quer dizer que a democracia, como regime político, ali se encontra. No máximo, temos alguns requisitos schumpeterianos fragilizados. O desenho institucional do modelo de representação pouco importa para a qualidade da democracia naquele país.

Sem instituições que garantam a tutela da vida das pessoas, pouco importa se há eleições ou não. O ponto de partida de qualquer regime político estável, e aí se encontra a forma de governo democrática, requer as garantias aos direitos fundamentais, antes mesmo do direito de escolha dos governantes.

O Paraguai:

Muitos afirmam que houve golpe de estado no país com o impeachment de Lugo. Outros tantos afirmam que tudo transcorreu dentro da legalidade. Quem estaria certo? Os da primeira análise ou os da segunda análise? Difícil de responder. Mas, vamos lá!

Os primeiros estão conceitualmente equivocados. Os segundos analisam de forma macro, sem levar em consideração as idiossincrasias da constituição (ou das instituições) paraguaias.

O que é golpe? Como definir seu conceito?

Golpe de estado pode ser definido como um ato unilateral de algum grupo político que busca chegar ao poder passando por cima das instituições de dado estado. Este grupo pode ser militar ou civil.

Definindo minimamente o que é golpe de estado, vemos que o acontecido no Paraguai não chega a ser um golpe de estado. No entanto, podemos questionar as instituições paraguaias que não criaram maiores dispositivos para evitar que a maioria parlamentar fosse suficiente para destituir um “mal” gestor.

A constituição paraguaia garante o dispositivo que foi utilizado. Portanto, não foi um golpe. Contudo, não evita afirmarmos que no Paraguai há uma frágil democracia. Não pela parca participação das massas, isto não é verdade, pois há eleições com os dispositivos do item um da definição supracitada. Porém, as instituições e seus atores políticos são responsáveis (ou irresponsáveis) pelas fragilidades constitucionais.

Trata-se de uma frágil democracia, ou semidemocracia, que não avança para um regime político democrático sólido. Mas, golpe de estado não ocorreu no Paraguai.

Precisamos discutir com menos emoção e mais pragmatismo a democracia como regime político. Apenas a América do Norte é democrática entre os países do Norte, Centro e Sul das Américas. Tem lá seus defeitos, afinal, não há regime político perfeito! Mas os mecanismos de checks and balances são reforçados por um estado democrático de direito amplo e historicamente consolidado.

Para avançarmos como democracias é necessário consolidar instituições políticas estáveis e responsivas na região. Instituições que realmente reflitam a vontade da maioria, mas uma maioria responsável pelas instituições e seus aperfeiçoamentos no desenho institucional e com garantias individuais sólidas. Sem instituições fortes e responsivas não há democracia. E os seus governos dificilmente serão estáveis em longo prazo.

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