A LEI DA FICHA LIMPA e a frágil representatividade na sociedade brasileira

Artigo do professor da UFCG, José Marciano Monteiro*, publicado na sua coluna no site "De Olho no Cariri"


Há no jargão popular o entendimento de que vivemos em uma democracia consolidada. O fato de vivermos em uma democracia quando pensada do ponto de vista formal, não resta dúvida. Para tanto e no tocante a democracia se configurar como consolidada não podemos aceitar tal afirmativa.
A democracia brasileira, substantivamente em seu aspecto representativo, apresenta sérios problemas. Podemos afirmar que, primeiro, dificilmente os representantes representam os interesses dos cidadãos; e, segundo, que tamanha é a crise da representatividade que sequer, os legitimamente eleitos, conseguem emplacar uma lei com características populares como a lei da “Ficha Limpa”, cujo objetivo primordial é ceifar candidato que tem um passado pautado em ações deletérias e eivadas de vícios que se contrapõe ao espírito republicano.
A crise do modelo representativo torna-se clara quando este não consegue realizar ações condizentes com os anseios da vontade popular. Em outras palavras, diuturnamente assistimos ações de representantes que não conseguem “representar” interesses republicanos, mas sim, e muitas vezes, interesses ligados aos pequenos grupos corporativistas e familistas, interesses particulares. O caráter cívico dos representantes ainda se encontra muito aquém dentro do contexto da república brasileira. O que há na verdade é uma representação mesquinha, através da qual se representam pessoas, grupos familiares, e em último plano interesses da coletividade.
A Lei da Ficha Limpa é um exemplo notório e vitorioso da sociedade civil organizada através das diversas organizações de espírito e prática cívica, a exemplo da Ordem dos Advogados Brasileiros (OAB) e Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). É uma das vitórias da democracia participativa. É uma lei contra a corrupção política e contra a imoralidade na vida pública. Se tivéssemos esperando, possivelmente, por nossos representantes do legislativo federal para a construção dessa lei, a quem de fato também caberia elaborar, poderíamos perder a crença.
Aliás, há muito tempo esta crença na representatividade está em crise. Não é por acaso que poucas são as pessoas que acreditam/confiam na instituição “poder legislativo” e na classe política de nosso país. O que implica afirmar que precisa urgentemente os poderes legislativos, através dos representantes, estabelecerem um diálogo maior com a população não só em tempos eleitorais, mas constantemente, de forma que se possa criar um hábito, através de consultas populares, de participação popular e reconhecimento da importância do legislativo para a vida política do país.
Para a construção da cidadania e o fortalecimento da democracia urge que os eleitores (cidadãos) não exerçam a cidadania votando apenas em dois e dois anos, mas que possam intervir nos processos da nação, de Estado e do município. Ou seja, cabe-nos, enquanto cidadãos (ãs), participarmos e construirmos uma sociedade mais democrática. Que novos projetos, a exemplo do projeto-lei da “Ficha Limpa”, possam ser construídos respeitando os critérios formais de nossa democracia e consolidando os aspectos materiais de nossa participação, fortalecendo, assim, o processo de construção do espírito cívico e republicano da sociedade brasileira.
* José Marciano Monteiro atuou como Secretário de Desenvolvimento do Município de Queimadas/Paraíba e é atualmente Professor de Sociologia do CDSA/UFCG.

Comentários

  1. Excelente artigo, parabéns pena que grande parte da nossa sociedade não tem hábito de ler informações úteis. Por isso que temos uma sociedade adormecida no que desrespeita a nossa politica dentre outros assuntos. Obrigada..

    Flora..

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