Como planejar políticas de segurança pública na Paraíba?

Publicamos abaixo artigo dos alunos Samuel Luna Barbosa da Silva, João Ildefonso Costa de Melo e Vanessa Leite Luna do Curso de Especialização em Segurança Pública da UEPB-SEDS



Não é possível falar de planejamento sem conhecimento técnico. Se não há um gestor técnico que vivencie (ou tenha vivenciado), que entenda a dinâmica do sistema de segurança pública, que saiba como, na prática, atuam as organizações criminosas, não será possível, de maneira alguma, conseguir uma estruturação de uma política de segurança eficaz. Por isso, com políticos em cargos onde deveriam existir técnicos, não haverá êxito no que diz respeito à Segurança Pública.
Também não é possível a conformação de uma política de segurança sem investimentos. É uma premissa básica e indispensável haver recursos de monta considerável e exclusivamente voltados para a área de segurança, pois só assim haverá uma possibilidade de concretização das ações planejadas. Além disso, o horizonte de tempo necessário para que haja resultados nítidos de tais investimentos deve ser a médio e longo prazo, pois é extremamente improvável que se obtenha resultados imediatos nessa área.
O planejamento, portanto, deve ser feito por um gestor técnico, com recursos disponíveis e visando o médio ou longo prazo, pois a ânsia por resultados rápidos pode comprometer o processo. Aliado a tudo isso são necessários recursos humanos, pessoas treinadas, capacitadas para o serviço policial, capazes de efetivar o trabalho, operacionalizar as diretrizes traçadas pelo planejamento técnico. Porém, tal efetivo necessita de armamento, munição, coletes balísticos, viaturas adequadas, alimentação, salários em dia, enfim, motivação, segurança e garantias.
É preciso, da mesma forma, o comprometimento de ponta a ponta poderá haver êxito. Nada funcionará na base da intimidação ou imposição, somente com a cooperação é que pode haver efeitos positivos na busca dos resultados planejados. Isso quer dizer que a tropa deve estar ao lado do gestor, trabalhando com ele e por ele, confiante e focada.
A política de segurança pública, uma ação conjunta e ordenada que vise diminuir a criminalidade, dirimir o índice de homicídios, acabar com o poder paralelo das organizações criminosas, enfrentar o crime em todas as suas formas e atacá-lo do começo ao fim deve incluir não apenas o planejamento técnico, mas, sobremaneira, englobar também o planejamento financeiro, físico, humano, estratégico, operacional, etc., ou seja, todos os tipos possíveis de estratégias, sempre alicerçadas por um orçamento próprio e robusto, livre de burocracias que possam entravar o processo, mas que fique, entretanto, à margem da legislação pertinente.
Porém, gastar não quer dizer apenas comprar a toda prova. Disponibilizar o recurso, licitar, empenhar e pagar em tempo hábil não exauri todo o processo. E ter um orçamento vasto também não. É preciso estudar, pesquisar, focar no equipamento mais adequado, mais eficaz, eficiente, de menor custo, que não possua vícios, defeitos, que tenha boa durabilidade. Comprar por comprar também não soluciona os problemas, apenas postergará sua resolução.
Dito isso, não se pode levar em conta que existirá apenas a ação única e exclusiva com foco na segurança pública, pois necessário também se faz a cooperação de outras áreas, tais como as áreas da educação e da saúde. A primeira atuaria na educação e formação de cidadãos conscientes, tentando deixá-los o mais longe possível do crime, enquanto a segunda daria o suporte e serviria como apoio ao próprio indivíduo às famílias degradadas pelas drogas.
Exposto este panorama geral, antes de planejar qualquer política de segurança em específico para a Paraíba, seria necessário superar alguns obstáculos. É possível detectar uma falta de integração muito grande. Isso pode ocorrer principalmente por dois fatores: I- devido à falta de investimento em tecnologias que permitam a formação e a integração de diversos bancos de dados de informações criminais; e II- a inexistência de diálogo entre os agentes atuantes no cenário policial do estado, pois cada equipe de respectiva delegacia parece atuar isoladamente, até quando habitam o mesmo local geográfico (João Pessoa) e/ou físico (prédio de uma Central de Polícia).
A falta de integração ainda incorpora a distância que existe entre as polícias civil e militar do estado; o distanciamento com relação ao DETRAN (Departamento de Trânsito do Estado), pois o acesso ao banco de dados de veículos e condutores é bastante complicado, formal, moroso; e a atuação independente do Ministério Público, através do GAECO (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado), que acaba por criar atritos com as autoridades policiais (Delegados de Polícia), robustecendo um tipo de guerra de vaidades entre as instituições, uma busca de delimitação de poderes, gerando acusações de usurpação de função e outras minúcias irrelevantes para o combate efetivo ao crime.
Os problemas não cessam por aí, haja vista existir ainda uma inversão de papéis entre as polícias. O fato é que muitas vezes se disponibiliza o aparato da Polícia Civil, notadamente seus recursos humanos, para a realização de policiamento ostensivo em festividades pela capital e ao redor de todo o estado, com destaque para o São João de Campina Grande. Tal atuação enfraquece muito o poder deste órgão de segurança pública, mesmo porque, constitucionalmente, a Polícia Civil é a polícia investigativa, é a polícia judiciária, um braço acessório da Justiça, parceira do Ministério Público, tendo de estar “camuflada”, “misturada” ao povo, infiltrada sem ser percebida. Revelar à sociedade quem são os investigadores dificultará bastante a elucidação dos crimes.
Outro ponto fundamental na dinâmica policial na Paraíba é a interferência política no órgão (Secretaria de Estado da Segurança e Defesa Social - SEDS). A política no estado é muito efervescente, o coronelismo ainda existe, o paternalismo também, o nepotismo é bastante comum. E, nesse contexto, vem à tona um antigo e grave problema da gestão da segurança paraibana: a perseguição político-partidária dos policiais. Mesmo aqueles que atingem resultados satisfatórios são banidos em detrimento de outros “subservientes”.
O quadro desenhado, portanto, remete à falta de continuidade das ações devido a gestores políticos e trocas constantes dos atores, perseguições político-partidárias, falta de integração, escassos investimentos técnicos e em melhorias salariais, inversão dos papéis das polícias, interferências externas do Ministério Público e atendimento a favores políticos, para ficar naqueles mais notáveis e inquietadores.
Superados pelo menos estes problemas, aí sim partiríamos para um projeto de segurança pública no estado. Começando pelo fato da Paraíba ficar entreposta entre Pernambuco e Rio Grande do Norte, seria preciso de forma urgente uma política de proteção das fronteiras. Isso porque o primeiro abriga a capital notadamente das mais violentas do país, e o segundo é tido como destino de relevante monta de turistas, atrativo para ação de diversos criminosos.
Quer dizer que a Paraíba é rota do crime, ainda mais com o recente processo de duplicação da BR-101, deixando o trajeto mais rápido e seguro. Com a proximidade da Copa do Mundo do Futebol de 2014, onde ambos estados serão sedes de jogos da Copa, o possível aumento do fluxo de turistas para “cidades-dormitório” paraibanas possivelmente atrairá criminosos em busca das oportunidades surgidas com tal incremento. E o paradoxo disso é que a operação MANZUÁ, instrumento de monitoração das entradas e saídas fronteiriças da Paraíba com seus dois vizinhos foi recentemente desativada.
Portanto, a conjunção do possível aumento do fluxo de turistas e criminosos advindos de Natal e Recife com a falta de monitoração policial desses deslocamentos, haja vista a inexistência das antigas barreiras físicas de fiscalização, poderá incrementar substantivamente o índice de criminalidade na Paraíba. Fica claro então a necessidade urgente de reativar ou repensar o modo de policiamento das fronteiras paraibanas.
Dos crimes, aqueles que se destacam na Paraíba dizem respeito ao tráfico de drogas e aos homicídios. Imaginando a estreita correlação entre ambos, impedir a entrada das drogas no estado pela maior atenção com as fronteiras, por exemplo, poderia equacionar a recente escalada do número de homicídios. Apesar de parecer fácil – o que, obviamente, não é –, ainda teríamos de equacionar o problema do sistema prisional. Isso porque o comando do crime está estabelecido, fortificado e é atuante dentro das unidades espalhadas pelo estado.
A prisão não é garantia de isolamento da sociedade, nem de recuperação do indivíduo, infelizmente. A realidade é que o crime se perpetua de dentro para fora dos presídios. O problema maior do sistema de segurança como um todo, que engloba polícias (Militar e Civil), Ministério Público (MP), Justiça e sistema prisional estaria mais latente e intricado neste último, pois ele seria o “calcanhar de Aquiles” do processo. As polícias predem, o MP e Justiça processam, julgam e condenam, mas o ato final de isolar o indivíduo e recuperá-lo não se concretiza, pois os presídios paraibanos funcionam tão somente como um tipo de “fortaleza do crime”.
Para concluir, temos que o texto “Planejamento e Gestão em Segurança Pública: prevenção e repressão à criminalidade”, do Profº. Drº. Ciência Política José Maria Nóbrega Jr, é bastante útil no sentido de ratificar o pensamento exposto no presente texto de que planejar Segurança Pública inicia-se pela definição de metas claras, objetivos definidos, aliando inteligência e análise criminal (estudos geo-referenciados de áreas de maior incidência de ocorrências policiais, tipos de crimes mais recorrentes, horários de ocorrência, etc.). Além do mais, balizar-se por estatísticas robustas e confiáveis, difundir o conhecimento, trabalhar cooperativamente, compartilhar informação, sempre são atitudes necessárias no escopo de estratégias para planos de Segurança Pública.
Outro ponto é a questão da gestão, indispensável sob todos os seus aspectos, seja no nível da informação, dos recursos humanos ou no plano administrativo. Isso porque sempre se faz necessário construir e alimentar bancos de dados, produzir relatórios, dividir tarefas, realizar reuniões periódicas, gerir um efetivo reduzido, entre outras tarefas. Nele o Profº. José Maria ainda exalta a necessidade de incorporar o conceito do “accountability” ao processo, pois é primordial definir os atores responsáveis pelos resultados e, ainda, ter mecanismos para responsabilizar a quem couber, como um tipo de prestação de contas, de dar uma satisfação à sociedade. Somente com essa confiança nas instituições poderá se almejar êxito em políticas públicas, seja na Paraíba ou em qualquer lugar do país.

Comentários

  1. Muito legal Professor essa sua atitude de divulgar e valorizar o trabalho dos seus alunos. Ficamos surpresos em ver o artigo publicado, muito gratos pela atenção concedida, honrados com essa publicação em um blog que tem tamanho alcance e apelo para uma área que carece bastantes de ações efetivas, pois a sociedade já se encheu de promessas.

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  2. Resumidamente, os alunos conseguiram delinear os principais problemas que geram o entrave na resolução do problema da Segurança pública no nosso Estado, e acredito, no país. Muito bom. Parabéns colegas!!!

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  3. Saber que nossa polícia possui componentes bem preparados, como os que escreveram tal artigo, de maneira concisa, clara e objetiva, impulsiona-nos a continuar zelando por nossa Instituição. Uma equipe que una honestidade, tecnicidade e, principalmente, vontade, como os supramencionados discentes comentaram, é uma equipe com quem todos se motivam para cuidar de nossa Segurança Pública. Parabéns!!!

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