Desenvolvimento econômico, valores democráticos e instituições democráticas

Por José Maria Nóbrega Jr. – cientista político, professor da UFCG


Qual o ponto de partida teórico para explicar o sucesso de uma democracia? As explicações baseadas na teoria da modernização, ou as explicações baseadas nas análises institucionais? Ou melhor, é o desenvolvimento econômico que leva a formação de valores democráticos e daí a construção de instituições democráticas? Ou a consolidação de instituições estáveis molda os indivíduos a se comportarem de forma democrática vindo a efetivar um regime plenamente democrático?

Ronald Inglehart e Christian Welzel (2005) defendem a tese na qual o desenvolvimento econômico distributivo, medido pelo índice de desenvolvimento humano (IDH), é suficiente para instalar instituições políticas democráticas estáveis. Esses autores afirmam que o desenvolvimento econômico fortalece valores de auto-expressão (liberais) que tornam a sociedade culturalmente propícia para a absorção da democracia (esta vista no modelo dahlsiano). Para esses autores a cultura mais que importa, ela é determinante para a consolidação do regime político democrático.

Seguindo a corrente institucionalista, Adam Przeworski e Carolina Curvale (2010) amparam a tese na qual a construção de instituições políticas democráticas estáveis, independente da realidade socioeconômica de uma região, é fator decisivo para a instalação de uma democracia política e de prática liberal por parte da população. Ou seja, num contexto de pobreza e desigualdade há democracia a partir do momento que as instituições caminham para a estabilidade (accountability).

Ambas as teses tem bons argumentos e utilizam métodos indutivos interessantes de explicação em seus trabalhos. Mas, para o caso do Brasil, parece que Adam Przeworski e Carolina Curvale mostram argumentos teórico-metodológicos mais plausíveis. A falta de accountability de boa parte das instituições políticas do Brasil contribui para a instabilidade da democracia plena neste país. Não obstante a melhoria dos indicadores socioeconômicos brasileiros na última década, do pleno emprego que o país atravessa desde a crise de 2008, as instituições políticas e os direitos civis no país vem em caminho retrógrado.

Primeiro, as instituições políticas não conseguem dirimir as querelas políticas no âmbito dos poderes legislativos e executivos, pelo qual as discussões e acusações terminam caminhando para o Judiciário, numa verdadeira judicialização da política brasileira. A maioria dos brasileiros, apesar de estar inserida numa nova classe média, consumindo e defendendo valores de auto-expressão – como o direito do consumidor e o acesso à justiça nos casos econômicos -, não confiam nos atores políticos eleitos para o Executivo e o Legislativo. Votam por obrigação, e não acreditam na contrapartida dos atores eleitos, exercendo, por sua vez, baixo accountability vertical (O´DONNELL, 1998).

Segundo, a capacidade do Estado de Direito defender os agentes (O´DONNELL, 2010) é cada vez mais rarefeito. Ou seja, o acesso à justiça no campo dos crimes comuns e na contrapartida do estado em manter o controle social, ou o que Hobbes chamou de manter todos em respeito, há tempos não se faz presente. As altas taxas de crime violento, sobretudo os homicídios, são prova cabal disso. O Brasil aparece como o país que mais se comete assassinatos em números absolutos em todo o globo. E a taxa de resolução desses crimes é ridícula. Em Estados como a Paraíba praticamente não se investiga casos de homicídios. Não há banco de dados criminais e a polícia trabalha no “escuro”, sem planejamento e metas claras para diminuição e controle do crime violento.

Para os teóricos da modernização basta desenvolver economicamente com distribuição de renda para termos democracia. Para os neo-institucionalistas há necessidade de instituições estáveis para garantir um regime político democrático. Para os neo-institucionalistas que avaliam o Brasil, além das instituições políticas que passam pelo crivo eleitoral (perspectiva da democracia dahlsiana/schumpeteriana), há a necessidade de se avaliar as instituições políticas garantidoras do Estado de Direito, que sem estabilidade leva ao estado hobbesiano. A cultura importa, mas não é fator decisivo para a consolidação da democracia. As instituições eleitorais importam, mas são insuficientes para a o avanço democrático.

Referências bibliográficas:

INGLEHART, R. e WELZEL, C. (2005), Modernização, Mudança Cultural e Democracia. A sequência do desenvolvimento humano. Editora Francis. São Paulo.

O´DONNELL, G. (1998), Accountability horizontal em novas poliarquias.

O´DONNELL, G. (2010), Democracia, agência e estado. Teoria com intenção comparativa. Paz e Terra.

PRZEWORSKI, A. e CURVALE, C. (2010), "A Política explica a lacuna econômica entre os Estados Unidos e a América Latina?" in Ficando para trás. Francis Fukuyama (org.). Rocco. Rio de Janeiro.

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