Violência e Democracia


O mais grave dos crimes, o homicídio é um importante indicativo, não só da eficiência das políticas públicas de segurança, como da qualidade de vida de uma população. De acordo com dados do Datasus, o Banco de Dados do Sistema Único de Saúde, na década que passou, Pernambuco foi o único estado do Nordeste que conseguiu diminuir de forma considerável os seus números de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs). No entanto, ainda é preciso que o Poder Público - Estado, municípios, Ministério Público, Tribunal de Justiça - atue de maneira mais efetiva na solução desse problema, já que o Estado ainda amarga a 24° colocação entre as 27 unidades federativas, com 39,06 mortes por cem mil habitantes.*

“Ao analisarmos os números de homicídios de uma região é possível dizer se ela é mais ou menos democrática”, afirma o cientista político José Maria Nóbrega Jr, professor da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e autor da tese “Os Homicídios no Brasil, no Nordeste e em Pernambuco: dinâmica, relações de causalidade e políticas públicas”. “Ao contrário do que imagina a maioria das pessoas, a democracia não é somente aquilo que diz respeito às eleições. Viver de forma democrática, em um estado de direito, é ter condições legais, jurídicas de acesso aos serviços públicos nas quais todos ou a grande maioria é tratada de forma igualitária. Se isso não acontece, não há democracia, há a semi-democracia. Se não temos boas investigações, se o Ministério Público não consegue abrir denúncia em muitos dos casos, como terei acesso à Justiça? Sem ela não existe democracia mínima”, argumentou o estudioso.

Para José Maria, nos últimos anos houve uma melhoria nos números de CVLI por conta da preocupação com a implantação de políticas públicas. Ou seja, pela primeira vez, as ações foram elaboradas com preocupação científica. Os bons resultados, segundo ele, começaram de 2007 para cá. “Entre 1994 e 1998 houve uma explosão: os números dobraram. No começo da década havia uma oscilação, e ao final dela foi constatada uma diminuição de CVLI de 24,85%”, colocou. A questão, segundo o especialista, é que a resposta para a criminalidade está longe de ser apenas o efetivo de polícia na rua. “Ela é um ponto importante, mas não é o suficiente para garantir o sucesso, se não houver uma Política Pública que garanta um planejamento focado nas demandas de crimes no local. Temos que ter ações bem focadas”, explicou.

José Maria elogia a política de desmantelamento de grupo de extermínio e milícias e o trabalho desempenhado pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Segundo dados fornecidos pela assessoria da Secretaria de Defesa Social, desde 2007 foram realizadas 1091 prisões em 56 operações qualificadas, ou seja, voltadas para o desmantelamento desses grupos criminosos organizados. “O DHPP fez, por exemplo, parcerias com a Polícia Federal. Passou-se a levar em consideração a inteligência, o trabalho cooperativo, dentro do projeto de gestão de pessoas”, analisou.

Para o especialista, um dos méritos do DHPP foi ter aumentado o número de inquéritos com autoria esclarecida. Segundo ele, em todo o Nordeste houve um aumento no número de prisões, mas, mesmo assim, o aumento dos homicídios se mantém. “Isso acontece porque não há relação entre prisão e diminuição de homicídios, a menos que estejamos falando em prisão de homicidas. O que vemos é que só fica preso o criminoso que não tem acesso a um advogado e que acaba, inclusive, ficando mais tempo preso do que deveria, o que é uma mostra da nossa falta de democracia. São os homicidas contumazes que devem ser presos. É nesse ponto que o trabalho do DHPP chama a atenção, no aumento da produção de inquéritos em mais de 400%. Sem esse documento não há a denúncia, e sem denúncia não há autoria“, esclareceu.

Apesar da redução nos números de homicídios no Estado, no mês de outubro, o governador Eduardo Campos reconheceu, pela primeira vez, que Pernambuco não conseguirá atingir a meta de 12% de redução nos crimes violentos letais intencionais (CVLI) em 2011. José Maria lembra que toda política pública tem que ser continuamente reavaliada. “Um ponto que me parece importante, embora eu não tenha números precisos a respeito, é a questão da qualidade da investigação. Infelizmente, o local do crime não é respeitado e a perícia não é feita de forma ideal”, colocou o professor. “Em Pernambuco, as principais provas ainda são depoimentos e sequer temos um laboratório que realize exames de DNA. Quando há esse tipo de necessidade, geralmente o material é mandado para outros estados”, destacou.

* O dado da matéria está incorreto, Pernambuco está na quarta colocação entre os estados mais violentos por taxas de homicídios no Brasil e não na 24a, como aponta a matéria.

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