A Legislação e a Segurança Pública no Brasil

A Segurança Pública é um bem público garantido constitucionalmente nos direitos e garantias fundamentais (art.5º) e nos direitos sociais (art.6º) [Constituição Federal de 1988]. Sua regulamentação está codificada no artigo 144 da CF/88 como sendo direito e responsabilidade de todos e dever do Estado na garantia da propriedade privada (bens, liberdade e vida).

Esse bem público aparece como ponto sine qua non para a garantia do estado democrático de direito e, por sua vez, da própria democracia. Uma crise de segurança reflete numa crise político-institucional difícil de ser controlada. O Brasil vem atravessando grave crise no controle da lei e da ordem com políticas mal sucedidas no controle da segurança pública e individual em muitas de suas unidades federativas, salvo uma ou duas delas que vem aplicando novos modelos de gestão pública na área de segurança bem sucedidos.

Um dos pontos que a legislação penal no Brasil trata é da condução interna das detenções e prisões no Sistema Penitenciário. A população prisional do país é de 473.626. São 174.372 pessoas presas no regime fechado, 66.670 no regime semi-aberto, 19.458 em regime aberto. São 152.612 pessoas presas provisoriamente e 4.000 por medida de segurança. Existem mais 56.014 sob controle das polícias (Depen/Infopen, 2009). A tendência é de crescimento.

Enquanto a lei penal define as condições de aprisionamento, as instituições coercitivas responsáveis por sua aplicação – sobretudo o Ministério Público e o Poder Judiciário -, não conseguem fazer vigorar as especificações legais, tanto internas, quanto as externas sob o jugo das Nações Unidas:

“A detenção, de no máximo três anos, foi concebida para crimes de menor impacto: os detentos deveriam estar separados dos reclusos e poderiam escolher o próprio trabalho, desde que de caráter educativo. A ordem de separação nunca foi obedecida pelas autoridades brasileiras, e as diferenças práticas entre reclusão e detenção desapareceriam com o tempo, permanecendo válidas apenas as de caráter processual” (CARVALHO FILHO, 2002: 43).

O problema da superlotação prisional e os gastos equivocados dos governos, somados a lentidão e ineficácia da justiça, estão no âmago do problema da falta de segurança no Brasil contemporâneo. O surgimento e robustecimento do crime organizado têm nos presídios seu principal condutor (ADORNO e SALLA, 2007).

Foram das condições deploráveis do sistema penitenciário paulistano, somado ao avanço da tecnologia da informação, que grupos criminosos – como o Primeiro Comando da Capital [PCC] – surgiram e perpassaram os muros do cárcere. Por inação do poder público – Executivo e Judiciário – e para garantia da integridade física – direito civil do ente preso, bem como o acesso irrestrito ao direito de defesa, os detentos se organizaram formando tais grupos.

A ineficácia do Ministério Público e do Judiciário termina por favorecer a insegurança pública, quer por inação ou lentidão nos processos, quer pela prisão irrestrita sem levar em consideração a legalidade processual, sobretudo de garantia constitucional.

Exemplo disso pode ser visto no fluxo dos homicídios no sistema de justiça criminal de Pernambuco.




A média percentual das denúncias de homicídios é de 5,4% do total de mortes por agressão no estado. A tabela também expõe o percentual mensal daquele período. Verifica-se o pico no mês de agosto, onde foram registradas 374 mortes por agressão das quais 28 foram denunciadas no MPPE, ou 7,5% do total de mortes do período assinalado.

Do total de 4.592 assassinatos cometidos no ano de 2007, apenas 246 foram denunciados ao MPPE. O que equivale a 5,4% do total de mortes registradas naquele ano. Mesmo com o registro das denúncias podendo ser de anos anteriores ou posteriores, isto reforça a hipótese da ineficácia/ineficiência dessas instituições coercitivas, já que a média em dez anos (1998-2007) foi de 4.342 homicídios anuais.

Pouco dos homicídios registrados são investigados e denunciados em Pernambuco, a média de 5,4% anual comprova isto, ou seja, 94,6% dos homicídios do estado não são sequer denunciados ao MPPE.

Ao mesmo tempo em que a punição de aprisionamento aparece na literatura como variável determinante para a redução da violência homicida (KHAN e ZANETIC, 2009 e NÓBREGA JR., 2011), pode também contribuir para o surgimento de grupos organizados criminosos extramuros (ADORNO e SALLA, 2007).

Dessa forma, a decisão judicial aparece como ponto nevrálgico na condução da política pública eficaz na área da Segurança Pública. Juízes de Execuções Penais que não levam em consideração o tipo de crime e o sistema penitenciário que não administra os detentos de acordo com os crimes praticados e/ou pelos quais foram condenados fragilizam o desempenho institucional da segurança pública.

Outro ponto relevante é a falta de cooperação dos agentes institucionais na (in)segurança da sociedade. Oliveira (2007), em trabalho sobre as peças e os mecanismos do tráfico de drogas e da criminalidade, explica como se dão as relações entre agentes ilícitos (traficantes) e os atores ilícitos institucionais na região conhecida como “Polígono da Maconha” em Pernambuco.

A presença de atores institucionais motivados para a facilitação da prática de delitos leva as instituições coercitivas a ações que corroboram a fragilidade da segurança pública. Certos atores ilícitos têm facilitadas suas ações quando a interferência política conduz a prática jurídica – esses atores utilizam de suas “relações” ou posições dentro da “malha social” para a consolidação da facilitação de suas atividades ilícitas/criminosas.

Oliveira (2007) descreve alguns relatos baseados em seu trabalho de campo, chegando a conclusões nas quais o poder político e a posição social do agente ilícito determina a ação dos atores institucionais (sobretudo do Poder Judiciário):

“Os indivíduos detentores de poder econômico na região, com status social, dispõem de poder político para interferir nas decisões dos agentes das instituições coercitivas, o que lhes dá amplas condições de solicitar proteção institucional.

O poder político e o poder econômico geram ‘conceito social’, o que significa que um indivíduo é respeitado por todos na região, especialmente em sua cidade – são os bem-conceituados. [...]

Pessoas com esse conceito gozam de imunidade penal e moral. [...] uma pessoa que tem ‘conceito social’ é considerada de conduta ilibada – independentemente dos atos ilícitos praticados – e raramente é incomodada pelas instituições coercitivas na região do polígono” (ibidem: 2007, p. 215).

Percebe-se que o patrimonialismo a serviço do crime conduz a prática de certos atores do Judiciário responsáveis pela garantia da segurança pública. Com o comportamento desviante dos atores institucionais – liberando ilegitimamente atores ilícitos por suas posições sociais -, corrobora para a condução ineficaz das instituições responsáveis pela garantia da segurança pública:

“Um promotor lotado em uma cidade do Polígono da Maconha afirmou que grande parte do tráfico e da pistolagem nessa região conta com proteção institucional, a que ele denomina proteção política, porque membros do Poder Legislativo e do Executivo interferem nas ações e decisões das instituições coercitivas” (Oliveira, 2007: p. 218)



Há de se destacar o caráter anti-cidadão de alguns aspectos da Constituição Federal de 1988. No quesito Segurança Pública, o que prevaleceu foi a militarização da segurança e as prerrogativas das Forças Armadas na condução da garantia da lei e da ordem. Além da lei e da ordem estarem sob o jugo institucional das Forças Armadas – o que pode levar a um hiperdimensionamento do papel do Estado nos direitos individuais -, a falta de cooperação entre os atores institucionais policiais (civis versus militares) torna a segurança pública inoperante (Zaverucha, 2004 e Nóbrega Jr., 2009).

O arranjo institucional da Polícia Civil dificulta o bom andamento da Segurança Pública, o que interfere diretamente no trabalho de todo o sistema de justiça criminal do Brasil. A Polícia Civil exerce atividade de Policia Judiciária apesar de não ser uma instituição do Judiciário. Ela é responsável pela investigação, mas quem, num caso de homicídio, por exemplo, deve garantir o espaço ileso é a Polícia Militar. A falta de técnica de investigação dos patrulheiros militares dificulta e, muitas das vezes, torna inoperante o trabalho dos investigadores (policiais civis).

Zaverucha (2004) salienta que é inócua a separação em dois ciclos do trabalho técnico das polícias. Destaco que o bom trabalho policial é fundamental para a abertura de denúncia no Ministério Público e que, sem esse roteiro, o Judiciário dificilmente consegue efetivar uma boa condução do trabalho processual, o que corrobora, como visto na tabela 1, no baixo rendimento desta instituição na engrenagem do sistema de justiça criminal como um todo.

Por fim, é fundamental destacar o caráter inquisitorial/hierárquico do Judiciário brasileiro. A própria condução do due process of Law no modelo brasileiro antagoniza a perspectiva do modelo liberal, sobretudo o anglo-americano. A hiperdimensão do estado perante o indivíduo e a arbitrariedade do procedimento sigiloso do interrogatório (artigo 100 do Código Penal brasileiro), são pontos que prejudicam a aplicação do efetivo estado democrático de direito (NÓBREGA JR., 2009).



Referências

ADORNO, Sérgio e SALLA, Fernando (2007), “Criminalidade organizada nas prisões e os ataques do PCC” in Estudos Avançados. USP.

CARVALHO FILHO, Luís Francisco (2002), A Prisão. Publifolha. São Paulo.

KAHN, Tulio e ZANETIC, André (2009), “O papel dos municípios na segurança pública”, in Coleção Segurança com Cidadania, Ano 1, Nº 1, Subsídios para Construção de um Novo Fazer Segurança Pública. ISSN 1984-7025.

NÓBREGA JR., José Maria (2009), Semidemocracia brasileira: as instituições coercitivas e práticas sociais. Ed. Nossa Livraria. Recife.

OLIVEIRA, Adriano (2007), Tráfico de Drogas e Crime Organizado. Peças e Mecanismos. Juruá Editora. Curitiba. Paraná.

ZAVERUCHA, Jorge (2004), Polícia Civil de Pernambuco: o Desafio da Reforma. Editora Universitária UFPE. 2ª edição revisada. Recife.


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