DUAS VISÕES DISTINTAS SOBRE A MORTE DE BIN LADEN

folha de s. paulo 7 de maio 2011

Foi correta a operação norte-americana para matar Osama bin Laden?

SIM

Havia base legal e moral para matá-lo

JORGE ZAVERUCHA

No dia 11 de setembro de 2001, a organização Al Qaeda perpetrou uma série de ataques em solo norte-americano. Desde então, os EUA estão em contínua guerra de legítima defesa contra essa organização.

A Al Qaeda continuou a atingir novos alvos americanos, afora as ações que foram desmanteladas pelas forças de segurança dos EUA.

Nada mais apropriado, à luz do Direito internacional, que os EUA possam atacar seu inimigo sem pedir licença a ele.

Afinal, Osama bin Laden estava abertamente planejando novos ataqu es contra al vos civis e militares.

Alijá-lo da disputa era uma questão de salvar vidas inocentes -e não apenas norte-americanas.

Nas Torres Gêmeas, em Nova York, faleceram pessoas de várias nacionalidades, bem como nos atentados em Madri, em 11 de março de 2004, e no metrô de Londres, em 7 de julho de 2005.

Localizado o esconderijo de Bin Laden, a escolha que o presidente dos EUA tinha a fazer era entre duas alternativas: não tomar qualquer atitude efetiva ou fazer algo que poderia ser questionável, por alguns, em termos morais e legais.

Creio que a decisão de Obama de usar a razão de Estado para atacar o esconderijo de Bin Laden foi mais satisfatória do que se nada tivesse feito. Como comprova a reação da população de seu país. A expressão razão de Estado significa o uso da força para a conservação do poder político e da segurança de determinada coletividade humana.

A corajosa decisão de Obama foi tomada em cont exto de desconfiança sobre a lealdade do serviço de inteligência paquistanês (ISI).

Sabe-se que o ISI esteve envolvido em ações terroristas perpetradas, na Caxemira, pelo grupo jihadista paquistanês Lashkar e-Taiba, além de estar amparando a insurgência talibã no Afeganistão.

O fato é que a operação "Geronimo" resgatou a credibilidade tanto da força especial como do serviço de inteligência norte-americano, até então desacreditados em operações dessa magnitude.

O comando especial da Marinha (Seal) cumpriu a missão que lhe foi acreditada, usou grande poder de fogo, demonstrou acuidade e autoconfiança, além de não ter sofrido baixa humana.

A ação perpetrada contra Bin Laden reforça a nova doutrina de luta contra o terror iniciada por Israel.

O governo israelense alega que não se deve fazer uma diferenciação entre o escalão político e o operativo ("militar") de uma organização terror ista. Quem decid e deve também ser punido.

Essa foi a lógica usada para eliminar os líderes islâmicos Ahmed Yassin e Abdel Aziz Rantisi, cofundadores da organização Hamas. Tal lógica não foi bem recebida, na época, pela comunidade internacional. Mas, agora, com a morte de Bin Laden, parece ter ocorrido uma mudança de opinião.

O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, demonstrou apoio à operação norte-americana, e isso deve influenciar o Conselho de Segurança da ONU.

Winston Churchill lembrava que "a coragem é a primeira das qualidades humanas porque é a que garante todas as demais".



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JORGE ZAVERUCHA, doutor em ciência política pela Universidade de Chicago (EUA), é professor da Universidade Federal de Pernambuco e pesquisador do Instituto Nacional de Tecnologia/ Instituto de Estudos Comparativos em Administração de Conflitos. Publicou recentemente o livro "Armadilha em Gaza - Fundamentalismo Islâmico e Guerra de Propaganda contra Israel".





Foi correta a operação norte-americana para matar Osama bin Laden?



NÃO



"V" de Vingança



JOSÉ RODRIGO RODRIGUEZ



Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, conseguiu capturar Osama bin Laden no domingo passado. Quem executou a operação foram integrantes de uma tropa criada para realizar operações s ecretas. O Paquistão, país onde Bin Laden estava abrigado, não foi avisado das ações americanas.

"A justiça foi feita", afirmou Obama em seu pronunciamento após a ação. Para comemorar tal "justiça", milhares de pessoas saíram às ruas e aclamaram seu presidente como um herói; diversos líderes mundiais afirmaram que essa é uma "vitória contra o terror".

Mas trata-se mesmo de justiça?

Ou a ação dos EUA deve ser considerada como mera vingança? Justiça e legalidade não se confundem: não vou tratar aqui da legalidade da operação. A execução de Bin Laden não gerou protestos significativos na comunidade internacional.

O desrespeito à soberania do Paquistão, a aplicação de uma pena sem processo judicial, o segredo da operação, nada disso parece tão importante diante do objetivo final.

Os fins justificariam os meios, portanto? Processo judicial, sentença formal, Estado de Direito: esses conceitos seriam ap en as tecnicalidades? A resposta é clássica e antiga: devemos desconfiar do poder e submetê-lo a fiscalização constante. A história ensina que os poderosos abusam de sua posição.

Um poder sem controle pode degenerar em autoritarismo: basta que a definição do justo se torne privilégio de um pequeno grupo de pessoas. Devemos desconfiar de Obama como desconfiávamos de Bush, ex-presidente dos EUA. Todo poderoso precisa ser vigiado, pois não estamos diante de uma luta do bem contra o mal.

Trata-se apenas de um Estado nacional que agiu com fundamento em seu Direito interno, sem a anuência clara da comunidade internacional, para levar adiante uma ação secreta e unilateral.

Não é razoável que o presidente dos EUA tenha o poder de decidir unilateralmente quem deve viver e quem deve morrer ao redor do mundo. E pouco importa que a execução de Bin Laden seja considerada "justa" pela opinião pública ou que venha a desestimular aç ões terroristas. A questão não é essa.

É preciso discutir quem deve ter o poder de tomar decisões assim e qual deve ser o procedimento a ser seguido. Diante do ocorrido, não seria surpresa descobrir que agentes americanos estejam no Brasil investigando a suposta ligação entre membros de organizações terroristas e a comunidade árabe local.

Haverá mais mortos em nome dessa justiça? É sabido que, na esfera internacional, o Estado de Direito ainda é uma utopia distante.

Nessa esfera, tem prevalecido o realismo do poder, que não se deixa limitar pelos aguilhões do Direito e fala em nome da justiça em toda e qualquer ocasião. Nesse registro, "justiça" passa a ser sinônimo de "opinião dos poderosos".

E não há novidade alguma em constatar que eles ajam dessa forma, disputando o poder em detrimento do Estado de Direito.

A novidade está em acreditar que o mundo deva ser assim. A novidade está em transformar e ssa tr iste realidade em uma regra que permita classificar a ação dos EUA como justa sem que haja protesto algum.

O autoritarismo nasce falando em nome da justiça, com o objetivo de fazer o bem. Mas sem permitir que a sociedade influencie seus atos, tomando decisões em fortalezas secretas, vigiadas por guardas armados. Para o bem da democracia, é fundamental que Obama ponha um ponto final na guerra ao terror e passe a combatê-lo em regime de normalidade, ao lado da comunidade internacional.

Nesse caso, será mais fácil aceitar que ele use a palavra "justiça".



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JOSÉ RODRIGO RODRIGUEZ, mestre em direito pela USP, doutor em filosofia pela Unicamp, é professor, editor da revista "Direito GV", coordenador de publicações da Escola de Direito da FGV-SP e pesquisador do Núcleo Direito e Democracia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento.

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