Os homicídios na Paraíba: a dinâmica das mortes letais intencionais

Por José Maria Nóbrega – Cientista Político, Professor da Universidade Federal de Campina Grande-PB

“A vida humana sempre encontrou proteção em todos os povos, por mais primitivos que fossem. A ordem social de qualquer comunidade lhe dispensa tutela, e em tempo algum se permitiu a indiscriminada prática de homicídios dentro de um grupo” (O direito penal indígena. À época do descobrimento do Brasil, p. 133 apud NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 6ª edição revisada. Ed. Revista dos Tribunais, p. 623).

A Paraíba vem mostrando dados de homicídios alarmantes e crescentes nos últimos treze anos, o que negligencia o primeiro bem jurídico tutelado que se tem notícia na história de todas as civilizações, a vida do homem.

Na visão de Thomas Hobbes, para que seja superado o estado de natureza - uma situação de guerra de todos contra todos, nele ninguém tem garantia da própria vida -, os indivíduos julgam necessário submeter-se a um poder comum suficiente para impedir o emprego da força particular. Daí o Estado surge de um pacto que os indivíduos assumem entre si, com o propósito de alcançar a segurança da sua vida pela sujeição comum a um único poder. Na falência do Estado político/civil, o estado de selvageria e de guerra civil encontrado no estado de natureza hobbesiano retorna, pois as paixões superam a razão do direito natural.

Seguindo essa linha, a taxa de homicídios praticamente triplicou na Paraíba. Entre 2001 e 2009 essa taxa saltou de um patamar de um pouco mais de 13 homicídios por cem mil habitantes, para mais de 33 homicídios por cem mil: uma verdadeira explosão! O fracasso do estado democrático de direito.

João Pessoa e Campina Grande, as duas cidades mais importantes da Paraíba tanto em termos de indicadores socioeconômicos como no aspecto eleitoral, vêm num ritmo mais acelerado do que aquele encontrado no estado como um todo. João Pessoa, em 2001, teve 227 pessoas assassinadas. Em 2009, último ano disponível no Sistema de informação de Mortalidade (SIM), esse dado foi de 427 mortes, praticamente dobrando os homicídios. Já em Campina Grande, em 2001 teve 106 pessoas assassinadas, e em 2009 este dado foi de 152 assassinatos, com 45% de incremento percentual.



Sabe-se que a maioria dessas mortes tem fortíssima relação com a disponibilidade de armas de fogo (SOARES, Gláucio A. D. 2008, Não Matarás. Ed. FGV). Para tanto, é de fundamental importância avaliar o impacto dessa variável nos homicídios. Há forte relação entre homicídios provocados por arma de fogo e a faixa etária. Os menores de 1 ano e jovens até os 14 anos de idade demonstram relação insignificante. Portanto, a partir dos 15 anos a vitimização por arma de fogo é crescente. O grupo de maior risco está entre os 15 e 29 anos de idade, que respondem a 59,5% do total de assassinatos por arma de fogo registrados (dados de 2008).

Em 2008, foram 1.027 pessoas assassinadas das quais mais de 73% vitimadas por arma de fogo na Paraíba. O avanço etário é negativamente proporcional ao número de homicídios provocados por arma de fogo. Ou seja, o assassinato por arma de fogo é um evento preponderantemente juvenil. Não obstante, até os 39 anos de idade o risco de ser vitimado é grande.

Os homicídios provocados por objetos cortantes ou penetrantes correspondem a pouco mais de 17,5% do total de mortes por agressão na Paraíba (180 assassinatos para o ano de 2008). Mostrando ser um fator importante, pois muitas pessoas estão sendo mortas por objetos com tais características. Por exemplo, os anos de 1998, com 116 mortes desse tipo, 2004 com 143 e 2008 com 180 assassinatos, foram computadas mortes por agressão tendo como arma um objeto cortante ou penetrante (SIM/DATASUS; 2008).

As mortes por meio de objetos contundentes são relativamente baixas. Correspondem a aproximadamente 2,8% do total de mortes por agressão na Paraíba, oscilando nos últimos anos de uma série histórica que começa em 2002. O ano que mais se vitimou com objetos contundentes foi 2005, foram 43 assassinatos. Em 2003 foi o ano com menos assassinatos que tiveram objeto contundente como instrumento letal, 15 vitimados.

Os homens são mais vitimados por homicídio na Paraíba, o que é uma tendência geral em todo o mundo. A média de homicídios masculinos para o período de 1996-2008 foi de 582 assassinatos. Contudo, não é de desprezar a violência homicida contra a mulher que tem a média de 56,3 mortes para a série temporal de 1996 a 2008, correspondendo a praticamente 10% em relação às mortes masculinas. Como a tendência dos homicídios na Paraíba é crescente, referencio o ano de 2008 para demonstrar o impacto das mortes de gênero. Neste ano computou-se 940 assassinatos do sexo masculino, o ano de pico em toda a série histórica (1996-2008). Já para o sexo feminino, o ano de pico foi 1996, com 106 assassinatos. Naquele ano os assassinatos de mulheres chegaram a 20% dos assassinatos de homens.

As vítimas de homicídios são majoritariamente da cor de pele parda. Para o ano de 2008, por exemplo, dos 1.027 assassinatos, 904 das vítimas eram da cor de pele parda, ou seja, 88% dos casos. A cor de pele preta com 23 assassinatos apresenta-se na terceira posição, enquanto as vítimas de cor de pele branca foram ceifadas 49 vidas. Como a população parda é superior as demais, há um hiperdimensionamento em relação as suas taxas de homicídios. Contudo, há um claro problema social que aflige principalmente as pessoas de cor de pele parda.

Escolaridade é uma variável independente importante nos estudos sobre os homicídios. Não obstante a qualidade dos dados, a maioria das vítimas tem menor nível de escolaridade. Por exemplo, quem tem mais de 8 anos de escolaridade dificilmente é vitimado por homicídio.

Já no que tange ao estado civil, os solteiros são bem mais vitimados que os casados e que estes são mais vitimados que os viúvos. Os separados judicialmente são menos vitimados que os viúvos. Ou seja, ser jovem (entre 15 e 29 anos de idade), cor da pele parda, baixo nível de escolaridade e solteiro aumenta consideravelmente o risco de ser vitimado por homicídio.

A título de exemplo, no ano de 2008, 61,5% dos vitimados eram solteiros (635 dos 1.027). 14,8% eram casados. Viúvo, separado judicialmente e outros corresponderam a 1,8% dos casos em termos de números absolutos (SIM/DATASUS; 2008).

A dinâmica dos homicídios nos dá importantes diagnósticos para a aplicação de políticas públicas específicas, tanto na área da segurança pública como nas de educação, saúde e de prevenção à violência. O Estado, seguindo a linha neo-institucional, somado aos atores políticos que o compõem tem papel fundamental no arrefecimento da violência homicida que nos grassa. Está comprovado que a pobreza e a desigualdade socioeconômica, apesar de variáveis importantes, não explicam o crescimento avassalador da violência homicida na Paraíba e no Nordeste. As políticas públicas exitosas vêm salvando vidas em Pernambuco, em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. Urge políticas exitosas na Paraíba, antes que seja tarde demais.

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