VIOLÊNCIA NO NORDESTE

Violência no Nordeste e as UPPs: uma experiência a ser exportada?

LUIZ FLÁVIO GOMES*

Pesquisador: Danilo Cymrot**

Dentro da linha de pesquisa do nosso IPC-LFG que reside na prevenção do crime, acompanhamos a experiência das Unidades de Polícia Pacificadora na cidade do Rio de Janeiro. Após a ocupação de nove comunidades no Complexo de São Carlos e nos morros de Santa Teresa, em fevereiro de 2011, o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, comparou as UPPs do Rio ao programa Territórios da Paz, do Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania), e disse que o modelo pode servir de exemplo para o combate da violência em outros estados, ressalvando, porém, que a expansão das UPPs ou dos Territórios da Paz depende de peculiaridades de cada região e das decisões dos governadores [1].

O secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, ressaltou que não sabe se o modelo das UPPs será implantado em outros estados, uma promessa da presidente Dilma Rousseff, mas que o sucesso das operações no São Carlos e no Alemão atesta que a exportação do modelo é possível para reduzir as taxas de criminalidade [2].

Um projeto de lei que prevê a possibilidade de expansão das UPPs para outros estados da federação foi apresentado à Câmera dos Deputados em Brasília (DF) pelo deputado federal Alessandro Molon (PT). O projeto estabelece a possibilidade de financiamento federal para esse modelo de segurança pública que pretende colocar a polícia em áreas em que há alto índice de violência nos estados.

O deputado assinalou que o projeto é importante para outros estados, mas é muito importante para o Rio, na medida em que a expansão do modelo torna mais difícil para um futuro governo no Rio colocá-lo de lado. Além disso, o projeto pode garantir verba federal para a continuidade desse processo no estado [3].

Um levantamento com base nos dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, feito pelo professor José Maria Nóbrega, da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), que desenvolve, desde 2007, uma pesquisa sobre a violência no Nordeste, aponta que, nos últimos dez anos, os estados nordestinos enfrentam um crescimento linear do número de assassinatos, diferentemente do Sudeste, que reduziu as taxas de homicídios.

Nóbrega destaca que não há uma uniformidade nos critérios estatísticos dos estados nordestinos para a violência e a falta de informação prejudica a formulação de políticas públicas de segurança, de maneira que os percentuais podem ser ainda maiores.

Segundo Nóbrega, “os estados enfrentam hoje a migração do crime. Assim como empresários se instalaram na região para implantar atividades lícitas, criminosos de outras regiões como o Sudeste também encontraram nos estados um amplo mercado para o que é ilícito, como o tráfico de drogas”.

O sociólogo Glaucio Soares, do Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (Iuperj), não aponta a causa mais provável para a explosão da violência no Nordeste, mas afirma que “a causa mais comum no Brasil das últimas décadas tem sido a letalíssima combinação de drogas com armas de fogo”.

Para Soares, tanto o Rio quanto São Paulo têm trabalhado políticas de segurança pública a longo prazo: “É o padrão mais comum e requer que políticas inteligentes sejam de estado e não deste ou daquele governo. Em São Paulo colhemos os frutos plantados a partir de 1999. No Rio de Janeiro, houve diversas melhorias, particularmente nos últimos quatro anos. Nos dois casos houve transferência do poder decisório na área de Segurança Pública e vontade política”.

Já no Nordeste, segundo Soares, “a cultura cívica está menos desenvolvida, há menos vontade política e padrões tradicionais no governar. Falta treinamento policial, conhecimento e, sobretudo, uma elite política mais consciente da importância da segurança pública”.

Ao analisar a queda no total de homicídios em Pernambuco, a exceção da região, Soares diz que houve vontade política de combater o crime, mais conhecimento na área de segurança pública e mais recursos. No entanto, afirma que ainda há muito por fazer no estado. Em 2010 houve, em Pernambuco, redução de 14% nos homicídios em relação a 2009, mas, segundo o professor Nóbrega, 94,6% dos homicídios desse estado não são investigados.

Entre 2001 e 2009, os homicídios cresceram 158% na Paraíba. Com 96 mil habitantes e distante seis quilômetros da capital, Bayeux é um dos municípios paraibanos mais violentos, com uma taxa anual de 83 homicídios por cem mil habitantes.

O limite aceitável pela Organização Mundial Saúde (OMS) é de dez mortes por cem mil habitantes.

Em 2010, o Piauí registrou 204 homicídios, 10% a mais do que em 2009, segundo a Delegacia Geral da Polícia Civil. Em Teresina, a capital, foram 160 casos. De acordo com Nóbrega, estatísticas baseadas no SIM mostram que entre 1996 e 2008 a taxa de homicídios no Piauí subiu 203%.

No Ceará, chegou a 122% no mesmo período e, no Rio Grande do Norte, 178%. Em Sergipe, o índice foi de 134%. No Maranhão, 242% [4].

No Ceará, em 2010, foram assassinadas 970 pessoas com idade entre 12 e 24, a faixa etária que, há vários anos, mais concentra vítimas da violência. Foram 818 em 2009 e 722 em 2008, segundo dados oficiais. De acordo com o secretário de Segurança Pública do Ceará, Francisco Bezerra, cerca de 70% dos homicídios em Fortaleza e região metropolitana estão relacionados ao tráfico de drogas: cobrança de dívida ou briga de território.

A grande maioria desses homicídios tem características de execução e são cometidos por criminosos usando motos. Bezerra aposta em um novo modelo operacional para reduzir a criminalidade. Ele aumentou em 50% o efetivo do Raio, grupamento que atua especificamente na abordagem de motocicletas, reativou o serviço de inteligência da Polícia Militar e redimensionou a ação policial em 21 bairros de Fortaleza que concentram cerca de 60% de todos os homicídios da capital [5].

Alagoas fechou 2010 com a maior taxa de homicídios que um Estado brasileiro já registrou. Segundo dados da Secretaria de Estado de Defesa Social (SDS), foram contabilizados 2.226 assassinatos, o que significa uma taxa de homicídios de 71,3 para cada 100 mil habitantes. A estatística não inclui casos de latrocínio.

Em 1999, o Estado teve 552 homicídios. Onze anos depois, o crescimento foi de 303%, com os mais de 2.000 registrados em 2010. Em comparação a 2009, o Estado registrou uma alta de 11% no total de crimes.

O sociólogo Julio Jacobo lembrou que a taxa alagoana é equivalente ao país mais violento do mundo, El Salvador, que tem taxa exata de 71. Segundo ele, a escalada do crime no Estado não tem uma única causa, e tem ligação direta com o enfraquecimento do sistema de segurança pública estatal, a falta de capacidade de reprimir o crime, a estreita ligação entre poder público e o crime organizado e a migração de facções criminosas do Rio de Janeiro e São Paulo.

Segundo Jacobo, na medida em que a repressão se acentua em Estados grandes, inicia um espalhamento da violência. O crime ocorria em maior escala na grande capital, regiões metropolitanas, mas a partir da década de 2000 houve uma descentralização, no sentido de o crime ter migrado para cidades do interior e para Estados que eram “médios” no ranking de crimes e que contam com um baixo esquema de seguridade pública.

Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em Alagoas, Gilberto Irineu, a maioria dos assassinatos está relacionada ao tráfico de drogas, que coopta cada vez mais jovens nas cidades. O aumento das taxas teria ocorrido em virtude da falta de um trabalho preventivo e ostensivo dos órgãos se segurança, de monitoramento das divisas, para evitar a entrada de armas e drogas, e de políticas públicas nas áreas pobres.

Segundo informou nota oficial da Secretaria de Defesa Social, o governo federal irá enviar, pela terceira vez, a Força Nacional de Segurança para ajudar no combate ao crime em Maceió. A secretaria informou ainda que foi solicitada a volta da Força Nacional de Polícia Judiciária para Alagoas para continuar o trabalho de investigação dos inquéritos, em apoio à Polícia Civil. Segundo o secretário, Alagoas só vai conseguir reverter o índice de criminalidade com apoio da sociedade civil como um todo [6].

A Bahia registrou um aumento de 50,72% nas taxas de homicídio entre 2006 e 2010, passando de 3.222 mortes anuais para 4.856. O índice de eficiência da polícia baiana está entre os mais baixos do país: a média é de apenas 4,6% dos homicídios solucionados, entre fevereiro e junho de 2010.

Segundo a Secretaria de Segurança da Bahia, a maioria das mortes registradas possui relação direta com o tráfico de drogas. Ações desastrosas das polícias também contribuíram para o crescimento das ocorrências, como chacinas com a participação de policiais e balas perdidas disparadas por policiais mal qualificados [7].

A cidade de Salvador deve receber, até o fim de 2011, a primeira Base Comunitária de Segurança, versão baiana para as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). O mesmo modelo foi usado, em novembro de 2010, durante a ocupação do Complexo do Alemão. O bairro escolhido na capital baiana é o Nordeste da Amaralina, que tem ação marcante de traficantes, segundo informações de Maurício Barbosa, secretário de Segurança Pública da Bahia.

Barbosa explicou que a parceria com o governo Federal, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do Pronasci, prevê a instalação de 162 UPPs baianas no estado ao longo de quatro a cinco anos. Além da experiência do Rio de Janeiro, o secretário afirmou que seguirá os exemplos bem sucedidos de programas de segurança desenvolvidos na Colômbia e em São Paulo.

O secretário disse que, inicialmente, a instalação das UPPs baianas faz parte da necessidade de um programa de governo na área de segurança, o “Pacto pela vida”, em que a política vai convergir as ações de segurança, de policiamento ostensivo e preventivo da Polícia Militar, principalmente no que se refere ao policiamento comunitário.

A definição dos pontos onde serão instaladas a primeiras bases na Bahia foi feita através de um diagnóstico do departamento de inteligência da polícia baiana, no que se refere ao índice de homicídios e principalmente pontos onde atuam quadrilhas de tráfico de drogas em Salvador e na Bahia.

O secretário afirmou que há “34 pontos mais quentes, considerados principais, no interior e na capital” e que o Ministério da Justiça confirmou, pelo menos, a liberação de verba para 50 bases na Bahia entre 2011 e 2012, o que irá permitir que a Bahia recrute e treine os policiais para atuar nas UPPs baianas, além de encontrar imóveis adequados para instalar as bases.

O secretário, no entanto, negou que haja na Bahia a necessidade de uma intervenção bélica para a instalação das UPPs, como a que ocorreu no Rio de Janeiro, pois na Bahia ainda não se vê os traficantes armados de fuzis, apesar de sua presença trazer uma série de instabilidades na região e a sensação de insegurança.

A Secretaria de Segurança Pública da Bahia vai fazer um trabalho prévio de identificação dos criminosos que atuam nos locais mais críticos do estado e atrelar o trabalho da Polícia Judiciária para concretizar os mandados de busca e prisão, que serão os passos iniciais para o funcionamento das bases comunitárias.

Segundo o secretário, a maior preocupação não é a participação de traficantes do Rio de Janeiro na Bahia, mas duas grandes facções que atuam na Bahia e comercializam entorpecentes repassados por criminosos de uma mesma facção de São Paulo.

Os grandes traficantes da Bahia já foram presos e enviados para presídios de fora do estado. O combate será, pois, contra o tráfico no varejo, feito pelo terceiro e quarto escalão de criminosos. A prioridade seria garantir a sensação de segurança e dar à sociedade “uma solução de paz”, mas também foi lembrado pelo secretário o planejamento de ações para a Copa do Mundo de 2014.

O secretário anunciou, por fim, a criação de um departamento especializado em investigação de homicídios para desafogar as delegacias em relação a apuração desse tipo de crime. Serão formados peritos e papiloscopistas com objetivo de criar melhores provas técnicas para os inquéritos, um avanço nos investimentos feitos em tecnologia policial no estado, como banco de DNA, que teve parceria da Polícia Federal e do FBI, e identificador balístico [8].

Cabe salientar que as UPPs são apenas uma entre várias opções de política criminal que um estado pode adotar. Não se pode ignorar que o Estado de São Paulo tem reduzido suas taxas de homicídio sem apelar para essa política. As UPPs, ademais, são um programa de prevenção secundária, ou seja, que não ataca as causas sociais da criminalidade.

A realidade sócio-econômica, cultural, demográfica e geográfica do Rio de Janeiro é bastante diferente da realidade dos estados do Nordeste, de maneira que, mesmo se as UPPs obtiverem sucesso a curto e médio prazo para diminuir as taxas de criminalidade no Rio de Janeiro, não necessariamente obterão o mesmo sucesso, deslocadas para outros estados.

É de se questionar, portanto, até que ponto a adoção em outros estados de um modelo que conta com forte apoio da população do Rio de Janeiro e da grande mídia não representa, no fundo, uma medida eleitoreira de quem vende as UPPs como a panacéia para os graves problemas sociais e de violência que atingem principalmente jovens negros e pobres, conforme mostram as pesquisas de vitimização.
 
 









*LFG – Jurista e cientista criminal. Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri e Mestre em Direito penal pela USP. Presidente da Rede LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).
**Pesquisador do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes.

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