Armadilha em Gaza: o novo livro do Professor Jorge Zaverucha


Israel é um tema ingrato. O Estado judaico, quando o observamos no mapa, pode ser geograficamente diminuto. Mas na história dos conflitos modernos nenhuma outra contenda apaixona de forma tão intensa a opinião pública (e publicada). Existem vantagens nesse mediatismo: Israel é sempre um sucesso de bilheteria para jornais ou televisões que dedicam ao caso uma atenção obsessiva, por vezes mesmo desproporcional.

Mas também existem desvantagens: sem um sólido conhecimento histórico sobre o conflito, ficaremos aprisionados a preconceitos, incongruências ou puras manipulações.

Este pequeno livro é precioso por dois motivos fundamentais. Em primeiro lugar, porque traça um resumo da história do conflito de forma desapaixonada e factual. Deveria ser uma exigência para qualquer pessoa que escreva sobre Israel saber o mínimo sobre a história desse conflito: desde as primeiras migrações judaicas no século 19 para a Palestina otomana até às sucessivas guerras que sacudiram o Estado desde a sua fundação em 1948. Infelizmente, o desconhecimento abunda e discutir o conflito é, muitas vezes, um espetáculo penoso de ignorância e má-fé antisionistas, quando não antisemitas.

Mas o segundo mérito desde livro está na forma como consegue focar um tema atual e mediático – a “flotilha da paz” que alegadamente levava ajuda humanitária para Gaza e que as forças israelenses interceptaram pela força – para iluminar o impasse atual que se vive no conflito.

E esse impasse resume-se numa palavra: Hamas. Com a emergência do Hamas em Gaza, houve uma importantíssima mutação na natureza do conflito, que deixou de ser apenas um enfrentamento secular entre Israel e a Autoridade Palestina e passou a contar com a presença de um grupo fundamentalista, patrocinado pelo Irã, e que explicitamente luta pelo extermínio do Estado judaico.

Hoje, não existe mais um conflito palestino-israelense. Existem vários conflitos: entre Israel e a Autoridade Palestina; entre Israel e os satélites iranianos que atacam a partir de Gaza (o Hamas) ou do sul do Líbano (o Hezzbollah); e entre os próprios palestinos, que vivem uma situação de guerra civil “de fato” desde 2006-2007.

Não é de admirar que, perante este quadro, o livro seja realista e pessimista sobre o futuro: não apresenta soluções e até desconfia, com razão, que elas existam. Isso se deve, desde logo, ao fato do livro recusar a perspectiva habitual sobre o conflito (que em termos simplórios o resume a uma mera disputa territorial), deslocando a sua reflexão para os abismos da ideologia.

Nada mais certo: o chamado “conflito israelo-palestino” é, desde o seu início, um conflito ideológico, em que uma das partes sempre se recusou a aceitar a existência da outra. E se isso já era visível antes mesmo da independência de Israel, tornou-se evidente com o radicalismo antisemita do Irã e dos seus satélites em Gaza ou no Líbano.

Resta-nos esperar que as gerações futuras, melhor informadas, possam olhar para o conflito sem falsas esperanças – mas também sem antecipados derrotismos. Este livro é uma excelente contribuição para essa caminhada difícil e necessária.

JOÃO PEREIRA COUTINHO

Professor de Ciência Política na Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa e colunista da Folha de S. Paulo

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