O quase empate nas pesquisas e suas implicações


Bolívar Lamounier




quinta-feira, 14 de outubro de 2010 - 17:49


http://portalexame.abril.com.br/rede-de-blogs/blog-do-bolivar-lamounier/2010/10/14/o-quase-empate-nas-pesquisas-e-suas-implicacoes/

Os números desta semana permitem-nos afirmar que certa projeção dilmista sobre a eleição soçobrou de vez. Refiro-me aqui ao triunfalismo segundo o qual a candidata governista derrotaria Serra por uma diferença de 20 pontos ou mais.

Isso iria inexoravelmente ocorrer - dizia-se – porque os eleitores iriam decidir com base quase exclusivamente na boa situação econômica do momento e nos altos índices de aprovação de Lula.

Dilma tem chance de ganhar a eleição ? Tem condições de alargar de novo a diferença em relação a Serra ? Sim e sim, isto é óbvio. Se assim não fosse, eu não estaria falando em empate.

O que não faz sentido é pretender explicar os quase 50% de votos em Serra como consequência do momento econômico ou do desempenho supostamente impecável do governo Lula.

O que os números vêm mostrando, há várias semanas, é que uma parcela expressiva dos cidadãos leva em consideração outros critérios quando faz sua escolha.

Tais critérios incluem valores morais, a avaliação comparativa dos dois candidatos, o projeto de país de um e outro etc . Basta lembrar, a este respeito, o forte prejuízo que o envolvimento de sua principal assessora nas irregularidades da Casa Civil acarretou para a candidata oficial.

RISCOS DE RETROCESSO AUTORITÁRIO

A hipótese de um retrocesso autoritário vem sendo discutida desde meados de agosto, pelo menos. Não preciso recapitular tudo. Quero apenas lembrar que o fulcro das preocupações era a acachapante vitória governista que então se esboçava.

Antevia-se, com efeito, que uma maioria lulopetista muito ampla poderia, por um lado, facilitar alterações graves na Constituição, a implantação do chamado “controle social da mídia” etc e , por outro, estimular o PT e os “movimentos sociais” que gravitam em torno dele a atuarem no limite da democracia representativa .

No dia 23 de agosto eu publiquei no Estadão um artigo intitulado “A mexicanização em marcha”. Levei chumbo grosso, mas não me lembro de ter lido contestação alguma ao meu ponto de partida . Peço licença para citar algumas linhas :

O processo sucessório presidencial em curso comporta dois cenários marcadamente assimétricos, conforme o vencedor seja José Serra ou Dilma Roussef.

Se for José Serra, não é difícil prever a cerrada oposição que ele sofrerá por parte do PT e dos “movimentos sociais”, entidades estudantis e sindicatos que ele controla, e provavelmente por parte também do próprio Lula.

Se for Dilma Roussef [e por ampla margem, como as pesquisas então indicavam] - o cenário provável é a falta e não o excesso de oposição”.

Eu temia obviamente que o trio PSDB-DEM-PPS viesse a ser dizimado, e ele de fato ficou muito reduzido tanto na Câmara como no Senado. Mas a minha hipótese se impunha, de qualquer forma, em vista da profunda diferença que existe entre estes três partidos, de um lado, e o PT e seus “movimentos”, por outro.

A diferença a que me refiro é muito mais profunda que a situação de debilidade em que se encontra atualmente a aliança PSDB-DEM-PP . A questão é que estamos falando de tipos totalmente distintos de partido.

Quando se constituiu, o PT deixou para trás o tipo tradicional (soviético) de partido comunista clandestino, mas não se integrou de maneira inequívoca às regras da democracia representativa.

Foi dentro dessa ordem de idéias que eu fiz no artigo citado o seguinte resumo da ópera : “no cenário Dilma, o conjunto de engrenagens que Lula montou ao longo dos últimos sete anos e meio entrará em pleno funcionamento, liquidando por certo período as chances de uma oposição eficaz. A prevalecer tal cenário, parece-me fora de dúvida que a democracia brasileira adentrará uma quadra histórica não isenta de riscos”.

Preocupações semelhantes às minhas avolumaram-se durante o mês de setembro, culminando no ”Manifesto em Defesa da Democracia” , lido no Largo de São Francisco pelo ex-promotor Hélio Bicudo e posteriormente assinado por mais de 50 mil pessoas.

Outro dia, numa entrevista, Hélio Bicudo sustentou sua advertência contra o risco de uma ”autoritarismo civil” eventualmente mais nefasto até que o militar. Bicudo, para quem não se recorda, participou da fundação do PT e exerceu mandato de deputado federal pela legenda.

Recapitulei os fatos acima para poder mencionar, mesmo brevemente, um texto postado hoje pelo jornalista Luís Nassif. Ele também fala em tendências autoritárias, mas entende que elas se devem a “sementes de ódio” semeadas pela mídia e por Fernando Henrique Cardoso …!

Segundo Nassif, este lado e, por extensão, a candidatura Serra, é que estariam ”misturando a exploração dos preconceitos da classe média com o [...] a religiosidade das classes mais simples” . O resultado de tal mistura seria o que Nassif denomina a ”psicologia de massas do fascismo”.

Eu teria bastante a comentar, se este texto já não estivesse tão longo. Ranço fascista, se vamos procurá-lo à nossa volta, que tal começar pelos diversos braços corporativistas do PT , por exemplo aquele que se infiltrou na Receita Federal ?

Exploração da “religiosidade das classes mais simples” : a quais classes mais simples Nassif se refere ? As do nordeste, por exemplo ? Sim, vai ver que foi Serra, não Lula, quem lá esteve várias vezes para encenar seu teatro proto-religioso, ora no papel do Padre Cícero, ora no do próprio Jesus Cristo . Ora, Nassif, tenha dó.

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