A POLÍCIA BRASILEIRA JUSTIFICA UMA SEMIDEMOCRACIA EM NOSSAS PLAGAS


O conceito de democracia deve ser ampliado. Eleições são necessárias, porém insuficientes para consolidar uma democracia em qualquer lugar do mundo. As instituições coercitivas no Brasil favorecem a fragilização da tênue democracia brasileira.



Correio Braziliense 28 julho 2010, editorial

Civilizar a polícia é prioridade

O caso do adolescente de 14 anos, Bruce Cristian, abatido em plena área urbana de Fortaleza com tiro disparado por um PM repõe em cena a violência contumaz da polícia brasileira. Como a grande parte das mortes resultantes da brutalidade de investigadores e agentes da repressão, o episódio da capital cearense assumiu a figura típica de assassinato. O infortunado jovem se encontrava na garupa da motocicleta conduzida pelo pai. Para o disparo letal, bastou que o motociclista não parasse de imediato o veículo a uma ordem do militar.

Relatório sobre Execuções Sumárias da ONU, de junho deste ano, contém informação alarmante. Nenhuma das 33 recomendações das Nações Unidas para disciplinar a conduta de policiais em serviço foi cumprida pelo Brasil. O documento, redigido com base em dados colhidos aqui pelo relator especial Philip Alston, assinala que a maioria das mortes é justificada como “autos de resistência”. A avaliação bate com as alegações de regra apresentadas para os homicídios atribuídos a civis e militares do estamento repressor. O Sistema de Informação de Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM) consigna como causa dos óbitos a “intervenção legal”.

Está aí metáfora para revelar que quase 400 pessoas foram assassinadas no Brasil em 2008 por integrantes das polícias militar e civil. No Rio de Janeiro, estado com irrecusável notoriedade em execuções, no curso de operações em favelas e, até mesmo, para eliminar adversários pessoais, a tragédia se justifica como “autos de resistência”. Já em São Paulo toma o nome de “resistência seguida de morte”. A hipótese é de acobertamento de homicidas sob proteção do corporativismo.

As estatísticas, contudo, estão longe de configurar a realidade por inteiro. Não contabilizam as violências rotineiras nos presídios. Passam ao largo das milícias e grupos de extermínio organizados e liderados por personagens com atividade no aparelho de segurança do Estado. São crimes em que não aparece a identificação dos autores, à falta de investigação e interesse em descobri-los.

As leis tutelam os direitos de todos de exigir do Estado serviços públicos capazes de proporcionar-lhes ambiente seguro, protegido da atividade antissocial de delinquentes. Na medida em que a instância estatal cruza os braços ante a ação anormal, criminosa, das instituições policiais, resvala para a posição de conivência com a barbárie. Não basta, como o fez, desarmar a população para, pelo recolhimento de armas, reduzir uma das causas da violência. A indignação nacional exorta as autoridades responsáveis a civilizar as polícias. Fazê-lo com rapidez e diretrizes severas é condição para interromper a escalada rumo ao Estado policial — à cessação de garantias que substanciam o regime democrático.

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