Há relação dos Grupos de Extermínio com os homicídios em Pernambuco?


Por José Maria Nóbrega Jr. – Doutor em Ciência Política (UFPE), Pesquisador do NICC-UFPE e Professor da Faculdade Maurício de Nassau

A ausência do estado como monopólio legítimo da violência pode ser colocada como a causa fundamental para o surgimento de atores políticos/sociais que ocupam essa lacuna. Nas comunidades mais pobres do Recife é comum a presença de grupos que fazem às vezes do estado na segurança. A chamada “turma do apito” ou milicianos que, para garantir uma pseudo-segurança à população, promovem uma série de ilegalidades incluindo aí o extermínio de pessoas “indesejáveis” aquela comunidade ou devedoras de empresários, comerciantes e traficantes de drogas. Os grupos de extermínio em Pernambuco surgem dentro desse contexto.
Na verdade o extermínio não é a atividade fim dos grupos criminosos, mas sim uma atividade que faz parte do grupo. O crime organizado endógeno – aquele que nasce de dentro do estado (Oliveira, 2007) -, tem características assimétricas, pois há participação de agentes estatais – em sua maioria policiais – mas não necessariamente nasce de dentro do estado, podendo ser uma atividade que surge fora (organização criminosa exógena), mas que precisa da participação de agentes do estado como facilitadores das tarefas do grupo criminoso.
Neste espaço exponho a atividade de grupo de extermínio que tais organizações criminosas executa, com o propósito de avaliar a seguinte questão: grupos de extermínio são determinantes para o robustecimento ou decréscimo dos homicídios em Pernambuco?
As organizações criminosas em Pernambuco tem se caracterizado por várias atividades em sua conjuntura. Tais atividades criminosas incluem o tráfico de drogas, facilitação ao tráfico, extorsão, assaltos, roubos de carga, arrombamentos a estabelecimentos comerciais e homicídios. Há uma teia organizada de pessoas responsáveis por várias funções dentro do esquema. No caso dos grupos de extermínio desbaratados no estado de Pernambuco nos últimos anos, a maioria dos agentes do estado envolvidos foi formada por policiais, sem a presença de delegados e/ou magistrados, mostrando médio grau de organização. No entanto, não é freqüente a presença de políticos e ex-políticos nessas organizações criminosas, pelo menos naquelas desbaratadas pela polícia.
Segundo informações do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa de Pernambuco (DHPP-PE), dos homicídios registrados por este Departamento apenas 7,16% deles estão ligados aos grupos de extermínio. 32% estariam ligados ao tráfico de drogas, 28,2% ligados à vingança, 20,5% a relações interpessoais, 7,9% a crimes passionais, e apenas 4,14% com envolvimento em brigas (veja gráfico abaixo).
Não obstante, segundo informações de um delegado do DHPP, o controle estatístico da variável grupos de extermínio é difícil, pois está baseado no instante da ocorrência do homicídio, onde a história do delito não está completamente desenhada, havendo, dessa forma, uma possibilidade de erro considerável. Por exemplo: uma pessoa é assassinada em determinada comunidade e as investigações preliminares dão conta de que a motivação está ligada ao tráfico de drogas (guerra entre gangues, dívida de drogas, etc.). Este caso vai figurar como a motivação primeira, ou seja, tráfico de drogas foi o motivo do homicídio. No entanto, nada obsta que a vítima tenha sido assassinada por atividade típica de grupo de extermínio, que não é a única atividade da organização criminosa, mas uma de suas atividades. A execução poderá ter sido efetuada por um grupo de extermínio ligado ao tráfico ou a milícias locais que foram contatadas pelos criminosos para efetuar o assassinato.
Grupos criminosos, como os milicianos ou traficantes, se ligam a grupos de extermínio para facilitação de suas atividades. Grupos criminosos que tem entre suas práticas o extermínio de pessoas indesejáveis a comunidade ou ao esquema criminoso pode ser contratado por outros grupos criminosos em outras regiões do estado com fins meramente “mercadológico/logístico” (terceirização do crime).



Percentual de Inquéritos Policiais remetidos versus Motivação do Homicídio
Outubro de 2008 a maio de 2009



Fonte: DHPP-PE (2009)


No dia 18 de março de 2009 a Polícia Federal desmantelou uma quadrilha acusada de integrar uma milícia urbana em Olinda. A quadrilha vinha praticando assassinatos, extorquindo dinheiro de comerciantes e traficando drogas. A Operação Êxodo 7 da PF prendeu um ex-vereador do município e no grupo ainda foram encontrados policiais militares e agentes da polícia civil da delegacia de Olinda.
A quadrilha era composta por um político, PMs, policiais civis, vigilantes, presidiários, traficantes e assaltantes. Formada há mais de dez anos, atuava em Olinda e Paulista, região metropolitana do Recife. O líder do grupo era o ex-vereador, que também era PM reformado. A quadrilha foi responsável por 16 homicídios em dois anos.
Ora, em Olinda a taxa de homicídio foi de 68 por cem mil habitantes para o ano de 2007, o que praticamente se manteve para o ano de 2008. Isto corresponde a uma média de 350 mortes por agressão desde 2000. Em dois anos o grupo apontado foi responsável por 16 homicídios o que aponta para oito em cada ano. Num universo de 350 mortes este grupo criminoso foi responsabilizado por 2,3% do total. Contudo, não é tão simples de inferir, pois não sabemos quantos grupos criminosos praticam extermínio na cidade de Olinda. Podem existir grupos que a própria polícia desconhece, o que dificulta medir o grau de impacto dessa variável sobre os homicídios.
O delegado do DHPP assim procedeu comentário:
“O contexto de morte por atividade típica de grupo de extermínio não é tão grande quanto se pretende propagar, sendo o grande câncer da questão o narcotráfico, atualmente o crack e o mesclado, que inclusive vem aumentando as estatísticas dos latrocínios (mistos de CVLI e CVP – Crimes Violentos Letais e Intencionais e Crime Violento contra o Patrimônio). Acredito que para diminuirmos essa margem de erro (das estatísticas apontadas acima) era de bom alvitre se puxar o aspecto motivacional na conclusão do procedimento, no entanto, pecaríamos por não abrangermos todos os casos, embora a elucidação (dos casos registrados) esteja alta” (entrevista concedida por e-mail em 13 de março de 2009).

Fica difícil inferir a relação entre grupos de extermínio e os homicídios. Sabe-se que tais grupos são responsáveis por chacinas e por homicídios, mas qual a real relação da variável? Pelo que vimos com o grupo desmantelado na Operação Êxodo 7, há uma grande lacuna entre os números de mortes praticadas pelo grupo criminoso em questão e o total de mortes por agressão na cidade de Olinda.
Respondendo a questão se os grupos de extermínio são determinantes em relação aos homicídios: esses grupos tem relação direta com as mortes por agressão, pois é a prática de tais grupos. No entanto, esses grupos criminosos aparecem como uma variável interveniente, pois, como vimos nos parcos dados disponíveis, não são determinantes para a prática dos homicídios em Pernambuco. Existindo aí, outros fatores que potencializam a alta criminalidade violenta no estado como, por exemplo, o tráfico de drogas.



Bibliografia citada:


OLIVEIRA, Adriano (2007), Tráfico de Drogas e Crime Organizado. Peças e Mecanismos. Juruá Editora. Curitiba. Paraná.

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