REDES SOCIAIS DO CRIME


O crime violento tem como uma de suas principais causas a oportunidade. (José Maria Nóbrega Jr.)

Matéria publicada no domingo dia 30 de maio no JC.


» BADERNA EM BOA VIAGEM
Gangues da Zona Sul prontas para confusão
Publicado em 30.05.2010


Pichadores, funqueiros e integrantes de torcidas organizadas estão por trás das arruaças dos últimos domingos. E tudo foi marcado pela internet

Carlos Eduardo Santos
csantos@jc.com.br

Pichadores, frequentadores de bailes funk e integrantes de torcidas organizadas. Basta uma rápida pesquisa na internet para descobrir o perfil dos jovens que por dois domingos seguidos provocaram brigas e arruaça em Boa Viagem, Zona Sul do Recife. Ligados a gangues de bairros da região e sem futebol aos domingos – Sport e Náutico jogam aos sábados na Série B e a Série D, do Santa Cruz, ainda não começou –, os adolescentes marcam confrontos entre grupos rivais pela internet.

As confusões dos dois últimos fins de semana tiveram repercussão imediata na grande rede de computador. Os comentários em comunidades virtuais das próprias gangues e de times da capital no site de relacionamentos Orkut revela quem são os jovens responsáveis pela arruaça em Boa Viagem.

“Foi Ibura, Ipsep, Marcos Freire, Jaboatão e Ponte dos Carvalhos versus Prazeres e Jordão. A turma de Prazeres tinha levado bombas, bolas de sinuca. Parecia clássico, mas mesmo assim correram”, diz uma das mensagens referentes à confusão do último dia 16. “Ibura versus Prazeres, a batalha continua”, afirma um outro integrante da comunidade, já anunciando um novo confronto.

Em vídeos disponibilizados no YouTube, site de compartilhamento de vídeos, os próprios jovens filmam a chegada de um dos grupos nas proximidades da Pracinha de Boa Viagem. Nas imagens é possível ver mais de 30 adolescentes, com idades entre 14 e 17 anos, descendo de um ônibus. Mesmo sem camisa de times de futebol da capital, fazem com os braços os símbolos das organizadas. No título do vídeo, colocam o local de encontro e o grupo do qual fazem parte: Baile Shop OTMF.

A sigla significa Organização Terrorista de Marcos Freire, em referência ao conjunto residencial localizado em Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife. As mensagens na internet, que começaram em 2008 e continuavam sendo divulgadas até a semana passada, mostram que outras gangues também participam das ações de vandalismo, entre elas Organização dos Pichadores do Ibura (OPI), Galera Terrorista da Imbiribeira (GTI), Anarquistas do Pina (ADP) e Detonadores Vândalos de Prazeres (DVP).

De acordo com a polícia, os grupos vão aos shoppings, mas terminam se encontrando em paradas de ônibus ou mesmo na Pracinha de Boa Viagem. Para não chegar em pequena quantidade e serem surpreendidos pelos rivais, marcam sempre um local de encontro para saírem juntos. “Todo mundo na frente da Igreja do Pina! ADPina sem parar, só para quebrar os comédias da OPI”, convoca um jovem.

Mas as imagens no Orkut e YouTube mostram que os grupos se encontram em outros locais além de jogos de futebol e ruas de Boa Viagem. O baile funk parece ser o ponto de encontro preferido. Em um dos vídeos, integrantes de três gangues dançam juntos. Um jovem morador de Prazeres e ex-componente de um desses grupos explica a rivalidade.

“Algumas dessas galeras se unem contra outras. Podem até ser da mesma torcida organizada, mas se forem de bairros diferentes e se encontrarem, é pau. Já vi muita briga de bairros em frente a bailes funk”, explica.

As siglas também aparecem em outra atividade praticada por esses grupos. É comum encontrar pichações nos muros da cidade com as letras iniciais das organizações. Não basta pichar o muro ou parede alheia, tem que dar o recado para os rivais. “OPI, OTMF, GTI é tudo nós”, diz um dos pichadores no vídeo.

PERFIL PSICOLÓGICO

Trabalhando há quase dez anos com crianças e adolescentes infratores e vítimas de maus-tratos, o policial civil e psicólogo Marcelo Teles afirma que não se deve comparar esses jovens que têm realizado arruaça no meio da rua a criminosos. E alerta que o acompanhamento dos pais é essencial nessa fase da vida.

“Eu acredito que existem vários fatores para esse tipo de comportamento. Basicamente acho que existe um vazio de atenção e ocupação desses jovens”, revela o psicólogo, que trabalha na Gerência de Polícia da Criança e do Adolescente.

Segundo ele, esse tipo de comportamento é uma busca de emoções mais fortes. “Esses jovens buscam emoções mais fortes para preencher esse vazio emocional”, destaca. A experiência com jovens infratores leva Marcelo Teles a concluir que 90% deles são de famílias chefiadas pela mãe, em que o pai está preso ou morto e que só estudou até a 5ª série do ensino fundamental.

“Mas esses garotos que estão realizando arrastões em Boa Viagem parecem ter outro perfil. Têm pai e mãe e estão na escola. Por isso, acredito que o que falta é valor moral. Aí entra o papel dos pais, que devem acompanhar de perto onde os filhos estão e o que estão fazendo”, ressalta o psicólogo.

Para Marcelo Teles, a formação de grupos é uma forma de criar identidade. “Por causa da idade, eles já buscam uma autoafirmação. E o grupo traz identidade, autonomia.”

Disponível em: http://jc3.uol.com.br/jornal/2010/05/30/not_379052.php

Comentários

Postagens mais visitadas