A contenção policial no domingo e a base teórica do Tolerância Zero


Por José Maria Nóbrega Jr. – Doutor em Ciência Política UFPE, Pesquisador do NICC, Professor da Faculdade Maurício de Nassau e Coordenador do Instituto Teotônio Vilela de Pernambuco


No último domingo, dia 30 de maio de 2010, as polícias pernambucanas elaboraram um programa de repressão qualificado que foi elogiado pela população, pela imprensa e por acadêmicos. Isso mostra como o trabalho elaborado com planejamento resulta em segurança e controle da violência. Mas, qual a origem teórica dessa política de contenção?
A base desse trabalho policial está no Tolerância Zero, que muitos afirmam se tratar de política neoliberal na conduta da segurança, mas, na realidade, busca conter as práticas delituosas antes que elas ocorram.
O artigo seminal de Wilson e Kelling (1982), “Broken windows: the Police and neighborhood safety”, foi o ponto de partida do programa de segurança pública de Nova Iorque e de outras cidades, o Tolerância Zero. As broken Windows não se mostram como uma teoria elaborada. Seria mais uma série de “noções” onde uma delas tem como base uma teoria “involutiva” do crime, onde este começaria pequeno, cresceria e se tornaria grande. Teria como base a ausência de autoridade, de ordem nos espaços públicos. Esses espaços se tornariam amplos para a prática de delitos quando da ausência do estado como autoridade, como mantedor da ordem (Soares, 2008: 170).
As janelas quebradas seriam uma alusão aos espaços públicos vertidos de pequenas incivilidades. Pichações, urinar em público, bêbados na rua, moradores e meninos de rua, invasões de áreas públicas e privadas, dentre outros levariam a comportamentos destrutivos do espaço urbano dando a impressão de que não existe ordem. Com esses alargamentos, o crime seria o próximo passo.
Essa teoria tem como base analítica a intenção de medir a relação causal entre desordem e criminalidade. Parte de um princípio normativo que define desordem como um comportamento inadequado também relacionado a pequenas incivilidades. A malemolência no controle social por parte das autoridades públicas abriria espaços para práticas delituosas advindas do comportamento desordeiro.
O estudo de Wilson e Kelling (1982) revolucionou as análises científicas da moderna criminologia norte-americana. O foco da teoria é o ambiente abandonado pelo poder público que geraria espaços oportunos de práticas desordeiras ou delituosas. Com a presença do ator estatal e de sua disposição para agir reprimindo, o controle do comportamento desviante evitaria o crime no futuro.
Skogan (1990) realizou uma pesquisa em algumas cidades americanas para tentar medir o impacto da desordem na criminalidade. Apontou para uma forte correlação entre desordem social e criminalidade, onde a sua pesquisa – que foi baseada num total de 13.000 pessoas residentes entrevistadas em Atlanta, Chicago, Houston, Filadélfia, Newark e São Francisco – demonstrou que a desigualdade, pobreza e desenvolvimento econômico tinham pouca relação com o crime, mas as desordens provocadas por espaços abandonados e comportamentos advindos da falta de controle social estariam na raiz da criminalidade naquelas cidades analisadas.
Kelling e Coles (1996) demonstraram a relação causal entre criminalidade violenta e a não repressão de pequenos delitos e contravenções. Apontaram que a polícia americana veio abandonando seu caráter de controle e manutenção da ordem pública no século XX, para dedicar-se exclusivamente ao combate à criminalidade. O aumento da violência estaria, segundo os autores, ligado a mudança de estratégia adotada pela polícia. A prevenção do crime também era atributo da polícia e, com o passar do tempo, ela arrefeceu seu caráter preventivo apenas dedicando-se a combater a criminalidade. O papel do policial como agente da comunidade, entrando e convivendo com a comunidade foi abandonado favorecendo o aparecimento de escotilhas sociais para a prática delituosa.
Kelling e Coles (1996) demonstraram a necessidade de criação de uma relação de confiança entre a comunidade e a polícia para a geração de accountability por parte daquela. Sem confiança institucional seria praticamente impossível manter a ordem pública e, ao mesmo tempo, combater à criminalidade violenta. A confiança seria o combustível para uma relação de reciprocidade entre a comunidade e a polícia que depende muito dessa relação para solucionar crimes. Por isso, seria de fundamental importância o policiamento comunitário para a criação do vínculo de confiança entre a polícia e os indivíduos da comunidade em questão.
O abandono, por parte do estado, da manutenção da ordem pública leva ao recrudescimento da criminalidade, pois das pequenas janelas quebradas (pequenas incivilidades como apontado por Soares (2008) como aquelas encontradas nas gangues juvenis reprimidas pela polícia no domingo em Boa Viagem), geram-se espaços mais amplos de oportunidades e ambientes de violência que, das janelas quebradas, ao restante da casa ou do edifício, numa linguagem metafórica, toda a estrutura social desmorona. As pequenas incivilidades geram os pequenos delitos e desses para o crime mais violento, como os homicídios, por exemplo, pode ser apenas um estágio.

Bibliografia:

KELLING, George; COLES, Catherine M. (2003,) Fixing Broken Windows: Restoring Order and Reducing Crime in Our Communities. New York: Free Press.
SKOGAN, Wesley (1990), Disorder and decline: crime and the spiral of decay in American neighborhoods. Berkeley: University of California Press.
SOARES, Gláucio A. D. (2008), Não Matarás. Desenvolvimento, Desigualdade e Homicídios. Ed. FGV. Rio de Janeiro.
WILSON, James Q. and KELLING, George (1982), “Broken Windows: the Police and neighborhood safety”. Atlantic Monthly.

Comentários

  1. A esquerda tem problemas em conter a violência, pois menos de 50 anos atrás eram eles os que corriam da polícia.

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