Diagnosticando a criminalidade homicida nas capitais brasileiras





José Maria Nóbrega Jr.*

Diagnosticar as causas dos homicídios no Brasil. Analisar quais as principais variáveis que podem ser controladas para deter esse fenômeno social, já se mostra possível para as ciências sociais. Sabe-se que as principais vítimas da criminalidade homicida no Brasil é formada por jovens do sexo masculino. Mas, também, já é de conhecimento dos especialistas que boa parte dos adultos até os 39 anos vem sendo vitimada de forma crescente. Os homens são os mais alvejados. Já temos algumas respostas, e isso se mostra de grande relevância.

Destaco que explicações baseadas na cultura da violência e na questão estrutural, ou seja, na desigualdade social e econômica e na pobreza, muitas das vezes não se sustentam ao teste empírico. Também ressalto que as políticas públicas em segurança baseadas em estudos sofisticados que prevêem as variáveis determinantes da criminalidade, mostram-se como decisivo para o controle da criminalidade homicida no Brasil. Aqui destaco as capitais brasileiras como modelo de explicação.

Em quase todas as capitais brasileiras houve aumento considerável nos números e nas taxas de homicídios nos últimos dez anos. A exceção foi a cidade de São Paulo que apresentou importante redução em seus números absolutos de mortes por agressão (homicídios), conforme gráfico 1 abaixo.
Gráfico 1. Homicídios na Cidade de São Paulo - 1996-2007
Fonte: SIM/DATASUS

Entre 1999 e 2007 a diminuição nas mortes por agressão na cidade de São Paulo foi na ordem de 71%, ou menos 4.724 assassinatos. Em 1999 foram 6.653 pessoas assassinadas na capital paulista contra 1.929 em 2007. Estudos recentes apontam para o papel da gestão responsiva em segurança pública como a variável determinante para o êxito paulista (Khan e Zanetic, 2009). Algumas variáveis se mostraram importante para o sucesso de São Paulo: planejamento estratégico tendo a cooperação das duas polícias, foco no tráfico de drogas e nos pontos mais críticos da cidade, a polícia comunitária nesses pontos, crescente nas taxas de aprisionamento, controle do crescimento populacional juvenil, controle na disponibilidade de armas de fogo e reestruturação e revitalização do espaço urbano. Todas de caráter institucional, ou seja, necessitando do papel dos gestores para sua eficaz aplicação.

Analisando as taxas de homicídios juvenis – onde a parcela de vítimas é mais expressiva –, vemos que o impacto é maior. Os jovens padecem em mais de 50% dos casos, dependendo da faixa etária, e isso é geral em todas as principais cidades do país. Não diferindo nas capitais.

Nesse ranking, Recife aparece em primeiro lugar e Maceió em segundo, as duas apresentando taxas de realidade hobbesiana. A região Nordeste é a que mais impacta nessa estatística. Entre 1996 e 2007 houve um incremento nas mortes por agressão de mais de 90% nessa região do Brasil.

Vitória e Belo Horizonte, em terceiro e quarto lugares respectivamente, demonstram o segundo lugar que o Sudeste aponta nessa triste realidade brasileira. Contudo, por causa de São Paulo – que vemos entre os últimos colocados na tabela 1 abaixo -, a região Sudeste vem apresentando números constantes de queda.

De qualquer forma, todas as capitais do Brasil tem índices que superam o mínimo – que é de 10 por cem mil habitantes -, exigido pela OMS (Organização Mundial da Saúde) para manter a sociedade saneada.
Tabela 1. Ranking das Capitais Brasileiras segundo suas taxas de homicídios juvenis do sexo masculino para o ano de 2005

Fonte: SIM/DATASUS/TAXAS NÓBREGA JR. (2009)

As taxas juvenis acima demonstram o real impacto da criminalidade/violência homicida nas capitais brasileiras. Recife aparece como a capital mais violenta do país para os jovens com 311,6 homicídios por cem mil habitantes dessa população. A capital mais tranqüila é Palmas com 37,8 assassinatos por cem mil. Maceió, outra capital nordestina, aparece em segundo lugar no ranking com 282,2 homicídios por cem mil habitantes jovens. São Paulo, a maior cidade da América do Sul, aparece em posição bem mais confortável estatisticamente, com 97,3 assassinatos de jovens do sexo masculino.

Daí surge outra informação a qual os especialistas já sabem: são nas regiões metropolitanas e nas capitais onde se concentram a maior parte dos crimes violentos. Homicídios são praticados por diversos motivos, mas as ciências sociais já tem condições de diagnosticar as variáveis que podem, se controladas, salvar vidas!

No caso do Recife podemos especular, com grandes chances de acerto, o envolvimento dos jovens com o tráfico individual ou formiguinha nas comunidades mais pobres. Bairros como Ibura, Ilha de Joana Bezerra, Beberibe e Santo Amaro possuem as maiores taxas de assassinatos, em sua gritante maioria formada de jovens, da Região Metropolitana do Recife. O controle do tráfico em pontos chaves e da população jovem pode influenciar decisivamente nas taxas de homicídios juvenis. Dados da polícia já apontam para isso. O governo de Pernambuco vem praticando políticas nesse sentido com grande poder de predição e de controle, sobretudo dos homicídios.

Alguns antropólogos e sociólogos apontam para a variável cultural como sendo a principal variável explicativa, ou, no mínimo, como uma variável interveniente. No caso específico de Pernambuco, que Recife participa com aproximadamente ¼ dos homicídios, explicações culturais que inserem a “cultura machista” do homem pernambucano que “não leva desaforos para casa” já foi bastante utilizada. O machismo é uma cultura característica da formação patriarcal brasileira e se apresenta, de forma mais acentuada, em alguns lugares mais que em outros na conjuntura histórica da sociedade brasileira. É difícil de mensurar e fica muito no campo da opinião. Além de ser uma variável de difícil controle. Controlar o ímpeto violento é função básica do Estado Moderno.

Outra gama de cientistas sociais aponta para a importância da cultura na formação das instituições brasileiras. Um ethos autoritário advindo com a formação patriarcal e valores culturais do “jeitinho brasileiro” e do “homem cordial” de Sérgio Buarque de Holanda estariam na raiz da formação das instituições perpassando historicamente esse ethos corrupto e nepotista, influenciando negativamente no desenho das instituições, emperrando o avanço democrático, onde o personalismo e a “consideração” valem mais que o impessoalismo e o profissionalismo, característicos do modelo de tipo ideal burocrático weberiano.

Outra corrente afirma a importância das instituições como àquelas que moldam as ações dos indivíduos, onde os valores e as crenças podem ser amenizados a um segundo plano, apesar de acharem importante o seu papel na condução das instituições. Afirmam que instituições podem mudar, mesmo que lentamente, e que tais mudanças tendo como modelo tipos ideais democráticos de racionalidade, levam a mudanças de comportamento conduzindo, assim, a mudanças culturais. Dispositivos coercitivos racionais, sobretudo no aparato de justiça, levariam a queda da criminalidade quando utilizados de forma responsável. Reformas nas instituições, contratações de funcionários via concurso público e maior visibilidade punitiva poderia levar a mudanças culturais. Onde antes existia o conflito passa(ria) a existir a administração desse conflito, sem o derramamento de sangue tão característico da realidade brasileira.

Percebo que todas as correntes aqui destacadas têm sua contribuição para a explicação do fenômeno social do homicídio. A cultura importa, mas o papel responsivo das instituições pode arrefecer o aspecto cultural, ou até mesmo anulá-lo. Políticas de repressão às práticas de agressão contra as mulheres, por exemplo, podem conduzir a cultura machista para uma cultura de tolerância e respeito, se forem, evidentemente, bem aplicadas em seu poder de predição. Repostas mais rápidas e consistentes dos Tribunais de Justiça aos crimes de homicídio e maior preparo das polícias podem levar a diminuição da endemia homicida, independente da cultura.

Só para termos uma idéia da ineficiência das instituições coercitivas no quadro dos homicídios no Recife, entre 2003 e 2004 foram computados 2.114 homicídios na cidade dos quais 17 deles foram levados à Justiça até novembro de 2005. Isto equivale a menos de 1% (0.85%) dos casos executados na capital, o que gera impunidade e mais estímulo à criminalidade violenta. Como afirma Douglass North, “as instituições moldam as ações dos indivíduos”. Políticas públicas responsivas, baseadas em variáveis que podem ser controladas, são determinantes para o controle da criminalidade violenta, inclusive nas capitais e regiões metropolitanas.

*José Maria Nóbrega Jr. é cientista político, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPE e é autor de “Semidemocracia brasileira: as instituições coercitivas e práticas sociais” pela Nossa Livraria Editora.
KHAN, T. e ZANETIC, A. (2009), “O papel dos municípios na segurança pública”, in Coleção Segurança com Cidadania, Ano 1, Nº 1, Subsídios para Construção de um Novo Fazer Segurança Pública. ISSN 1984-7025.

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