Violência homicida no Brasil


» GLÁUCIO ARY DILLON SOARES


CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, quinta-feira, 29 de outubro de 2009 • Opinião • 29




Muitos opinam sobre o crime e as taxas de homicídio; muitos pensam as regiões brasileiras como homogêneas: Sul, Nordeste etc. seriam internamente semelhantes. Não é assim. A violência varia muito dentro da mesma região e as tendências também variam. Não há perfil único nem tendência regional homogênea. Não obstante, há tendências nacionais claras: as taxas brutas de homicídio cresceram linearmente desde 1979 ecomeçaram a descer em 2003, como resultado do Estatuto do Desarmamento. A taxa de 2007 é mais baixa do que a de 2000.


Houve, recentemente, o Primeiro Seminário Nacional sobre Homicídios, em Caruaru, Pernambuco. Uma excelente criminóloga gaúcha, Letícia Maria Schabbach, apresentou trabalho cobrindo os três estados do Sul durante um amplo período, de 1980 a 2007. Schabbach mostra que a taxa de homicídios por 100 mil habitantes varia muito de estado para estado, na mesma região, a Sul. Ela é maior no Paraná e menor em Santa Catarina. Há diferenças nas tendências. A taxa paranaense é quase três vezes a catarinense. Em Santa Catarina, a taxa por 100 mil habi-tantes tem flutuado entre 10 e 12, perto do limite considerado aceitável — internacionalmente. Acima de 10 por 100 mil habitantes. A OMS considera que existe epidemia. Santa Catarina é o estado com a taxa de homicídios mais baixa do país.


Há flutuações na região. Em Santa Catarina são mini-flutuações. Já o Paraná sofreu uma explosão de homicídios: a taxa começou a crescer em 1998-1999 e, particularmente, a partir de 2000. Com uma taxa de aproximadamente 30 por 100 mil habitantes, nos últimos quatro anos analisados (2004 a 2007) o Paraná se tornou mais violento do que o Brasil como um todo. Em 2000 era o 16º estado mais violento, mas em 2007 já era o nono.


O Rio Grande do Sul apresenta perfil diferente, com flutuações maiores. Houve crescimento grande entre 1985 e 1991 e certa estabilidade durante seis a sete anos. O último ano da série analisada foi 2007, que também foi o mais violento. A situação recente do estado é preocupante. A análise por décadas mostra como a situação se deteriorou no Paraná em anos recentes: na década de 90 o Paraná e o Rio Grande do Sul tinham taxas brutas (sobre o total da população) semelhantes – em verdade, a taxa gaúcha era marginalmente mais alta. Porém, na década seguinte, o crescimento dos homicídios no Paraná foi acelerado e a taxa bruta passou de 15,3 pa-ra 25,8, substancialmente maior do que a do Rio Grande do Sul. Olhando para todos os estados brasileiros, vemos uma tendência demonstrada muitas vezes — os estados com taxas mais altas numa década tendem a ser os mesmos na década seguinte. Porém, não é uma situação estática — há variações. A autora apresenta dados para todos os anos em que houve censos e contagens sobre todos os estados brasileiros, o que permite ver, com maior segurança, quais os estados nos que o crescimento foi mais acelerado. Os dados confirmam que houve explosão homicida em Alagoas (a que fiz alusão neste jornal) que passou do 11º lugar entre os estados brasileiros em 2000 ao 1º em 2007. A taxa bruta alagoana, de 60,6 por 100 mil habitantes, é inaceitável. A taxa existente entre 1991 e 2000 era menos da metade do que é hoje –mais do que dobrou.


O Espírito Santo, Pernambuco e o Rio de Janeiro seguiram um padrão diferente. Desde 1980 estão entre os mais violentos. Porém, mesmo entre esses estados com níveis altos e relativamente estáveis de violência, houve mudanças. A taxa bruta do Rio de Janeiro atingiu o auge em 1996, 60 por 100 mil, semelhante à de Alagoas em 2007. O Rio de Janeiro foi o estado mais violento do Brasil naquele ano (posição que ocupou em vários anos da década de 80). Já José Maria Nóbrega mostra que os benefícios do Estatutodo Desarmamento se concentraram no Sudeste e que, no Nordeste, as taxas cresceram ininterruptamente. No Sudeste, as taxas desabaram entre 2003 e 2007, de 36 por 100 mil habitantes a 23. Usando dados do SIM, organizados pelo Ministério da Saúde, mostra crescimento entre 2004 e 2007. Segundo a apre-sentação de outro pesquisador, J. L. Ratton, a situação em Pernambuco começou a ser revertida em 2008, reversão que continua em 2009.


Outra explosão catastrófica da violência homicida se deu no Pará. Em 2000 ocupava o 21º lugar, com uma taxa de 13 por 100 mil, aceitável por padrões brasileiros. Em sete anos passou a ser o 7º estado mais violento no país e sua taxa pulou de 13 para 31,2. Na Bahia também cresceu a violência e o estado passou da confortável posição de 23º estado mais violento para 14º.


Há bons exemplos. No ano 2000, São Paulo era o 4º estado mais violento do país; em 2007, é o 25º, o antepenúltimo, acima apenas do Piauí, estado cujas estatísticas não são confiáveis, e de Santa Catarina, o estado com a mais baixa taxa bruta de homicídios do país. A taxa paulista caiu de 42,3 para 15,7. São Paulo se tornou exemplo internacionalmente famoso de contenção e redu-ção da violência homicida.


O Brasil oferece muitos exemplos de fracassos e sucessos de políticas públicas de controle da violência, em geral, e dos homicídios, em particular. Precisamos estudar muito melhor esses exemplos.

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