Um ano vivendo na cultura de paz

É possível levar paz as comunidades em qualquer lugar do mundo, basta ter vontade política e responsabilidade institucional. Um dos caminhos é a prevenção. (José Maria Nóbrega)
Publicado em 07.11.2009 pelo Jornal do Commercio
Bairro festeja hoje primeiro aniversário do Governo Presente, que reúne ações sociais contra violência. Redução do número de homicídios chegou a 71%
Artur Rodrigues
Especial para o JC
Flávio Ferreira, 28 anos, foi menino de rua, teve um braço esmigalhado por um tiro de espingarda calibre 12, experimentou crack e viu muita gente morrer. Tinha tudo para ser mais um jovem assassinado ou preso, mas conseguiu driblar esse destino. Hoje, é o MC Flávio, cantor e orientador pedagógico do Centro de Juventude de Santo Amaro. Por meio da música e da sua história, ensina jovens, bem parecidos com ele há 15 anos, a sobreviver.
Prestes a gravar seu primeiro CD com apoio do governo, o MC é um dos anônimos que ajudou a transformar um dos bairros mais violentos do Recife, Santo Amaro, na região central, em um exemplo na área de política de segurança. Há um ano, era criado o programa estadual Governo Presente, que implantou 47 ações conjuntas, com objetivo de diminuir a violência no bairro. Deu certo. No mês passado, ninguém foi morto em Santo Amaro. O mesmo aconteceu em dezembro passado, janeiro e julho deste ano. A redução dos crimes violentos letais intencionais é de 71%, passando de 38 mortes, em 2008, para 11, este ano (até o mês de outubro).
“O resultado é uma prova cabal de que não há comunidade violenta, que todo mundo quer viver em paz. Se o governo chegar junto, essa possibilidade é real”, afirma o secretário de Articulação Social e coordenador do Governo Presente, Waldemar Borges. Entre as ações implantadas, estão cursos de capacitação profissional, oficinas culturais, reforço escolar e polícia comunitária.
Um dos problemas mais combatidos é a falta de perspectiva dos jovens, as principais vítimas da violência no bairro em que 12,7% dos chefes de família não têm renda alguma. Jailson de Souza Neves, 19, é um dos 157 jovens que saíram das estatísticas de desemprego após fazer o curso do Centro da Juventude. Lá, recebeu capacitação e uma bolsa mensal de R$ 100. Em um ano, acabou contratado como orientador. “Minha família ficou contente porque viu que eu estava correndo atrás de um objetivo”, diz. Também rapper, ele é finalista do concurso estadual de duelo de MCs e usa a facilidade para rimar em tempo real para propagar a cultura de paz.
MEDIADORES
Evitar que desentendimentos bobos entre vizinhos ou que brigas entre marido e mulher acabem em tragédia é um dos desafios do Governo Presente. Um curso de mediação de conflitos treinou 84 pessoas para engrossar a “turma do deixa disso” em Santo Amaro. “Essa formação é para qualificar pessoas que são líderes comunitárias e que já faziam esse trabalho”, afirmou Elizabete Godinho, gerente estadual de mediação de conflitos.

Edilson José da Silva, o Tito, 33, não fez o curso, mas já atua como apaziguador. Nascido na comunidade João de Barros, em Santo Amaro, virou presidente da associação de moradores. Diz que só sai do bairro para o cemitério. “Que também fica aqui”, brinca. Segundo Tito, as coisas têm melhorado na área. “Aqui na minha comunidade ninguém é assassinado há dois anos. Mas ainda há muito o que fazer, na infraestrutura do bairro e na questão da economia solidária”, afirma ele, que também coordena o Espaço Cultural Santo Amaro. Há um mês, o local passou a dar cursos em que as crianças revezam entre a capoeira e o xadrez. “O xadrez ensina respeito ao próximo e disciplina. Já o esporte aproxima a comunidade. Agora mesmo isso está acontecendo por causa do campeonato de futebol de Santo Amaro”, diz. A disputa, que reunirá 22 times amanhã, é inédita. Contará até um time formado só por policiais militares, que parecem ter conseguido desfazer a tradicional hostilidade que existe entre polícia e moradores em bairros com problemas de segurança pública como Santo Amaro.

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