Desilusões bolivarianas

Editorial, O Estado de São Paulo - 08.11.2009

As promessas de prosperidade e justiça social feitas em maio pelo presidente Hugo Chávez, quando expropriou 76 empresas que prestavam serviços para a estatal PDVSA e às quais seu governo devia cerca de US$ 10 bilhões , serviram para alimentar as esperanças de melhores condições de vida dos trabalhadores venezuelanos da região do Lago Maracaibo, uma das principais produtoras de petróleo do país. Mas não se vive de promessas e de esperanças estão constatando agora muitos venezuelanos que se encantaram com o discurso chavista.
"Sob um sol avassalador, Demóstenes Velásquez mora há meses em um barraco improvisado com restos de propaganda eleitoral dos comícios sindicais petroleiros, à espera do emprego prometido pela "revolução", após a expropriação da companhia para a qual ele trabalhava como terceirizado", relatou a repórter Marianna Párraga, da Agência Reuters, que visitou o local.
Como Velásquez, muitos trabalhadores na região do Lago Maracaibo fazem manifestações e greves de fome. Querem ser admitidos como empregados da PDVSA, que tem sustentado financeira e operacionalmente a política populista de Chávez. Os trabalhadores evitam, porém, criticar Chávez. Atribuem a culpa por suas dificuldades a "gerentes" da PDVSA, que a seu ver não cumprem as ordens do governo. Não querem, no fundo, abandonar totalmente as ilusões que os levaram à situação em que vivem hoje.
Mas a responsabilidade é de Chávez. A PDVSA, além de ser a maior fonte de recursos fiscais do governo venezuelano, vem sendo utilizada cada vez mais intensamente como braço executivo do programa chavista. Assumiu tarefas como as de construir habitações populares, importar alimentos, gerenciar empreendimentos agrícolas, administrar supermercados e financiar a educação de adultos. O quadro de empregados da empresa engordou rapidamente, o que aumentou seus custos operacionais, mas suas receitas foram severamente afetadas pela queda do preço do petróleo no mercado internacional e pela gestão irresponsável que a obrigou a vender o produto para "países amigos", como Cuba, a preços aviltados.
É irônico que, depois de agredir seguidamente os empreendimentos privados desde 2007, vem assumindo o controle de setores considerados estratégicos, o que inclui empresas de telecomunicações e de eletricidade, as prestadoras de serviços para a PDVSA, a maior siderúrgica do país, uma das maiores instituições financeiras que pertencia ao grupo espanhol Santander, duas das maiores processadoras de café e hotéis, o governo bolivariano de Chávez, acuado pela crise fiscal, agora procure cortejar as petrolíferas estrangeiras, para que elas voltem a investir no país. Nos próximos dias, deve anunciar regras mais favoráveis às empresas privadas para a exploração de seis blocos de petróleo na faixa do Rio Orinoco.
Outra ironia é que um país rico em fontes de energia como a Venezuela esteja enfrentando uma crise de abastecimento de energia elétrica tão severa que, há dias, o próprio presidente Hugo Chávez foi à televisão para pedir à população que não fique cantando sob o chuveiro e limite seu banho diário a três minutos.
A crise de energia elétrica é um retrato perfeito do modo bolivariano de governar. Desde que Chávez chegou ao poder, era sabido que o setor de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica necessitava de investimentos de US$ 5 bilhões em manutenção e ampliação. Mas nada foi investido nos últimos dez anos. O congelamento das tarifas por um longo período desestimulou investimentos privados e estimulou o consumo, uma combinação que só poderia resultar na crise atual.
O governo a atribuiu à seca e agora ameaça as empresas privadas que produzem energia elétrica para consumo próprio de expropriar suas centrais energéticas caso não transfiram o excedente de produção para o sistema nacional de distribuição. "Se alguém insistir em dar as costas para as necessidades do país, o governo está na obrigação de tomar o controle e cobrir as necessidades do nosso povo", ameaçou o ministro de Energia Elétrica, Rafael Ramírez, há poucos dias. É o tipo da ameaça que, na Venezuela de Hugo Chávez, tem tudo para se transformar em realidade.

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