Sertão de Pernambuco, terra sem lei

Por José Maria Nóbrega – cientista político, pesquisador do NICC-UFPE

Os dados sobre homicídios em Pernambuco mostram uma triste realidade: o crescimento dessas mortes no interior do estado. O Sertão é o mais preocupante, e com o fracasso do estado em manter todos em respeito, à cultura da valentia e da honra supera a lei, a justiça e o estado democrático de direito.
O crescimento dos homicídios na maioria das regiões do interior do Estado de Pernambuco aponta para outra preocupação nos estudos sobre os homicídios. A redução do número absoluto para todo o Estado refletiu numa pequena redução na taxa, menos de 2 % entre 2007 e 2008. Isto não se reflete nos dados desagregados por região de desenvolvimento e por municípios em muitos casos. Alguns deles mostram crescimento de mais de 30 % nas suas taxas.
Com exceção da Mata Norte, do Sertão do São Francisco e da Região Metropolitana do Recife todas as outras regiões de desenvolvimento demonstraram crescimento nos seus indicadores de mortes por agressão/CVLI/homicídios (INFOPOL/SDS-PE). Isso me leva a afirmar que é cada vez mais frequente a violência homicida nas cidades interioranas.
No sertão o caso é mais alarmante. A morte encomendada faz parte da realidade cultural do povo dessa região, mas com a falência das instituições como garantes da lei e do ordenamento público a situação piora a cada ano. Os dados reforçam essa realidade.
No Sertão Central (Cedro, Mirandiba, Parnamirim, Salgueiro, São José do Belmonte, Serrita, Terra Nova e Verdejante) houve um incremento nos números absolutos de um ano para o outro. Em 2006 foram 23 mortes intencionais, em 2007 este número acresceu para 39, quase dobrando os números absolutos. Salgueiro, no Sertão Central, está entre as cidades que fazem parte do polígono da maconha, vem tendo impacto significante na atividade de tráfico. Em julho de 2009 a Polícia Federal apreendeu mais de 10 quilos de cocaína naquela cidade (Jornal do Commercio, 2009: Capa Dois, Recife).
No caderno especial publicado hoje (domingo, 13 de setembro de 2009) no JC, intitulado “cabeça de matador”, o jornalista Eduardo Machado entrevistou alguns assassinos de aluguel (os chamados “pistoleiros”), homicidas contumazes, mandantes e etc. Numa primeira entrevista a questão cultural ficou evidente na fala de um latifundiário sertanejo que assim proferiu: “Quem mora numa cidade como esta e é desmoralizado uma vez, nunca mais adquire o respeito de volta. Então, de vez em quando, tem que mandar dar uma surra de arreio em um, uma camada de pau em outro e, eventualmente, queimar um cabra safado que esteja mexendo com quem não deve”. Em visita a cidade de Arco Verde, que fica no Sertão do Moxotó, algo semelhante de um oficial da Polícia Militar: “aqui a honra é mais importante, um velhinho levou uma surra de um jovem e disse que tinha que fazer algo, pois como ele ficaria agora perante a população, desmoralizado! Nunca mais poderia olhar para a sua esposa.”
Muitos assassinatos no interior tem como causa a “rixa” ou “vingança”, mas não sabemos até que ponto tais causas foram motivadas por questão moral ou tráfico de drogas, ou até mesmo dívidas pessoais sem envolvimento com drogas. Seria importante a melhoria dos documentos produzidos pela polícia sertaneja. No entanto, trechos como o citado acima pelo latifundiário (um homem de posses e com acesso a informação, segundo Machado), podem ser mais comuns do que muitos de nós pensamos.
De qualquer forma, a criminalidade, e os homicídios em especial, vem aumentando no interior de Pernambuco, não obstante a pequena redução nos indicadores de homicídios demonstrados pelos dados do INFOPOL/SDS-PE para os anos entre 2006 e 2008 e os últimos nove meses de 2009, sobretudo na Região Metropolitana do Recife. A presença do estado no interior se faz necessária e a formação de seus quadros coercitivos se mostra determinante para o combate à criminalidade e à violência. Senão a cultura continuará vencendo o estado, e o sertão uma terra sem lei.

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