A HISTÓRIA POLÍTICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO


POR JOSÉ MARIA NÓBREGA – CIENTISTA POLÍTICO

Como entender a corrupção e o nepotismo que tanto assola a política brasileira? Como explicar que as instituições em sua formalidade são insuficientes como molduras para a ação dos atores políticos dentro dessas instituições? O Brasil formal se reflete no Brasil real? A cultura e a história são fatores determinantes ou importantes na condução histórica das instituições políticas brasileiras? Por que os partidos políticos no Brasil são frágeis? Estes são alguns questionamentos que vamos procurar debater no curso sobre a História Política do Brasil Contemporâneo o qual irei ministrar no Instituto Teotônio Vilela de Pernambuco, no próximo dia 18 de janeiro.
Essa história tem início com a República Velha, onde as reformas introduzidas no Estado brasileiro com a Constituição Federativa de 1891 produziram a descentralização do poder político, o que inverteu o desenho institucional centralizado do período imperial. A República Velha, que já nascera caduca, foi uma investida dos militares em conjunto com as elites rurais de São Paulo e Minas Gerais. Naquele período da história brasileira as desavenças dos civis com os militares conduziram a momentos de forte instabilidade política no país. Foi na República Velha que os militares começaram a demandar poder político em nossa história.
Com a quase inexistência de partidos políticos, praticamente resumidos aos partidos republicanos dos estados, a vida político-partidária brasileira era dominada pelas oligarquias locais. Estas, em conjunto com o apoio do governo central, se articulavam para garantir a vitória da situação nos municípios. O controle do voto estava totalmente dominado pelas Câmaras Municipais e pelos coronéis que tinham a última voz para a efetivação do pleito, em amplo acordo com o poder central. O que imperava era a fraude e a violência aos dissidentes do regime. Um jogo oligárquico entre São Paulo e Minas Gerais.
Os partidos políticos eram extremamente frágeis, sem representatividade. A sociedade ex-escravocrata, ainda mantinha em sua ossatura uma estrutura eleitoral extremamente elitista, onde a maioria estava completamente fora da disputa por representação (até 1930 os eleitores não passavam de 5% da população brasileira). A escolha dos governantes era feita por uma elite política local que escolhia uma elite mais filtrada ainda a nível nacional.
Contudo, mesmo no âmbito da elite houve uma ruptura drástica com o antigo regime (República Velha). Este regime foi suplantado às novas demandas pelo poder e ao fracasso das políticas econômicas que tinham o intuito de manter o preço do café controlado. Na nova demanda pelo poder, o Rio Grande do Sul já vinha se destacando como um ator político importante no âmbito do poder político oligárquico nacional. Nem São Paulo, nem Minas Gerais, sobretudo depois do fracasso dos planos econômicos antiliberais de controle do preço do café, conseguiram manter o status quo da estrutura política oligárquica conhecida como Café-com-Leite.
Mesmo assim, a existência de partidos políticos era frágil. O surgimento de movimentos importantes tais como: o tenentismo, coluna Prestes, a fundação do Partido Comunista Brasileiro e o Anarcossindicalismo; não foram suficientes para angariar apoio da sociedade brasileira. Esta ainda muito incipiente numa vida de participação política mais sofisticada. A maioria da população do país permanecia oculta nos grilhões das cidades interioranas, principalmente naquelas onde a força do coronelismo era cabal.
Veio Getúlio Vargas e a Revolução de 1930. A primeira movimentação de destaque da iniciante classe média brasileira. Vargas passou a introduzir uma dinâmica nova, recentralizando o poder nas mãos do governo federal e intitulando um viés fascista na sua forma de conduzir a frágil República brasileira. A globalização do autoritarismo europeu fortaleceu seu ideal patriarcal, levando o país ao Estado Novo. Entre 1930 e 1945 o Brasil praticamente não teve vida político-partidária. Os partidos políticos passaram a ter alguma representatividade a partir do surgimento, pela primeira vez na história do Brasil, da democracia política.
Esta democracia levou à introdução da vida político-partidária nacional. Os partidos conservadores como o PSD (Partido da Social Democracia), a UDN (União Democrática Nacional) e o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro – criado por Getúlio), em paralelo ao PCB (Partido Comunista Brasileiro) como o partido de contradição; levaram o país a uma vida partidária mais estimulante. Contudo, isso não foi suficiente para acabar com os currais eleitorais e o coronelismo.
O controle das eleições, apesar de reformas eleitorais importantes e a introdução do voto secreto desde 1932 e o voto feminino desde 1934, com a criação de mecanismos institucionais de controle mais robustos, na formalidade mostravam alguma consistência e transparência, mas a realidade era outra. O controle do voto nas regiões mais pobres do país se manteve. E o voto no PSD ou UDN, PTB e mesmo no PCB, não era uma questão de ideologia e de ligação do eleitor com as propostas dos partidos. A vertente continuava elitista, o controle sobre a população, sobretudo a mais pobre, se manteve. Não houve um partido político que nascera, realmente, das demandas socioeconômicas da sociedade brasileira.
A UDN, partido mais localizado à direita do espectro político, fazia de tudo para se manter na “crista da onda” do poder político. Mantinha seu domínio no Brasil subdesenvolvido que era superior territorialmente ao Brasil desenvolvido. Com a influência comunista nos grandes centros urbanos do Brasil desenvolvido e os movimentos na América Latina que levou Cuba a se tornar o primeiro país sob o domínio de revolucionários marxistas no continente, fez com que a elite brasileira ficasse temerosa de um possível sucesso da esquerda nacional. A conjuntura internacional da Guerra-Fria e a fragilidade dos partidos políticos e dos atores políticos brasileiros, facilitaram o Golpe de 1964.
A incipiente vida partidária brasileira sofrera um grande golpe. Uma interrupção que fez asfixiar a pequena vida democrática eleitoral do Brasil contemporâneo. O regime autoritário, sobre o domínio dos militares – sempre presentes na vida política nacional -, construiu um mecanismo eleitoral esdrúxulo com dois partidos políticos: a ARENA, partido de sustentação do governo, e o MDB, a dita oposição consentida. Tudo isso, no intuito de criar uma legitimidade junto à sociedade civil brasileira. Legitimidade esta que nunca se consolidou.
As diversas reformas eleitorais produzidas pelos militares, além das imposições institucionais, como foi o Ato Institucional de Número cinco – que dava prerrogativas ilimitadas ao governo, inclusive fechando o Congresso ao seu bel prazer -, fizeram com que o MDB malograsse em algumas disputas eleitorais. A Lei Falcão – que regulava a propaganda partidária, prejudicando a oposição e facilitando a vida do governo -, o Pacote de Abril – que, dentre outras coisas, manteve o Senado com maioria pró-governo com a introdução dos senadores biônicos -, foram mecanismos de pressão da cúpula militar em se manter no poder.
O regime não resistiu ao fracasso econômico e a falta constante de legitimidade perante a sociedade civil. A resistência política foi reprimida e também praticou atos violentos contra inocentes. A vida partidária ficou limitada mais uma vez e a história política brasileira perdeu impulso. A violência mais uma vez venceu a dinâmica democrática das discussões políticas entre visões antagônicas.
A transição negociada entre a elite civil e militar levou ao governo um político moderado, de Minas Gerais, Tancredo Neves fora o equilíbrio do jogo. A redemocratização veio sem eleições diretas, já que a emenda Dante de Oliveira não ultrapassou a ala conservadora do Congresso Nacional. Esta a instituição mais conservadora entre as instituições políticas do Estado brasileiro.
Neste jogo, ressurge a vida partidária brasileira. PT, PMDB, PFL, PSDB, PDT, PTB, PC do B, dentre outros, fizeram da primeira eleição para presidente da Republica, em 1989, depois de mais de 25 anos, um movimento de êxtase para todos os brasileiros que não viam à hora de poder escolher seus governantes e representantes parlamentares. Ainda assim, os partidos políticos, à exceção do PT, continuavam nascendo fora do âmbito da sociedade civil organizada.
Os militares saíram do governo, mas se mantiveram no poder. Em toda a história republicana que configura o Brasil contemporâneo, os militares demandam poder político. Desde a República Velha, ou República dos Marechais, até o caso recente do Plano Nacional de Direitos Humanos – que vem colocando o governo em xeque num momento decisivo eleitoralmente -, os militares se mantém no poder e demandam suas prerrogativas em várias instâncias da vida política nacional. A transição tutelada em 1985 foi um grande acordo entre as elites nacionais e a Lei de Anistia, que a antecedeu, foi outro grande acordo que blindou possíveis julgamentos dos antigos governantes e seus representantes institucionais.
Com tudo isso, a vida partidária brasileira ainda mostra incipiência em sua essência. Veio o regime democrático (uma democracia contestatória no movimento partidário), mas os entulhos do autoritarismo foram mantidos. A vida partidária não reflete os reais anseios da sociedade e a corrupção, o nepotismo, o patrimonialismo e o jeito antigo de se fazer política, ainda são encontrados fortemente na conjuntura política do nosso país, sobretudo no Norte e no Nordeste, regiões que ainda não se desenvolveram suficientemente para o debate político de alto nível.
O curso de História Política do Brasil Contemporâneo, além de abordar vários temas, terá o intuito de fundar um movimento importante na sociedade pernambucana que é discutir, sem ideologias e paixões, a trajetória histórica de nossa vida política e partidária. É um “ponta pé” inicial de um projeto maior, o de produzir uma obra, um conjunto de textos sobre a história política do Brasil tendo como foco a vida política, a trajetória histórica de nossas instituições políticas e o comportamento dos principais atores políticos que fizeram parte dessa difícil trajetória. Ou seja, é o momento de reescrevermos essa história.

Comentários

  1. Caro Professor José Maria,

    Venho acompanhando seus posts desde que vi um link lá no blog do JC.

    Ensinar os alunos sobre a História Política do Brasil Contemporâneo é uma das tarefas mais importantes que um professor pode se dedicar. Importante porque fortalece o regime democrático e as nossas instituições políticas que na minha opinião vêm sendo ameaçadas pelo atual governo.

    Permita-me a ousadia - como professor tão graduado e pós-graduado o senhor irá relevar minha audácia - de discordar da sua opinião sobre o PNDH 3 quando afirma que os militares por terem se insurgido contra o tal plano estão "demandando" poder, insinuando que os "homens de farda" ainda possuem um alto grau de interferência no regime civil. Minha leitura é outra...

    Vi pelo seu texto, e perdoe a precipitação,que o senhor dá uma importância demasiada à chamada Política do Café com Leite. Na República Velha as oligarquias mineira e paulista, embora poderosas, estiveram longe de dominar a cena política brasileira como os livros didáticos insistem em dizer. Atores políticos diferentes, como a oligarquia gaúcha, fluminense e baiana para ficar em alguns exemplos, não podem ser escanteadas para uma boa compreensão do período.

    Termino o comentário com um pedido de quem reconhece que pode aprender nesse curso. Sempre que possível deixe aqui bibliografias, textos, produções para que eu aprenda mais sobre esse assunto.

    Um abraço.

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