Como a criminalidade e a violência estão corroendo as democracias na América Latina

 Não há democracia nem de longe na Venezuela. Apoiar o regime de Maduro é apoiar a tirania, a violência e a criminalidade.


A democracia é um regime político no qual há eleições livres e limpas, estado de direito e accountability horizontal. Portanto, são três dimensões que a democracia como regime possui: a. a dimensão eleitoral; b. a dimensão do estado de direito; e c. a dimensão da responsabilização horizontal dos agentes políticos-públicos (NÓBREGA JR., 2025A).

A criminalidade é um conceito muito amplo, mas no campo da criminalidade organizada podemos definir como o tipo de crime que compreende: a. atividades ilegais; b. padrões de relações interpessoais que apoiam essas atividades; c. estruturas de poder ilegais que regulam as atividades criminosas; d. hierarquia; e. previsão de lucros; e. divisão de trabalho; f. planejamento empresarial; e g. simbiose com o Estado (LAMPE, 2016; MINGARDI, 2007).

A violência é um conceito também muito amplo, mas internacionalmente é medida pelas taxas de mortes violentas intencionais que compreendem os homicídios dolosos em sua dinâmica. As taxas são calculadas por cada grupo de cem mil habitantes.

A América Latina é a região mais violenta do mundo com uma taxa de homicídios superior aos 24 por cada grupo de cem mil habitantes. A média mundial é de seis, a das Américas de 17, a da África é de 13, a da Ásia 2,3, a da Europa três e a da Oceania 2,8 (NÓBREGA JR., 2025A).

Há uma significativa correlação entre crime organizado e qualidade das democracias. Quanto melhor a qualidade das instituições democráticas, menor é a interferência da criminalidade organizada na sociedade. As correlações entre democracia e corrupção e corrupção e criminalidade são fortes, quanto maior a resiliência do estado em fazer cumprir a lei e a ordem, maior é o controle da corrupção e da criminalidade organizada.

Analisando especificamente quatro importantes países da América Latina - três semidemocracias (NÓBREGA JR., 2010) e um regime autoritário - como proxy para a região, analisar-se-ão alguns indicadores que demonstram o efeito de corrosão democrática nesses países, sendo eles: Brasil, México, Colômbia e Venezuela, esta última numa situação deplorável de tirania e de confusões internas e externas.

Os dados da tabela 1 dizem respeito ao Crime Organizado do indicador do Global Organized Crime Index (2024) que mede os mercados criminosos (no total de quinze categorias), os atores criminosos (no total de cinco categorias) e a resiliência (que mede a capacidade de controle do crime organizado por parte do Estado, compreendendo 12 fatores ou categorias). Esses indicadores são medidos entre zero e dez e quanto maior, maior é a criminalidade e maior é a resiliência do Estado (NÓBREGA JR., 2025B).

Ao indicador de justiça criminal do Rule of Law Index do projeto World Justice Project (2024), que compreende: a. um sistema de investigação criminal efetivo e eficaz; b. um sistema efetivo de acusação e prisão de criminosos; c. um sistema de correção eficiente e bem administrado; d. uma justiça criminal independente e imparcial; e. um sistema de justiça criminal livre da corrupção; f. um sistema de justiça criminal livre da influência dos governos; g. com um processo de garantia aos direitos do entes acusados. Este indicador é medido entre zero e um, quanto maior, maior é a capacidade do sistema de justiça criminal.

Às taxas de homicídios como proxy de violência foram resgatadas do site da UNDOC para o ano de 2023. As taxas de violência homicida são calculadas por cada grupo de cem mil habitantes e quanto maior ela for, maior é a violência.

Aos índices de democracia dos países retirados do Democracy Index (2024). Neste índice, os países são classificados em: a. democracias consolidadas; b. semidemocracias (democracias falhas e regimes híbridos); e c. autoritarismos. A mensuração é feita entre zero e dez e quanto maior for o indicador, maior é a qualidade da democracia. Semidemocracias são classificadas com notas inferiores a oito e regimes autoritários com notas inferiores a quatro.

Ao índice de corrupção do Corruption Perceptions Index 2024 que avalia o ranking de corrupção no mundo num total de 180 países. Quanto maior o indicador, maior é a qualidade do controle da corrupção.

Explicado suncitamente a metodologia da análise em cima da explicação dos indicadores, vamos avaliar os dados dos quatro países de nossa amostra representativa da América Latina (México e Brasil juntos representam mais da metade da população latinoamericana).

O país com o maior indicador de crime organizado do mundo é a Colômbia, por sua vez, da América Latina. Com indicador de 7,75, a Colômbia é responsável pela maior parcela da produção de cocaína do mundo. Os outros três países, estão entre os mais criminosos do mundo com indicadores todos superiores à média mundial neste critério. O Brasil se destaca, pois vem apresentando uma série de ações da sua Polícia Federal no combate ao crime organizado internamente, mas apresenta um dado de 6,77 de média do crime organizado, superando o narco-estado da Venezuela.

Os índices de justiça criminal são falimentares. Os dados são todos inferiores a 0,40 quando a média das nações democráticas são superiores aos 0,70. O pior indicador da justiça criminal vai para a Venezuela com míseros 0,11, um dado que demonstra a total incompentência do Estado como monopólio da força e da violência legal, o que infringe diretamente duas dimensões do conceito de democracia: a dimensão do estado de direito e a dimensão da responsabilização horizontal. Não há democracia nem de longe na Venezuela. Apoiar o regime de Maduro é apoiar a tirania, a violência e a criminalidade.

As taxas de homicídios são todas superiores a média internacional, com destaque ao México e a Colômbia com taxas de homicídios dolosos acima dos 24 por cem mil habitantes.

O índice de democracia dos quatro países são desabonadores, com o melhor sendo o do Brasil, com 6,49, mas ainda numa zona cinzenta semidemocrática na qual o país não avança desde o surgimento do índice em 2006. No último ano, o Brasil caiu cinco pontos no ranking mundial (DEMOCRACY INDEX, 2024).

A Venezuela é um regime autoritário e narco-traficante. A nota de 2,25 a coloca entre os países mais autoritários do mundo. México e a Colômbia, ambos numa zona intermediária semidemocrática, com o México mais próximo de um regime não-democrático que a Colômbia.

No índice de corrupção, a Venezuela se destaca com o indicador de 10, estando na posição 178 entre 180 países, perdendo a posição de país mais corrupto do mundo para a Somália e o Sudão. O Brasil, com nota 34 aparece na posição 107/180. O México com a nota 26, aparece na posição 140/180, e a Colômbia, com a nota 39, a melhor posicionada entre os países da amostragem, na posição 92/180. Todos os quatro com altos níveis de corrupção representados pelos baixos índices no indicador.

Por fim, e não menos importante, a capacidade do Estado como controlador do crime organizado. Todos apresentam números inferiores ao índice de crime organizado, demonstrando a incapacidade de resiliência nesse controle. O caso da Venezuela é dramático, com nota de 1,88 fica em último lugar na América Latina, e entre os últimos colocados do mundo.

Os quatro países demonstram fraca capacidade do seu sistema de justiça criminal (com a quase total ausência de capacidade da Venezuela) com dados de violência descontrolados, com níveis de resiliência baixos e com níveis de criminalidade organizada e corrupção altíssimos.

Analisando os dados dos quatro países nos indicadores de criminalidade, resiliência e violência no gráfico 01, percebemos como os indicadores estão alinhados com a predominância do crime na região. Como o crime, a violência está corroendo a sociedade latinoamericana, com as instituições perdendo a credibilidade perante os indivíduos e com a cultura da criminalidade se espalhando com força nas zonas periféricas abandonadas pelo Estado, as chamadas zonas marrons nas quais os territórios ficam à mercê da criminalidade e da violência.

 

REFERÊNCIAS

DEMOCRACY INDEX 2024. “What’s wrong with representative democracy?” Economist Intelligence Unit.

LAMPE, K. V. (2016), Organized Crime: analyzing ilegal activities, criminal structures, and extra-legal governance. Sage Publications, Inc.

MINGARDI, G. O Trabalho da Inteligência no Controle do Crime Organizado. Estudos Avançados, 27(61), 2017

NÓBREGA JR., J.M.P. da. “A Semidemocracia Brasileira: autoritarismo ou democracia?”. Sociologias, Porto Alegre, ano 12, no 23, jan./abr. 2010, p. 74-141

NÓBREGA JR., J.M. “O devido processo legal e direitos dos acusados, a imparcialidade de justiça criminal, taxas de homicídios e índice de democracia como fatores de estado democrático de direito e o seu desgaste no Brasil entre 2012 e 2023”. Direito, Processo e Cidadania. Recife, v. 4, n.1, p. 22-34, jan/abr., 2025. (2025A).

NÓBREGA JR., J.M.P da. “O impacto da criminalidade organizada nas eleições brasileiras”. Paper aceito para apresentação no 49º Encontro Anual da ANPOCS. GT 51. Dinheiro, interesses e democracia: estratégias de ação e influência no sistema político. Campinas - SP. 19 e 24 de outubro de 2025.



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