Criminalidade organizada na América Latina e no Brasil
No Brasil, os escândalos de adulteração das bebidas alcoólicas e dos combustíveis revelaram que a criminalidade organizada nacional se sofisticou bastante nas duas últimas décadas, e agora conta com atores infiltrados em diversas instâncias do Estado, o que dificulta bastante o controle desse tipo de mercado.
O crime organizado explodiu no Brasil nos últimos vinte anos e o Estado não foi capaz de acompanhá-lo. A violência que acompanha esse crescimento expressivo ceifa a vida de milhares de pessoas no país, numa constante guerra entre facções que hoje passa de oitenta dentro do sistema carcerário nacional e que dominam as periferias das cidades brasileiras.
Fonte: Secretaria Nacional de Política Penal (SENAPPE).
Foi justamente no sistema penitenciário que surgiram as principais organizações criminosas do país: o Comando Vermelho e o Primeiro Comando da Capital (CV; PCC). Ambas se expandiram sobre todo o território nacional, marcando presença em todos os presídios do país. O processo migratório da criminalidade violenta em meados da década de 2000, levou a criminalidade dessas facções para o Norte e o Nordeste, com destaque a explosão dos homicídios no Nordeste, sobretudo a partir do ano de 2006, quando o crack entra com força nos estados e nas cidades interioranas. As taxas de homicídios do Nordeste triplicaram e hoje a região é a mais violenta do país, com destaque a Bahia que obteve a taxa de 40,6 homicídios por cem mil habitantes de um total absoluto registrado de 6.036 dos 44.127 assassinatos em 2024, ou seja, 13,7% das mortes violentas intencionais do país.
Gráfico 1: Taxas de Homicídios - Brasil - Regiões - 2024
Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2025).
O crime organizado hoje está infiltrado em muitas instâncias institucionais do Estado e da sociedade. A simbiose com o Estado é um dos fatores para o sucesso da criminalidade organizada. A correlação entre corrupção e crime organizado também é significativa. Correlacionando os dados do índice de corrupção da Organização Transparência Internacional com os dados de criminalidade organizada do Global Organized Crime Index, tivemos um coeficiente de -0,69 no cruzamento das matrizes de dados de 90 países do Globo. Ou seja, onde há corrupção, há crime organizado forte. O Brasil obteve um índice baixo no escore de corrupção, ficando na posição 107 de 180 países, com o índice médio de crime organizado de 6,77, entre os países de maior criminalidade do mundo.
O índice de criminalidade do Global Organized Crime é multivariado e mede a criminalidade em dois eixos: atores criminais, mercados criminais. Ao todo são cinco variáveis de atores criminais (grupos mafiosos, redes de trabalho de criminosos, atores infiltrados no Estado, atores estrangeiros e atores do setor privado); e quinze variáveis de mercados ilegais (tráfico de seres humanos, contrabando de seres humanos, extorsão e proteção de seres humanos, tráfico de armas, comércio de produtos falsificados, comércio ilícito de bens sujeitos a impostos, crime contra a fauna, crime contra a flora, crimes contra recursos não-renováveis, tráfico de cocaína, tráfico de heroína, tráfico de cannabis, comércio de drogas sintéticas, crimes cibernéticos e crimes financeiros). O Brasil obteve as maiores notas em: tráfico de armas, crime contra a fauna e a flora, crimes contra recursos não-renováveis, tráfico de drogas (cocaína e maconha). Com notas semelhantes ao do narcoestado da Venezuela.
Os países com maiores criminalidades organizadas da América Latina são: Brasil, Colômbia e México. Os dados de criminalidade e incapacidade estatal desses países estão altamente correlacionados como podemos ver no gráfico abaixo.
Gráfico 2: Indicadores de Criminalidade organizada, resiliência e taxas de homicídios - Brasil, Colômbia e México
Os três países obtêm taxas de homicídios altas, superiores a média mundial (6/100 mil) e a média da própria região (17/100 mil), com dados de criminalidade recorde na Colômbia e no México e indicadores de incapacidade estatal sempre abaixo da média da criminalidade. Não tem como combater o crime organizado na região com tais indicadores. Como o crime organizado é transnacional, a parceria entre os países seria fundamental, mas esbarra na simbiose corrupta do Estado com a criminalidade.
No Brasil, os escândalos de adulteração das bebidas alcoólicas e dos combustíveis revelaram que a criminalidade organizada nacional se sofisticou bastante nas duas últimas décadas, e agora conta com atores infiltrados em diversas instâncias do Estado, o que dificulta bastante o controle desse tipo de mercado. O resultado, podemos ver na figura abaixo, retirada do recente trabalho de investigação do Fórum Brasileiro de Segurança Pública:
Figura 1: Gráfico retirado do documento Follow the Products. Rastreamento de Produtos e Enfrentamento ao Crime Organizado no Brasil.
A pesquisa demonstra a estimativa de rendimento anual do crime organizado no Brasil explorando quatro produtos do mercado ilícito/criminoso dos grupos criminosos: Tabaco/cigarros, ouro, bebidas e combustíveis. O montante é escandaloso, R$ 146,8 bilhões, com destaque as bebidas adulteradas (R$ 56,9 bi) e os combustíveis e lubrificantes (R$ 61,4 bi). O mesmo estudo apontou que a receita da criminalidade com cocaína foi de R$ 15 bilhões, ou seja, bem menos que a receita das bebidas e combustíveis.
Os roubos de celulares é uma doença social que está atormentando a vida dos brasileiros. Esses roubos não são aleatórios, há uma orquestração do crime organizado nesse sentido, já que o rendimento anual com roubos de celulares e golpes virtuais foi estimado em mais de R$ 186 bilhões anuais. A soma dos roubos de celulares, golpes virtuais, combustíveis, bebidas, cigarros, ouro e tráfico de cocaína foi de R$ 348,1 bilhões anuais.
A causa principal dessa realidade é a baixa capacidade de controle por parte do Estado. O nível baixo de resiliência estatal, os níveis baixos de institucionalidade das instituições coercitivas (polícias, ministério público, justiça criminal e sistema carcerário) é a principal causa da decadência social provocada pelo crime. Isso contribui para a corrupção e a presença cada vez maior de atores do Estado trabalhando para as organizações criminosas.
A solução é difícil, mas deve começar com a governança do Estado sobre à criminalidade. A melhoria do funcionamento institucional com tomadas de decisão baseadas em dados, em ciência válida e inteligência. Com exoneração dos atores do Estado que trabalham para o crime, do afastamento de juízes e desembargadores que tomam decisões em favor da criminalidade, com o combate nos territórios dominados pelas facções criminosas - estudos apontam que quase 1/3 da população do Brasil vive em territórios dominados por facções criminosas - para que as eleições se vejam livres da influência da criminalidade e que possamos recuperar o pouco de democracia que ainda tínhamos no pós-transição.
Para tal, a integração entre as unidades da federação (estados e municípios) com o governo federal, se mostra fundamental para a coordenação das tarefas. Somado a isso, a cooperação internacional com os países vizinhos e a contribuição da expertise dos Estados Unidos seriam importantes.
A segurança pública é uma engenharia institucional e para ser bem-sucedida depende da articulação dos órgãos de Estado das ditas instituições coercitivas. Enquanto o Judiciário permanecer mais interessado nos seus próprios rendimentos em detrimento da sociedade e da capacidade estatal para o confronto sério ao crime organizado, avançaremos pouco. Urge a limpeza das instituições para que a sua capacidade de resiliência ultrapasse a capacidade do crime organizado de ferir e violentar à sociedade.






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