Quanto menos justiça criminal, mais crime organizado

O Brasil é o 12º país com maior nível de crime organizado da amostragem



 Por José Maria Nóbrega

O crime organizado é a maior ameaça à América Latina. O poderio econômico das organizações criminosas é cada vez maior na região, interferindo decisivamente na vida das pessoas e no sistema político. A Global Financial Integrity estimou que as organizações criminosas que operam nos três países mais populosos da região (Brasil, México e Colômbia) movimentaram entre US$ 68 e US$ 170 bilhões em 2021, excedendo o lucro da maior empresa da América Latina, a gigante petrolífera do Brasil, a Petrobrás (CORRALES; FREEMAN, 2024). A maioria dos países da região apresenta altos níveis de crime organizado com fragilidade de seu sistema de justiça criminal.

Os dados do Global Organized Crime Index (2023), uma iniciativa do Global Initiative Against Transnacional Organized Crime  - uma ferramenta multidimensional que avalia o nível de criminalidade e resiliência ao crime organizado em 193 países ao longo de três pilares principais (mercados criminosos, atores criminosos e resiliência) -, servem como importante ferramenta de análise do crime e do papel de monopólio da força e da violência legal do estado. Os indicadores criminais são avaliados em: atores criminais e mercados ilegais.

Ao todo são cinco variáveis de atores criminais (grupos mafiosos, redes de trabalho de criminosos, atores infiltrados no Estado, atores estrangeiros e atores do setor privado); e quinze variáveis de mercados ilegais (tráfico de seres humanos, contrabando de seres humanos, extorsão e proteção de seres humanos, tráfico de armas, comércio de produtos falsificados, comércio ilícito de bens sujeitos a impostos, crime contra a fauna, crime contra a flora, crimes contra recursos não-renováveis, tráfico de cocaína, tráfico de heroína, tráfico de cannabis, comércio de drogas sintéticas, crimes cibernéticos e crimes financeiros).

O crime organizado é medido em um escore médio e em notas para cada indicador/variável. É mensurado entre 1 e 10 e quanto maior a nota, maior é o nível de criminalidade. Entre 1 e 3 é considerado como não existente ou nível pequeno de criminalidade. Entre 4 e 5 o nível de influência do crime é moderado. Entre 6 e 7 é considerado de significante influência. E entre 8 e 10 é de severa influência.

A Justiça Criminal é um dos indicadores de Estado de Direito do Rule of Law Index que é um índice de Estado de Direito do projeto World Justice Project (2024). A justiça criminal é composta por instituições responsáveis pela garantia da lei e da ordem que inclui: a. um sistema de investigação criminal efetivo e eficaz; b. um sistema efetivo de acusação e prisão de criminosos; c. um sistema de correção eficiente e bem administrado; d. uma justiça criminal independente e imparcial; e. um sistema de justiça criminal livre da corrupção; f. um sistema de justiça criminal livre da influência dos governos; g. com um processo de garantia aos direitos dos entes acusados.

O escore médio e as notas individuais são mensuradas entre 0 e 1 e quanto maior é o indicador, maior é o nível de eficácia do sistema de justiça criminal.

Analisamos os níveis de criminalidade organizada e de justiça criminal de noventa países do Globo para testar a hipótese na qual quanto mais a justiça criminal é falha, maior é o nível de crime organizado. A amostragem se deu em cima da importância geográfica desses países, de seu impacto regional e da disponibilidade de dados. Ranqueamos os países entre aqueles com os maiores índices de criminalidade aos de menores indicadores nesse critério e os de maiores níveis de justiça criminal aos de menores níveis. Fizemos também uma correlação estatística bivariada e um gráfico de dispersão como ilustração da associação entre as duas matrizes de dados dos indicadores. Neste espaço, vamos trazer o resumo dos resultados.

Os dez países com maior nível de criminalidade organizada foram: em primeiro lugar, a Colômbia com 7,75 no seu índice de crime organizado; em segundo lugar veio o México, com 7,57 de índice; o terceiro lugar, Paraguai, com 7,52; no quarto lugar veio a Nigéria, com 7,28 de índice; o quinto lugar, África do Sul, com 7,18; o Equador apareceu em sexto lugar, com 7,07; no sétimo lugar veio Honduras, com 7,05 de índice; no oitavo lugar empatados, o Irã e a Turquia, ambos com 7,03 de índice; no nono lugar, o Panamá, com 6,98; com a Rússia em décimo lugar, com 6,87. O Brasil aparece em 12º de noventa países, com 6,77, indicando que o crime organizado exerce forte influência no sistema político, econômico e social do país.

Os dez países com o menor índice de criminalidade organizada do ranking aqui elaborado foram: em primeiro lugar, Luxemburgo que apresentou o índice de 2,85; em segundo lugar, a Finlândia, com índice de 2,98; em terceiro, o Uruguai, com 3,22; em quarto, Singapura, com 3,47; em quinto, Ruanda e Georgia empatados, ambos com 3,60 de índice; a Noruega aparece em sexto, com com 3,75 de índice; o Canadá aparece em sétimo, com 3,88 de índice; a Lituânia aparece em oitavo, com 3,90 de índice; em nono veio a Dinamarca, com índice de 4,02; e em décimo, a Nova Zelândia, com 4,08 de índice. 

No que diz respeito ao nível de justiça criminal, há uma clara inversão dos países. Os dez primeiros lugares em nível de justiça criminal são: em primeiro lugar empatados, a Dinamarca e a Finlândia, ambas com índice de 0,84; em segundo lugar, a Noruega, com 0,83 de índice; a Áustria vem em terceiro lugar com 0,79 de índice; a Alemanha, apareceu com o índice de 0,78 empatada em quarto lugar com outros dois países, Suécia e Singapura. O Japão aparece em quinto lugar, com 0,77 de índice; a Estonia está em sexto, com índice de 0,75 empatada com a Holanda que apresentou o mesmo índice. Nova Zelândia, Irlanda e Canadá empataram na sétima posição com o indicador de 0,74; em oitavo lugar vem Luxemburgo, com índice de 0,73; em nono, República Tcheca, com 0,71 de índice e, empatados em décimo, vem Reino Unido e a Bélgica, ambos com 0,70 de índice.

Os dez países com os piores índices de justiça criminal foram: Venezuela em primeiro com 0,11, praticamente com a justiça criminal falida; em segundo lugar, a Bolívia, com 0,20 de índice; em terceiro lugar, El Salvador, com 0,22 de índice; em quarto, Camarões, com 0,23 de índice; em quinto, Nicarágua com índice de 0,24; em sexto, empatados, Haiti e México, ambos com 0,25 de índice; em sétimo, Camboja, com índice de 0,26; em oitavo lugar, empatados Honduras e Paraguai, ambos com 0,27 de índice; em nono, vem a Rússia, com índice de 0,29 e a Guatemala, com índice de 0,30, em décimo lugar. O Brasil, juntamente com o Peru, estão em 13º ambos com 0,33 de índice.

Na análise dos dados de dispersão, houve um nível importante de associação entre os indicadores em relação a linha de tendência. Quer dizer que há correlação estatística entre o nível de criminalidade organizada e o nível de eficiência da justiça criminal. A tendência é que quanto maior for o nível da justiça criminal de um país, independentemente de sua localização geográfica ou da sua geopolítica, menor será o nível da criminalidade.

O coeficiente de correlação de -0,668 indica significância estatística na associação dos dados. O sinal negativo é justamente a relação inversa entre as matrizes de dados: quanto maior o nível da justiça criminal, menor será a tendência da criminalidade organizada se desenvolver. O inverso também é verdadeiro: quanto menor for a capacidade da justiça criminal (poder coercitivo estatal), maior será a tendência do crime organizado crescer e se desenvolver, respondendo positivamente a nossa hipótese.

 

Referências


CORRALES, J.; FREEDMAN, W. “Como o crime organizado ameaça a América Latina”. Journal of Democracy, Volume 35, Número 4, Outubro de 2024, pp. 149-161

GLOBAL Initiative Against Transnational Organized Crime, Global Organized Crime Index 2023. 2023.

NÓBREGA, José Maria. DEMOCRACIA E JUSTIÇA CRIMINAL: O SEU ALTO NÍVEL DE ASSOCIAÇÃO. Direito, Processo e Cidadania. Recife, v. 1, n. 2, p. 145-166, maio/ago., 2022.

WORLD Justice Project, Rule of Law Index 2024. 2024.

  

Comentários

  1. Realmente, a ineficácia do sistema de justiça abre espaço para esses grupos se expandirem. Fiquei curiosa sobre como o fortalecimento de instituições como a polícia e o judiciário pode impactar diretamente a redução do poder dessas organizações. O que você acredita ser o maior desafio para implementar essas mudanças de forma efetiva?
    E parabéns por abordar essas questões com tanta clareza.
    Continue com esse ótimo trabalho, professor, suas reflexões são sempre muito valiosas.

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