O IMPACTO DAS FACÇÕES CRIMINOSAS PRISIONAIS NA DEMOCRACIA BRASILEIRA
No Brasil, as organizações criminosas se expandiram rapidamente desde a redemocratização. As facções criminosas, tipo de organização criminosa que analisamos aqui, nasceram da inefetividade do sistema carcerário brasileiro. O Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), são as principais organizações criminosas do país, mas hoje, no sistema carcerário brasileiro, temos 88 facções criminosas registradas no Sistema Penitenciário Nacional.
Em um contexto de fragilidade institucional do sistema de justiça criminal brasileiro, essas organizações passaram a efetuar várias estratégias para potencializar o seu poderio. Não há interesse delas em romper com a “ordem” e efetivar um estado pós-revolução armada. Na verdade, o intuito é manter o status institucional fragmentado para a manutenção de seus interesses que são, sobretudo, econômicos.
Como verdadeiros lobbies, as facções criminosas buscam os atores estatais para facilitar as suas atividades, infiltrando pessoas que busquem maximizar os seus interesses através do exercício legislativo e, a nível subnacional, no executivo, exercendo influência no processo eleitoral, aliciando eleitores e comprando votos.
Nas últimas eleições, contudo, percebemos que as organizações criminosas vêm influenciando o processo eleitoral brasileiro e isso pode estar levando atores não-democráticos a serem eleitos. Possivelmente, o dinheiro sujo do crime pode estar alimentando toda uma rede criminosa de aliciamento e financiamento ilegal de campanha.
O crime organizado é um problema grave em vários países pelo mundo. Na América Latina isso se torna crônico, pois a presença de organizações criminosas no mercado ilícito de drogas, seres humanos e nas mais diversas sistemáticas criminosas é algo que impacta negativamente na sociedade, com altos níveis de violência e corrupção de agentes estatais.
Corrales e Freeman (2024) afirmaram corretamente que a maior ameaça às democracias na América Latina é o Crime Organizado. O Crime Organizado na região vem sendo responsável pela manutenção de instituições de baixa performance ao corromper agentes públicos com esse interesse.
O poderio econômico das organizações criminosas na América Latina é cada vez maior. A Global Financial Integrity estimou que as organizações criminosas que operam nos três países mais populosos da região (Brasil, México e Colômbia) movimentaram entre US$ 68 e US$ 170 bilhões de dólares em 2021, excedendo o lucro da maior empresa da América Latina, a gigante petrolífera do Brasil, a Petrobrás (CORRALES; FREEMAN, 2024: 151).
Segundo estes autores, se as instituições de lei e ordem são subfinanciadas e corruptíveis, as autoridades se sentem mais à vontade em aceitar suborno devido a fragilidade de tais instituições. O custo de transação é baixo. Daí, os cartéis de drogas, as máfias e as facções cooptam partes do estado.
Para Mingardi (2007), um dos critérios da definição de organização criminosa é a simbiose com o Estado em que boa parte dos negócios das organizações criminosas dependem do aval de agentes públicos para serem bem-sucedidas (MINGARDI, 2007).
As organizações (facções) criminosas (prisionais) se expandiram e se fortaleceram. Buscam formas de potencializar os seus negócios utilizando o sistema eleitoral brasileiro para aumentar o seu poder de influência nas decisões políticas que afetam o seus interesses.
Antunes e Rebouças (2025), afirmaram que, em 2017, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) elaborou relatório sobre as eleições municipais de 2016, descobrindo que, no Rio de Janeiro, houve influência de organizações criminosas em 19 zonas eleitorais de sete cidades cariocas, incluindo a capital. Isto levou o TSE a acionar a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) e a Polícia Federal para que ambas obstruíssem a infiltração do crime organizado na política devido a aproximação das eleições de 2018.
Com a proibição do financiamento privado de campanha, o crime organizado passou a financiar políticos e infiltrá-los no sistema de representação para defender a sua agenda criminosa. Como há amplo domínio territorial em muitas cidades brasileiras, não apenas concentrado nos grandes centros do Rio de Janeiro e São Paulo, o crime organizado busca apoiar candidatos aliados aos seus interesses.
Em matéria publicada na Gazeta do Povo em 30 de outubro de 2024 o “banco do PCC movimentou R$ 8 bilhões para financiar políticos e crime organizado”. Com base em investigações da Polícia Civil de São Paulo, foi descoberto um esquema de financiamento de campanha no qual o PCC utilizou uma fintech, a 4TBank, para promover financiamentos de políticos e campanhas eleitorais, além de esquentar dinheiro vindo de suas ações ilícitas. A Polícia Civil de São Paulo também descobriu que o operador do 4TBank era parente de faccionado ligado ao PCC e que tinha experiência no meio político e no mercado financeiro. Integrando a chamada Sintonia Geral dos Caixas, que opera movimentações financeiras e de câmbio para o PCC (MANFRIN, 2024).
Esse tipo de ação não é exclusividade das eleições no Sudeste. Há exemplos de espaços dominados pelo crime organizado no Nordeste, como na capital paraibana, João Pessoa, onde há fortes indícios de envolvimento da organização criminosa Nova Okaida no processo eleitoral municipal nas eleições de 2024:
“Um bom exemplo da escalada nacional do problema veio de João Pessoa. A susposta influência de organizações criminosas no processo eleitoral conseguiu unir candidatos ideologicamente antagônicos, como Luciano Cartaxo (PT) e o ex-ministro da saúde Marcelo Queiroga (PL), além de Ruy Carneiro (Podemos), em um apelo conjunto ao Tribunal Regional Eleitoral pela requisição de tropas federais para garantir a lisura da eleição. O pedido traz relatos da atuação de bandidos, como um envolvendo uma menina cadeirante de 9 anos de idade, cuja família teria sido ameaçada por gangues de despejo caso ela gravasse uma peça eleitoral. Há também o caso de um dono de circo que cancelou um evento eleitoral que realizaria em seu espaço por ordens de criminosos. Os adversário acusam o prefeito Cícero Lucena (PP), favorito nas pesquisas, de ter contratado facções para impedir atos de campanha de rivais e intimidar eleitores em territórios controlados pelo crime” (CANIATO, 2024).
A questão principal para esse tipo de análise é a escassez de dados à disposição. Na Polícia Federal, tivemos acesso a dados de aliciamento violento de eleitores (artigo 301 do Código Eleitoral) e houve aumento de 13,3% entre as eleições de 2022 e 2024, com 150 casos em 2022, 170 em 2024. A violência política (artigo 359-P do Código Penal) teve aumento de 1.900% de uma eleição para outra, com um caso em 2022 e 20 casos em 2024.
O aliciamento de eleitores é definido pela lei como o uso “de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar, ou não votar, em determinado candidato ou partido, ainda que os fins visados não sejam conseguidos”.
Violência política é definida como o ato de “restringir, impedir ou dificultar, com emprego de violência física, sexual ou psicológica, o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de seu sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.
Apesar do expressivo crescimento percentual na variação dos dados, os mesmos são escassos e pode ser subnotificado dado o alto nível de impunidade que pode estar por trás desses atos.
Analisando o site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fomos pesquisar os processos que envolviam o assunto principal “Associação Criminosa”. No contexto do TSE, Associação Criminosa, quadrilha ou bando, é crime definido no artigo 288 do Código Penal. Este crime consiste na associação de três ou mais pessoas com o objetivo de cometer crimes indeterminados. O crime para ser configurado como de associação criminosa deve haver estabilidade e permanência no grupo com prévio ajuste entre os membros no intuito de praticar crime.
No site pesquisado, não tem como saber se o processo de “Associação Criminosa” tem alguma ligação com facções criminosas, apontando para lacunas de dados nesse sentido.
Nas eleições de 2020, foram 25 processos por associação criminosa transitado em julgado conforme dados retirados no site do TSE em sua seção de Estatísticas/Processos Eleitorais. Desses 25 processos, 13 foram na região norte e 12 na região nordeste. As unidades federativas foram Rondônia e Ceará. As de Rondônia concentradas na zona eleitoral 4, município de Vilhena; e as do Ceará, cinco na zona 93 e sete na zona 3, ambas no município de Fortaleza.
Nas eleições de 2022, houve queda no número de processos por Associação Criminosa transitado em julgado no TSE. Os quatro processos foram na região nordeste, unidade federativa de Alagoas, zona 8, no município de Satuba.
Nas eleições de 2024, foram nove processos transitado em julgado, sendo sete no Nordeste e dois no Norte. Volta-se a citar a zona 3 em Fortaleza (CE), com o município de Nhamundá, no Amazonas, com os outros dois processos.
Dos 38 processos por associação criminosa computados no TSE nas três eleições, 19 foram em Fortaleza. Correspondendo a metade (50%) dos processos. O Ceará vem aparecendo constantemente em matérias jornalísticas em ações de violência por parte de facções criminosas.
É importante destacar que as regiões Norte e Nordeste são as mais violentas do país, a primeira com a taxa de 34 homicídios por cem mil habitantes e a segunda com a taxa de 36,5 homicídios por cem mil. Taxa bem superior as regiões sul (16,4), sudeste (14) e centro-oeste (22,6) e a média nacional (22,8).
As regiões sul, sudeste e centro-oeste não apresentaram nenhum processo por associação criminosa, apesar de sabermos pela imprensa dos casos de financiamento de campanha e aliciamento violento de eleitores por parte das organizações criminosas nessas regiões, sobretudo no Rio e em São Paulo. Seria, dessa forma, um sinal de inefetividade da lei e da ordem das instituições de controle da criminalidade no Brasil.
Destaca-se também, o ausente número de processos de associação criminosa na Bahia, estado da federação que apresenta o maior número de facções criminosas em seu sistema carcerário. De 88 facções registradas, 21 são na Bahia.
Concluindo, é fundamental uma melhor radiografia dos dados de casos de aliciamento, financiamento e violência política praticada pelas facções criminosas. Pelo que vimos nesta breve pesquisa, os dados são escassos e parcos para inferências causais. Que há impacto, não resta dúvidas, mas se esse impacto é de tal monta que coloca as eleições no Brasil em xeque, já não tem como provar.
José Maria Nóbrega - coordenador do Núcleo de Estudos da Violência, da Criminalidade e da Qualidade Democrática (NEVCrim/UFCG).
REFERÊNCIAS
ANTUNES, Cynthia Quaglio Gregorio; REBOUÇAS, Maria Carolina Giusti. ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS E O SISTEMA ELEITORAL: UM DIAGNÓSTICO DA CORRUPÇÃO NO PRESIDENCIALISMO BRASILEIRO. Revista Foco, V. 18, N. 1, pp-1-35.
CANIATO, Bruno. “Atuação de facções na eleição ganha escala nacional e alarma autoridades”. Veja. Acesso em 28.05.2025: https://veja.abril.com.br/brasil/atuacao-de-faccoes-na-eleicao-ganha-escala-nacional-e-alarma-autoridades/
CORRALES, J.; FREEDMAN, W. “Como o crime organizado ameaça a América Latina”. Journal of Democracy, Volume 35, Número 4, Outubro de 2024, pp. 149-161
MANFRIN, Juliet. “Banco do PCC movimetou R$ 8 bilhões para financiar políticos e crime organizado”. Gazeta do Povo. Acesso em 28.05.2025: https://www.gazetadopovo.com.br/republica/banco-do-pcc-movimentou-r-8-bilhoes-para-financiar-politicos-e-crime-organizado/
MINGARDI, G. O Trabalho da Inteligência no Controle do Crime Organizado. Estudos Avançados, 27(61), 2017
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