O que é Golpe de Estado e o oito de janeiro
O que é Golpe de Estado?
José Maria Nóbrega - doutor em Ciência Politica UFPE | professor associado UFCG
Muito tem se falado em tentativa de Golpe de Estado no Brasil com base no que aconteceu no fatídico dia oito de janeiro de 2023. Os “golpistas” seriam acusados pela Lei 14.197/2021 que regulamenta os crimes contra o Estado Democrático de Direito no Brasil. Esta lei tipifica crimes como atentado à soberania, atentado à integridade nacional, espionagem, abolição violenta ao Estado Democrático de Direito, Golpe de Estado, interrupção do processo eleitoral, violência política e sabotagem.
Pelo visto, são muitas as tipificações, mas não há na lei a definição clara de cada conceito desses, deixando uma grande margem de interpretação ao magistrado que irá julgar tais acusações.
Com o foco no “golpismo” pretenso pelos manifestantes do oito de janeiro de vinte e três, vamos analisar conceitualmente, historicamente e empiricamente o que é Golpe de Estado, tendo como base documental o Dicionário de Política, N. Bobbio. (páginas 545-547).
Para Bobbio, historicamente o Golpe de Estado seria a “tomada violenta do poder político, sendo um ato realizado por órgãos do próprio Estado”. Ato levado a cabo pelo soberano para reforçar o próprio poder”.
Com o advento do constitucionalismo na Idade Moderna, durante a vigência deste, “faz-se deferência às mudanças no governo feitas na base da violação da constituição, normalmente de forma violenta, por parte dos próprios detentores do poder político”.
Ora, os detentores do poder político no dia oito de janeiro não eram aqueles que os manifestantes estavam apoiando. Então, não seria um Golpe de Estado, mas uma tentativa de revolução.
Bobbio cita o DICIONÁRIO LAROUSSE e neste o Golpe de Estado seria uma violação deliberada das formas constitucionais por um governo, uma assembleia ou um grupo de pessoas que detém autoridade. Ou seja, aquelas pessoas que invadiram os prédios dos Três Poderes da República não detinham nenhuma característica dessas apontadas pelo citado dicionário.
SÉCULOS XX e XXI
Nos séculos XX e XXI, na maioria dos casos, “quem toma o poder político através do Golpe de Estado são os titulares de um dos setores-chaves da burocracia: os chefes militares. O golpe militar ou pronunciamento, segundo palavra cunhada na tradição espanhola, tornou-se, assim, a forma mais frequente do Golpe de Estado”.
No caso do oito de janeiro, os militares não participaram como instituição e só alguns membros das Forças Armadas vêm sendo apontados como partícipes da, segundo interpretação do STF, tentativa de Golpe de Estado.
Bobbio é enfático: “o elemento decisivo para caracterizar o fenômeno acha-se na resposta à pergunta: quem o faz?” E a resposta é a seguinte:
1. O soberano;
2. Os titulares do poder político;
3. Um setor de funcionários públicos, ou seja, os militares.
“O Golpe de Estado é executado não apenas através de funcionários do Estado,..., mas mobiliza até elementos que fazem parte do aparelho estatal. Esta característica diferencia o Golpe de Estado, ..., da sublevação entendida como insurreição não organizada, que tem escassas ou nenhuma probabilidade de triunfar na tentativa de derrubar a autoridade política do Estado moderno”. (grifos meu).
Sendo assim, o oito de janeiro perde a característica de Golpe de Estado. O que ocorreu naquele dia foi uma insurreição desorganizada que, claramente, só gerou prejuízos materiais e crimes comuns (e alguns deles previstos na Lei 14.197/21, como o de violência política e sabotagem), mas não de tentativa de Golpe de Estado.
“Cruzio Malaparte já colocara em destaque em 1931, em seu livro Tecnica del copo di Stato, que atacar as sedes do Parlamento ou dos ministérios nos dias de hoje é uma ingenuidade”. Ou seja, o que tivemos no dia oito de janeiro de 23 foi um ato desorganizado de uma turba descontrolada de apaixonados sem liderança, a maioria ingênua e sem cabedal político.
Bobbio afirma com base na literatura: “hoje não existe Golpe de Estado sem a participação ativa de pelo menos um grupo militar ou da neutralidade-cumplicidade de todas as forças armadas”.
E finaliza, “o Golpe de Estado poderá ser melhor definido e melhor conhecido se nos apoiarmos em indicadores empíricos do fenômeno, segundo a sua manifestação histórica concreta”.
“Nesta base, podemos identificar indicadores como estes:
1) Na tradição histórica, o Golpe de Estado é um ato efetuado por órgãos do Estado. Em suas manifestações atuais, o Golpe de Estado, na maioria dos casos, é levado a cabo por um grupo militar ou pelas forças armadas como um todo. Num caso contrário, a atitude das forças armadas é de neutralidade-cumplicidade.
2) As consequências mais habituais do Golpe de Estado consistem na simples mudança da liderança política.
3) O Golpe de Estado pode ser acompanhado e/ou seguido de mobilização política e/ou social, embora isso não seja um elemento normal ou necessário do próprio golpe.
4) Habitualmente, o Golpe de Estado é seguido do reforço da máquina burocrática e policial do Estado.
5) Uma das consequências mais típicas do fenômeno acontece nas formas de agregação da instância política, já que é característica normal a eliminação ou a dissolução dos partidos políticos”. (grifos meu).
Em síntese, com a análise feita em cima dos fatos concretos do dia oito de janeiro de 2023 no Brasil, definitivamente não foi uma tentativa de Golpe de Estado, mas uma insurreição desorganizada sem liderança clara e sem participação da máquina governamental, sem participação das forças armadas e sem infiltração de atores golpistas nas instituições.
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