HAVERÁ JUSTIÇA IMPARCIAL NUM PROVÁVEL PROCESSO CRIMINAL CONTRA O EX-PRESIDENTE?
Desconfiança e baixa governança criminal no Brasil do STF
O Brasil tem o pior indicador de imparcialidade da justiça criminal do mundo
José Maria Nóbrega Jr. - doutor em ciência política pela UFPE, professor associado da UFCG
Em tempos de acusação criminal, como anda o Brasil quando o assunto é a situação de seu sistema de justiça criminal? Antes de responder esta pergunta, vou contextualizar um pouco. A Procuradoria Geral da República (PGR) , com base em investigações da Polícia Federal, abriu denúncia contra o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro e algumas dezenas de pessoas, civis e militares. Essa denúncia, dentre vários crimes, acusa o pessoal de atentado contra o estado democrático de direito e formação de organização criminosa para atos criminais. É uma denúncia crime com base em artigos do Código Penal brasileiro e da Lei 14.197/2021.
Muito provavelmente, o Supremo Tribunal Federal (STF) irá aceitar a denúncia e o ex-presidente, juntamente com essas dezenas de pessoas, será julgado pelo principal tribunal do país que, segundo o ex-ministro Marco Aurélio Melo, não teria competência para julgar pessoas comuns, conforme sua interpretação da Constituição Federal brasileira de 1988 (https://jc.ne10.uol.com.br/politica/2025/02/20/alexandre-moraes-tem-errado-a-mao-e-esta-julgando-cidadaos-comuns-diz-ex-presidente-do-stf.html).
Conforme interpretação de juristas, está vedada a presença de juízes no julgamento que tenham interesse direto num processo, como previsto no artigo 252 do Código de Processo Penal. Sendo assim, Alexandre de Moraes, que é uma vítima do processo acusatório na denúncia da PGR, não poderia julgar o seu suposto algoz.
Dessa forma, retomando a pergunta que dá início a este texto e a recontextualizando, tem como confiar num processo justo, imparcial e independente de julgamento do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro nessas condições? Vamos criar uma hipótese no sentido de responder a questão:
H = O sistema de justiça criminal brasileiro é eficiente, eficaz e imparcial.
Para testar esta hipótese advinda do questionamento supra, vamos para o teste de hipótese com base nos dados retirados do World Justice Project (https://worldjusticeproject.org/https://worldjusticeproject.org/) em seu último banco de dados, no fator 8 do seu Rule of Law Index: Justiça Criminal; que compreende sete fatores de análise, sendo eles:
8.1 O sistema de investigação criminal é eficaz
8.2 O sistema de julgamento criminal é oportuno e eficaz
8.3 O sistema correcional é eficaz na redução do comportamento criminoso
8.4 O sistema criminal é imparcial
8.5 O sistema criminal está livre de corrupção
8.6 O sistema criminal está livre de influência governamental indevida
8.7. Devido processo legal e direitos do acusado
A média do Brasil no fator 8 (Justiça Criminal) foi de 0,33 no indicador médio de Justiça Criminal, ficando na posição 113 entre 142 países, e de 20º colocado entre 32 países da América Latina e Caribe. O país que obteve a melhor média nos indicadores foi a Dinamarca com o escore de 0,84. Vale lembrar que o indicador é mensurado entre 0 e 1, quanto mais próximo de um mais forte é o sistema, ou seja, melhor desempenho do índice.
Figura 1. Imagem do Brasil no ranking internacional de Justiça Criminal
Fonte: https://worldjusticeproject.org/rule-of-law-index/global/2024/Criminal%20Justice/
Analisando os dados do fator 8 (Justiça Criminal) do Brasil em seus subfatores, temos dados típicos de países autoritários em muitos deles, como na tabela abaixo:
O pior indicador foi o de imparcialidade da justiça, com parcos 0,10 um valor igual ao da Venezuela e abaixo de países como o Líbano. Venezuela e Brasil são os piores do mundo neste quesito. Ou seja, é um sistema inquisitorial. O melhor indicador foi o de sistema livre da corrupção, o que parece contraditório em relação a imparcialidade.
A imparcialidade do sistema de justiça criminal decaiu bastante nos últimos anos. Esse indicador em específico, mede a capacidade do sistema em garantir celeridade no processo, com transparência, garantias aos direitos dos acusados e com a ampla defesa garantida num julgamento livre e imparcial.
Gráfico 1. Criminal system is impartial
O desgaste do sistema é claro, com o Brasil no último lugar entre 142 países, junto do regime tirano da Venezuela. A queda do indicador em doze anos foi de -53,2%. Só este fato já nos diz que um processo político como o de Bolsonaro, em sendo aberto com a aceitação da denúncia da PGR no Supremo Tribunal Federal, nos abre espaço para desconfiança que esse processo seja julgado conforme os princípios republicanos que o estado democrático de direito exige.
A nossa hipótese levantada foi totalmente refutada. O sistema de justiça criminal brasileiro está longe de ser efeciente, eficaz e imparcial. Impera no país um não-estado de direito anti-democrático. Aqueles que estão sendo acusados de atentarem contra o estado democrático de direito estão sendo julgados por um sistema anti-republicano que escassamente produz resultados conforme o estado democrático de direito. Um incrível paradoxo.
No Brasil, prevalece um sistema político semidemocrático (regime político no qual há eleições regulares, mas o estado de direito e o republicanismo fator de accountability são fragilíssimos) no qual a democracia se deteriora e os mecanismos de contenção do poder judiciário praticamente estão ausentes. No STF prevalece a “caça às bruxas” num sistema inquisitorial no qual o indivíduo que está sendo acusado, na verdade é culpado de antemão. Um sistema assim não se coaduna com a democracia.
Comentários
Postar um comentário