A Venezuela e o risco de uma definição submínima da democracia

José Maria Nóbrega - professor de Ciência Política da Universidade Federal de Campina Grande, PB, Brasil.


 Maduro votando neste domingo (28) em Caracas. — Foto: Fausto Torrealba/Reuters

Hoje há uma grande expectativa sobre as eleições presidenciais na Venezuela. A maioria dos analistas políticos comenta tais eleições como se existisse algum ingrediente de democracia naquele país. Há um grave vazio conceitual do que se entende por democracia por boa parte desses analistas políticos. Parte desse vazio diz respeito à definição deficitária do que é uma democracia (consolidada; completa; mínima). Iniciarei pela definição mínima da democracia: esta pressupõe eleições livres, limpas, pluripartidárias, periódicas, com direito à alternância e com amplo estado de direito. Numa democracia completa/mínima o controle da criminalidade e da violência também são fatores mínimos da definição. Para tal controle, o foco no funcionamento das instituições de controle é importante, pois quando atores políticos/sociais agem contra a Constituição em seus princípios liberais e republicanos, as eleições podem produzir governantes pouco responsivos as demandas sociais.

Pelo que está exposto, a maioria dos analistas políticos não compreende tal definição minimalista se apoiando, geralmente, em uma definição submínima da democracia, ou seja, ligada apenas ao aspecto eleitoral da democracia, ao seu método de escolha, esquecendo do restante da definição do regime e, por isso, não percebe o risco que é analisar o cenário político de um regime apenas pelas eleições.

Eleições sem os requisitos mínimos apontados pela definição mínima delineada acima não produzem governos responsivos, ou seja, com accountability horizontal. Produzem governos que irão tentar a todo custo se manter no poder perseguindo à oposição. A prática de violência é uma constante em regimes com essas características. Não apenas a violência política contra opositores, mas a violência urbana, pois o descontrole da criminalidade é característica constante de regimes semidemocráticos (são regimes políticos que promovem eleições minimamente competitivas, mas as lideranças políticas não têm compromisso com as liberdades civis e políticas e com o controle de grupos armados). Nesses regimes considerados híbridos, a corrupção e a criminalidade organizada estão em patamares muito acima do tolerável, colocando em risco o próprio andamento da democracia.

O risco de definir a Venezuela dentro de um arcabouço teórico-conceitual subminimalista faz acreditar que este país irá caminhar para a democracia com essas eleições. Sabemos de antemão que essas eleições são "para inglês ver", que a principal opositora do regime foi execrada do processo e que a articulação política autoritária de Maduro não irá permitir que o regime avance para uma democracia consolidada mesmo se perder a eleição.

A Venezuela já é classificada há anos como um regime autoritário pelas principais plataformas de mensuração e classificação de regimes políticos. Nos últimos anos a classificação apresentou recuo drástico com o país apresentando variação percentual negativa nos dados de menos 45,4% entre 2017 e 2021 com os dados do Democracy Index (2022).


No Democracy Index (2022), a democracia é definida como um regime no qual:

  Even if a consensus on precise definitions has proved elusive, most observers today would agree that, at a  minimum, the fundamental features of a democracy include government based on majority rule and the consent of the governed; the existence of free and fair elections; the protection of minority rights; and respect for basic human rights. Democracy presupposes equality before the law, due process and political pluralism” (THE ECONOMIST INTELLIGENCE UNIT, 2022: 65).

Mesmo sendo uma definição que não coloca explicitamente o controle da violência como fazendo parte de seu arcabouço teórico, quando se diz que deve haver respeito aos direitos humanos e que o regime deve garantir igualdade perante às leis está subentendido que o Estado de Direito deve servir às pessoas em seus princípios básicos e aí entra a importância do monopólio da força por parte do Estado.

Portanto, definir o regime venezuelano pela perspectiva submínima, ou seja, apenas pelo mecanismo eleitoral, é um grave erro e este erro é o que está por trás da maioria das análises do cenário da política na América Latina. Se espera um resultado eleitoral democrático em regimes deteriorados em sua essência, sem estado de direito usável, com descontrole da violência e do crime organizado.

A Venezuela é um país autoritário que está promovendo eleições e, dificilmente, essas eleições, seja qual for o seu resultado, levarão a Venezuela a uma democracia, ou mesmo a uma semidemocracia, enquanto as suas instituições coercitivas responsáveis pelo controle da criminalidade e da corrupção não forem resgatadas para o estado democrático de direito.


Comentários

  1. Boa, professor. Essa expressão "definição submínima de democracia" é de sua autoria?

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