Democracia, Corrupção e Violência no Brasil e na Venezuela

Por José Maria Nóbrega - Professor de Ciência Política da Universidade Federal de Campina Grande

 


Recentemente saiu o Corruption Perceptions Index de 2023 da Organização Não-Governamental Transparency International que analisou, mensurou e classificou o nível de corrupção em 180 países. O indicador mediu alguns aspectos importantes do funcionamento dos regimes políticos como: a transparência do funcionamento dos governos (accountability), o nível de acesso à Justiça e a impunidade de agentes estatais. Todos se espantaram com o nível do Brasil entre esses 180 países, 104/180, mas pior ainda foi o da tal “democracia relativa” da Venezuela que ficou na posição 179/180 ficando à frente apenas da Somália.

A qualidade da democracia de um país depende fundamentalmente do funcionamento de suas instituições. “As instituições são as regras do jogo em uma sociedade ou, em definição mais formal, as restrições concebidas pelo homem que moldam a interação humana (...) As restrições institucionais ditam aquilo que os indivíduos são proibidos de fazer e, por vezes, as condições sob as quais se permite que alguns indivíduos exerçam determinadas atividades. (...) São perfeitamente análogas às regras do jogo para a prática de um esporte coletivo. Ou seja, constituem em regras formais por escrito e também em códigos de conduta comumente tácitos que respaldam e suplementam as regras formais, como o preceito de não machucar intencionalmente um jogador da equipe adversária (...) um aspecto essencial do funcionamento das instituições se encontra no custo de averiguação das transgressões e na severidade das penalizações” (NORTH, Douglass C. Instituições, Mudança Institucional e Desempenho Econômico. Editora Três Estrelas. São Paulo. 2018. Prêmio Nobel de Economia. P-13 a 15).

O mau funcionamento institucional leva a corrupção, impunidade, violência e, consequentemente, baixos níveis de democratização. Democracia é um conceito polissêmico, mas podemos definí-la minimamente como um conjunto de procedimentos que dependem de instituições accountabilitadas, sendo eles: 1. Eleições livres e limpas para os poderes executivo e legislativo; 2. Sufrágio universal; 3. Direitos civis e políticos amplos garantidos por um estado de direito usável; 4. Controle civil sobre as Forças Armadas e demais instituições coercitivas; 5. Accountability; 6. Judiciário independente, imparcial e livre da corrupção; e 7. Controle da violência e do crime organizado.

Portanto, controlar a corrupção e a violência depende de instituições democratizadas e, por isso, a própria definição minimalista/procedimental da democracia não pode prescindir dessas instituições de controle e, por isso, a conexão causal entre esses conceitos é forte para uma democracia consolidada.

Dessa forma, analisar os indicadores de corrupção, de violência e de democracia no Brasil e na Venezuela é muito importante na nossa atual conjuntura de democracia estagnada ou deteriorada, já que os governantes atuais do Brasil acreditam ser a Venezuela uma democracia, por haver eleições, e relativiza o que lá acontece em suas instituições; e porque a Venezuela é um prelúdio para o que pode acontecer se os atores políticos responsivos e a sociedade não abrir os olhos para os desmandos e autoriarismos dentro das instituições brasileiras.

O Brasil ficou na 104ª posição entre 180 países avaliados no Corruption Perceptions Index, com índice de 36/100 e a Venezuela ficou na 179ª posição, com índice de 13/100. Nesse índice, quanto menor é o indicador, mais corrupto é o país. Para se ter um parâmetro, o Canadá, melhor posicionado entre os países das Américas, ficou com o índice de 76/100, na 12ª posição. Todos os países bem posicionados nesse índice são democracias consolidadas.

O Democracy Index da The Economist mede e classifica os regimes políticos comparando 167 países. Partindo de uma definição de democracia parecida com a nossa, os regimes políticos são avaliados em sua capacidade de: funcionamento e transparência dos governos, sistema eleitoral e pluralismo político, participação política, cultura política e liberdades civis. Mensuram e classificam os países num escore entre 0 (autoritarismo total) e 10 (democracia consolidada total). O Brasil, com nota 6,78 é classificado entre os países de democracias falhas e a Venezuela, com nota 2,23, entre os regimes autoritários, mas ambos apresentam deterioração da democracia nos últimos anos.  O Brasil caiu de 7,38 em seu índice de democracia em 2014, para 6,78 em 2022; e a Venezuela, com maior impacto, caiu de 5,07 em 2014, para inexpressivos 2,23 em 2022.

Segundo o Transparency International, “A Venezuela é um exemplo de grande corrupção, onde bilhões de dólares de dinheiro público foram sistematicamente desviados, beneficiando alguns  indivíduos poderosos e agravando pobreza e desigualdade. Os grandes esquemas de corrupção andam de mãos dadas com a captura de funcionários de alto nível legislativo, regulatório e de sistema de justiça para constituir poder e fugir da punição” (2024 Transparency International. P. 10, tradução livre do inglês do original). O que instala no Estado uma organização criminosa nas instituições, destruindo a democracia.

Países corruptos, também são muito violentos. A média das taxas de homicídios das democracias consolidadas é de menos de um homicídio por cem mil habitantes. Essa mesma média em países de democracias falhas na América Latina, onde há concentração de países de alta corrupção, é de mais de 15 homicídios por cem mil habitantes. O Canadá, melhor país entre os americanos no índice de corrupção, possui taxa de violência homicida de 2/100 mil. No Brasil, país situado entre os mais corruptos do mundo, a taxa de violência é de 22,3/100 mil; e a Venezuela, de sua “democracia relativa”, a taxa de violência é de impressionantes 41/100 mil. Um país em situação deplorável, país que já foi um oásis democrático antes da ascensão do esquerdismo radical.

O índice de democracia da Venezuela a coloca entre os países mais autoritários do mundo. A sua posição em 2022 (último ano da série histórica) foi 147/167. O seu índice de corrupção a colocou na posição 179/180; e o seu indicador de violência foi vinte vezes maior que o do Canadá e quarenta vezes maior que a média das democracias consolidadas do Democracy Index (2023).

O Brasil, apesar de melhor posição em relação a Venezuela, vem apresentando deterioração da democracia, com aumento da corrupção e, por incrível que pareça, queda da violência. No entanto, a queda dos homicídios não nos deixa satisfeitos com o andar institucional da democracia brasileira que, segundo a definição de democracia aqui colocada, não preenche cinco dos sete procedimentos da democracia (dos iténs 3 ao 7). Níveis altos de corrupção estão alinhados a níveis baixos de accountability nas instituições. Os nossos indicadores de estado de direito são péssimos e os níveis de controle de atores autoritários dentro do judiciário é outro problema que afasta o país de uma democracia sólida.

As recomendações da Transparency International são claras: para um país como o Brasil é importante fortalecer a independência do sistema de justiça, tornar a justiça mais transparente, apresentar integridade institucional e mecanismos de monitoramento e controle, promover a cooperação entre os atores do sistema de justiça, melhorar o acesso a justiça e responsabilizar atores poderosos em escândalos de corrupção.

Isto não foi feito na Venezuela e hoje a sua população sofre com a violência, a fome, a corrupção descontrolada e a tirania de um desvairado no poder. Temos que nos ligar!

 

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