O que determina o voto?

 

 

Muito se tem discutido sobre o que determina o voto do eleitor. Questões ligadas a determinadas agendas, como questões de gênero, sexualidade, políticas sociais, meio ambiente etc. entram no debate político, nos discursos dos candidatos e parecem questões que implicam no destino de uma eleição. No entanto, partindo da “lógica básica do voto” do economista norte-americano Anthony Downs (Uma Teoria Econômica da Democracia, 1957), cada cidadão vota no partido (ou no candidato) que ele acredita que lhe proporcionará mais benefícios. Ou seja, que lhe proporcionará mais renda, mais conforto, maior poder de consumo.

Nessa perspectiva, “os benefícios que os eleitores consideram, ao tomar suas decisões, são fluxos de utilidade obtidas a partir da atividade governamental”. Diante disso, o eleitor é visto como um indivíduo racional que sempre escolhe, ou faz escolhas, a alternativa política que lhe traz a maior utilidade, ou seja, que lhe trará maiores benefícios.

Ainda nessa linha, todos os cidadãos estão constantemente recebendo fluxos de benefícios, ou não, resultado de atividades governamentais. Há enormes diferenças qualitativas entre os benefícios recebidos e isso reflete na distribuição dos votos.

Para testar isso empiricamente, analisamos os dados de rendimento domiciliar per capita com a distribuição dos votos para Presidente da República do último pleito eleitoral. Vamos avaliar a tese de Downs e, ao mesmo tempo, desconstruir certas “teses” do senso comum.

Analisando os dados fornecidos pelo IBGE na Síntese de Indicadores Sociais de 2022, o rendimento médio mensal domiciliar per capita do Brasil foi de R$ 1.353,40, em 2021. Portanto, uma renda em torno de um salário mínimo. Demonstrando que a maioria do eleitorado brasileiro, portanto, o eleitor médio, vive com renda baixa.

Analisando o gráfico abaixo, temos a representatividade da distribuição percentual do rendimento médio mensal domiciliar per capita do Brasil em 2021.


 Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2021.

Nele vemos que 86,1% das residências sobrevive com até dois salários mínimos. Um rendimento que demonstra a dificuldade financeira da maioria das famílias e, por sua vez, do próprio eleitorado. No Nordeste, a distribuição é ainda pior: esse dado vai para 93,6%.

Analisando os dados de quem vive com até 1/4 de salário mínimo médio mensal, a estatística é impressionante: regiões sul, sudeste e centro-oeste com os melhores indicadores (5,4%, 8,9% e 7,7%, respectivamente), enquanto as regiões norte e nordeste apresentam os piores dados, com indicadores quase três vezes superior (24% e 27,3%, respectivamente), com o Nordeste apresentando quase 1/3 das famílias em situação de pobreza extrema.

Quando é avaliada a variação percentual do rendimento domiciliar per capita médio mensal do Brasil entre 2019 e 2021 (período da gestão do Presidente Jair Bolsonaro), tivemos um recuo nesse indicador em torno de 11%. Em 2019, a renda média domiciliar per capita foi de R$ 1.519,74, caindo para R$ 1.353,40, em 2021, o que pode ter implicado em maior insatisfação dos que possuem menor rendimento, que é a maioria, como vimos. Além desse recuo, tivemos um acúmulo na inflação de 4,3% em 2019, 4,5% em 2020 e de elevados 10% em 2021. Quando correlacionamos à queda da renda ao aumento inflacionário, a resposta nas urnas parece inevitável.


Fonte: Tribunal Superior Eleitoral. (retirado da página https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2022/10/03/nordeste-da-1-lugar-a-lula-votacao-de-bolsonaro-na-regiao-cresce-13-mi.htm) 

Analisando a correlação entre os dados de rendimento com a distribuição dos votos no primeiro turno das eleiçoes presidenciais de 2022, fica mais clara a tese de Anthony Downs. Vejamos o comparativo dos principais colégios eleitorais, Nordeste e Sudeste. Enquanto Bolsonaro venceu no Sudeste, onde 8,9% das famílias vivem com rendimento de até 1/4 de salário mínimo; no Nordeste Lula venceu com larga margem numa realidade na qual quase 1/3 das famílias (27,3%) vivem com até 1/4 de salário mínimo médio mensal, numa realidade de queda da renda média e de crescimento da inflação que encareceu, sobretudo, a cesta básica.

Tabela. Rendimento domiciliar per capita médio das pessoas, segundo as Grandes Regiões - 2012-2021


Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2012-2021

Analisando a variação percentual do rendimento domiciliar per capita entre 2020 e 2021, período crítico da gestão Bolsonaro em meio a Pandemia do Covid-19, o impacto é expressivo no Nordeste em relação ao Brasil e as outras regiões, onde houve sinais negativos em todas as variações, com -12,5% na variação de um ano para o outro, o maior impacto de todas as variações feitas (cf. Tabela acima).

Dessa forma, a teoria de Downs explica o que determina o voto, pois a questão econômica é a principal da agenda governamental. No modelo de Downs, cada cidadão vota no partido que ele acredita que lhe proporcionará uma maior renda.

Seguindo esta linha e rechaçando o senso comum de que o nordestino não tem conhecimento, sendo desprovido de inteligência, a nossa tese aqui, com base em uma teoria econômica da democracia eleitoral, mostra que o eleitor nordestino votou por uma escolha visando melhoria em seu rendimento, em seu conforto e em sua qualidade de vida. Optou por mudar por questões econômicas e não por agenda ideológica do governo petista.

A economia não só importa para o voto e para a democracia eleitoral, ela é determinante e os governos devem levá-la como o principal indicador em suas tomadas de decisão governamental.

Dessa forma, se Lula e o PT não satisfizer o que a nossa teoria aqui coloca, muito provavelmente será substituído numa próxima eleição. O eleitor médio não é ideológico e, muito menos, socialista. É um ator racional que busca maximizar seu voto em meio a uma cesta de utilidade oportunizada por tomadas de decisão governamental.

José Maria Nóbrega - doutor em ciência política UFPE

Referências:

IBGE. Síntese de Indicadores Sociais. Uma análise das condições de vida da população brasileira. 2022.

DOWNS, A. Uma teoria econômica da democracia. Ed. USP. São Paulo, 2013.

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