Deteriorando a democracia na América Latina
José Maria Nóbrega - doutor em Ciência Política pela UFPE; Professor associado da UFCG
A democracia se deteriora na América Latina, principalmente quando governos de esquerda assumem o poder. Tais governos tendem a quebrar acordos em torno das regras político-institucionais da democracia procedimental.
No geral, houve uma queda na qualidade da democracia na região, o que foi provocada por recuos autoritários em países como Nicarágua e Venezuela. Estes países quebraram acordos entre as elites políticas em torno das regras do jogo político democrático e agora perseguem a oposição e todos aqueles que são contra a sua agenda ideológica.
Quais são as condições necessárias para a consolidação da democracia? Dentro do debate contemporâneo da democracia, para a consolidação da democracia são necessárias algumas condições: 1. Direito expansivo de voto; 2. Eleições livres e limpas; 3. Líderes políticos livres para disputa do voto; 4. Cidadãos livres para expor suas ideias e de se associar a qualquer agenda legítima; 5. Garantias a diversidade de informação; 6. Liberdade de imprensa; 7. Tolerância as diferenças de opinião; 8. Divisão de poderes; 9. Judiciário independente; 10. Controle da violência política; 11. Militares sob controle civil.
Na conjuntura atual da América Latina, há claros recuos democráticos. Guatemala, Nicarágua e Venezuela são exemplos claros desse recuo. Os dois últimos, juntando-se à Cuba, já são classificados pelo Democracy Index como regimes autoritários, com Cuba há muito mais tempo (THE ECONOMIST, 2022: 33).
Nicarágua e Venezuela preenchiam as condições mínimas para democracias eleitorais, mas retrocederam a regimes não democráticos após eleições que colocaram no poder líderes esquerdistas radicais.
Para a literatura que trabalha com as transições dos regimes autoritários para democráticos, há riscos de recuos autoritários em períodos subsequentes às transições para a democracia eleitoral, sobretudo quando elites políticas não convergem às regras do jogo político da democracia (GUNTHER; DIAMANDOUROS; PUHLE, 1995).
Os recuos autoritários são frequentes no século XXI quando da presença de governos de esquerda eleitos pelo método democrático (eleições livres e limpas). As elites de esquerda tendem a destruição do oponente, não aceitam por completo as regras do jogo da democracia que prevê a tolerância de opinião, e confiscam as liberdades das pessoas e das instituições.
Tais elites tendem a um populismo que mina a possibilidade de desenvolvimento das sociedades, do potencial individual de cada um. A sua agenda é coletivista e estatista ao extremo o que leva, geralmente, a grandes catástrofes sociais e econômicas, como pode ser visto na Venezuela e o caminho trilhado pela Argentina recentemente.
O controle da mídia e das redes sociais é outro elemento crucial defendido pela esquerda latino-americana, é só acompanhar os seus discursos. Faz parte da agenda da esquerda brasileira esse controle, além do confisco dos recursos privados para fins de redistribuição compulsória de renda.
O ativismo político dentro da suprema corte é outro elemento que macula a democracia e que vem sendo feito nos regimes governados pela esquerda. Na Venezuela, o Judiciário não passa de um serviçal do Presidente Maduro. No Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF) agride a constituição o tempo todo ao limitar os direitos básicos de cidadania daqueles que, de alguma forma, defendem a agenda da direita mais conservadora, ou até mesmo de liberais mais exaltados.
O STF diz que há uma agenda “antidemocrática” entre os defensores do ex-presidente Bolsonaro e usa da sua estrutura institucional para perseguir adeptos da direita. Um sério recuo democrático que não é criticado pela grande mídia, que fez campanha política para o candidato da esquerda, Lula do PT, eleito nas últimas eleições presidenciais. Os poucos veículos de comunicação de defendem as pautas de Bolsonaro são fortemente perseguidos pelos tribunais eleitorais do país. Recentemente, foram cassado e tornado inelegível o deputado e ex-procurador Daltan Dellagnol e o ex-presidente Jair Bolsonaro, respectivamente, em decisões nada democráticas do TSE. Empresários e blogueiros que defendem Bolsonaro e os adeptos da direita são monitorados, patrulhados e confiscados em suas liberdades.
Apesar disto, o Brasil manteve a sua posição de regime semidemocrático - mesmo que democracia falha (MAINWARING; BRINKS; PÉREZ-LIÑÁN, 2001) - nos últimos cinco anos. O que não acontece na Guatemala (que teve recuo de 21% no seu regime, entre 2017 e 2021), na Nicarágua (com recuo de 42,2% no mesmo período) e a Venezuela (com recuo de 45,4%), estes dois últimos países nos quais as elites de esquerda destruíram a democracia.
Tabela. Índices de democracia (Democracy Index) | média | variação % (2017 a 2021)
score | 2017 | 2018 | 2019 | 2020 | 2021 | média | var. % |
Brasil | 6,86 | 6,97 | 6,86 | 6,92 | 6,86 | 6,89 | 0 |
Guatemala | 5,85 | 5,6 | 5,26 | 4,97 | 4,62 | 5,26 | -21,02 |
Nicarágua | 4,66 | 3,63 | 3,55 | 3,6 | 2,69 | 3,62 | -42,27 |
Venezuela | 3,87 | 3,16 | 2,88 | 2,76 | 2,11 | 2,95 | -45,47 |
Fonte: DEMOCRACY INDEX 2021. The Economist Intelligence Unit.
Na tabela acima ilustramos as médias e variações percentuais no período 2017/2021 com os dados do Democracy Index (2022) no qual os países situados nos escores de 8 a 10 são classificados como fortemente democratizados, os países situados nos escores de 4 a 7 são classificados em democracias falhas ou regimes híbridos e os países com notas inferiores a 4 se situam numa zona autoritária ou não democratizada.
Como pode se ver, não houve variação no Brasil no período, com constante e média de 6,89, classificado como regime de democracia falha, ou zona semidemocrática (0%). Não obstante o impeachment da Presidente Dilma Rousseff em 2016 e a assunção do seu vice, Michel Temer, em 2017, não se alterou a ordem das coisas, pois todo o processo se deu dentro das regras do jogo da democracia, mesmo que alguns chamem de injusto e outros, mais desavisados em torno da Teoria Política Contemporânea, chamem de golpe.
A média aponta para o Brasil e a Guatemala (5,26 de média) como regimes semidemocráticos, com tendência de deterioração na Guatemala (se Lula continuar apoiando ditadores e, no Foro de São Paulo, o discurso pró-comunismo, com a ajuda da cúpula do Judiciário, o Brasil pode recuar para um processo de venezuelização). Nicarágua (3,62) e Venezuela (2,95) apresentaram o maior recuo no continente, com clara deterioração – recuos de 42,2% e 45,4% respectivamente. Ortega e Maduro são violentos contra as condições para a consolidação da democracia e isso explica a queda abrupta do regime. Perseguições violentas à oposição, ideologia forte contra os cristãos, destruição das liberdades, sequestro das instituições políticas e das Forças Armadas, tudo feito por elites eleitas “democraticamente”.
O que não ocorreu no Brasil no período analisado, onde o presidente Bolsonaro, apesar dos preconceitos implícitos em sua visão de mundo, em nenhum momento atentou contra às regras da democracia, ao menos aquelas condições descritas aqui e que tem como base a literatura contemporânea da democracia de base procedimental (PRZEWORSKI, 2019; DAHL, 2005; SCHUMPETER, 1984; DOWNS, 2009; MAINWARING; BRINKS; PÉREZ-LIÑÁN, 2001; O´DONNELL, 1999; HIGLEY; GUNTHER, 1992; GUNTHER; DIAMANDOUROS; PUHLE, 1995).
Gráfico. Índices de democracia
Fonte: DEMOCRACY INDEX 2021. The Economist Intelligence Unit.
O gráfico acima ilustra bem a deterioração da democracia na Nicarágua e Venezuela, enquanto o Brasil se mantém constante em sua zona de classificação semidemocrática – fato que ocorre desde o início – com a Guatemala apresentando queda num patamar menor, com destaque aos regimes governados por governos esquerdistas apoiados pelo PT.
Podemos concluir esta pequena análise destacando o potencial destrutivo dos governos populistas de esquerda no contexto latino-americano. A tendência dos partidos políticos de esquerda, que se radicalizaram mais nos últimos tempos, é de manter uma agenda agressiva contra às liberdades – como a constante vontade de controle social da mídia e das redes sociais e a interferência na economia para criação de programas assistencialistas – e contra a oposição, sendo intolerante às diferenças de opinião e considerando a democracia pelo viés marxista da teoria.
Referências
DAHL, Robert (2005). Poliarquia. Ed. Usp.
DOWNS, Anthony (2009). Uma teoria econômica da democracia. EDUSP. São Paulo.
GUNTHER, R.; DIAMANDOUROS, P. N.; PUHLE, H-J. (1995). The Politics of Democratic Consolidation. Southern Europe Perspective. The Johns Hopkins University Press. Baltimore and London.
HIGLEY, John and GUNTHER, Richard (1992). Elites and Democratic Consolitation in Latin America and Southern Europe. Cambridge University Press.
MAINWARING, Scott; BRINKS, Daniel e PÉREZ-LIÑAN, Aníbal (2001). “Classificando regimes políticos na América Latina” in Dados, vol. 44. n. 4, pp. 645-687.
O´DONNELL, Guillermo (1999). “Teoria Democrática e Política Comparada”. Dados. V. 42. N. 4. Rio de Janeiro.
PRZEWORSKI, Adam (2019). Crises da democracia. Zahar Editores. Rio de Janeiro.
SCHUMPETER, Joseph (1984). Capitalismo, Socialismo e Democracia. Zahar Editores. Rio de Janeiro.
THE ECONOMIST INTELLIGENCE UNIT (2022). Democracy Index 2021
The China Challenge. The Economist Intelligence Unit Limited 2022. www.eiu.com
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