Ruptura entre elites

 


Ruptura entre elites

Por José Maria Nóbrega – cientista político

O atual cenário conflituoso em torno das relações entre os poderes fragiliza a democracia brasileira. O conflito é estimulado pelo Presidente da República e robustecido pelos outros poderes. Há um claro desvio das elites em torno das regras da democracia eleitoral. É normal elites em disputa rivalizarem suas ideias e programas. O que não é normal são as elites divergirem em torno das regras que conduzem à democracia. A chave para a estabilidade e a sobrevivência dos regimes democráticos está no estabelecimento de um substancial consenso entre as elites no que concerne às regras do jogo político democrático e o valor das instituições democráticas.

Para a consolidação da democracia é fundamental que as elites políticas se “acomodem” às regras do jogo democrático. A democracia, nesta concepção, é definida como um conjunto de regras as quais permitem que elites em disputa por cargos públicos possam concorrer sem riscos as suas existências. Elites são grupos de poder, independentes de suas cores político-partidárias, que disputam espaços de representação e decisão no regime político.

Todavia, para o sucesso do método democrático se mostra imprescindível o preenchimento de alguns requisitos: a. eleições livres e limpas; b. sufrágio universal; c. garantias aos direitos civis e políticos; d. fontes diversas de informação; e. independência do judiciário; e f. controle civil sobre as forças armadas.

O consenso entre elites é um conceito que traz em seu bojo a convergência entre as elites em disputa em torno das regras do jogo. Por exemplo, decisões do judiciário devem ser cumpridas, independentemente de discordâncias a tais decisões. Deve-se respeitar os mecanismos de freios e contrapesos do estado democrático de direito.

Por outro lado, as elites do judiciário precisam respeitar e fiscalizar a constituição. Direitos civis e políticos precisam ser resguardados pela justiça. Decisões judiciais que não permitem o devido processo legal, ou seja, tudo que está desenhado dentro deste dispositivo, como o requisito da ampla defesa, podem e devem ser contestadas, mas dentro da institucionalidade e do respeito mútuo.

Dito isto, o que vimos hoje no país é uma total “desconvergência” entre as elites políticas. O Presidente é um criador de crises institucionais, não aceita decisões judiciais e quer “resolver” as questões fora da institucionalidade, apesar de dizer que age “dentro das quatro linhas da constituição”.

Por outro lado, temos um poder legislativo omisso as demandas que lhes são encaminhadas e um poder judiciário ativista agindo conforme a agenda adversária ao atual mandatário da Nação.

Tudo isso, leva a um caminho de instabilidade política. De não-consolidação da democracia eleitoral. O que alguns cientistas políticos chamam de pseudodemocracia ou de regime híbrido semidemocrático.

Mostra-se urgentíssimo a recondução do jogo político dentro das regras institucionais. O povo, sobretudo os mais pobres, está passando por grandes privações e provações e necessita de atores políticos responsivos com às regras do jogo democrático. Divergir faz parte, mas a convergência em torno das regras é um elemento essencial da democracia.

Comentários

  1. Parabéns Professor José Maria pelo texto, exprime com clareza o que acontece hoje no nosso país !

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