A agenda identitária é antidemocrática
A agenda identitária é
antidemocrática
Por José Maria Nóbrega –
cientista político
A primeira coisa que um
analista político deve fazer ao analisar um fenômeno político ou social é defini-lo.
O regime político democrático é um conceito complexo, mas que pode ser definido
minimamente.
Concordo com Giovani Sartori
(1976. Parties and Party Systems: a framework for analysis. New York,
Cambridge University Press) quanto a definição mínima de qualquer conceito
nas Ciências, em específico na Ciência Política. Para Sartori, uma definição é
mínima quando todas as propriedades de um ser que não são indispensáveis para
sua definição, são apresentadas apenas como hipóteses, mas não como
características essenciais. Isso quer dizer que tudo o que ultrapassar uma
caracterização mínima, ou não essencial, não deve constar na definição.
Como foi abordado por Scott
Mainwaring e seus colaboradores (2001. MAINWARING, S.; BRINKS, D; LIÑÁN, A. P.
Classificando Regimes Políticos na América Latina, 1945-1999. Dados 44. https://www.scielo.br/j/dados/a/y74Qn63SLFh4FGkfsvZytHg/?lang=pt),
uma definição mínima de democracia deve incluir os aspectos essenciais desse
regime, “mas não propriedades que não sejam necessariamente características da
democracia” (MAINWARING ET AL, 2001: 648).
O componente liberal,
portanto, é essencial na definição de um regime político democrático. “Um
componente liberal – a proteção das liberdades civis – é indispensável da
democracia contemporânea” (MAINWARING ET AL, 2001: 650). Dessa forma, são quatro
os critérios da definição de um regime democrático:
1.
Numa democracia há eleições livres, limpas,
pluripartidárias e periódicas;
Um elemento
essencial desse critério é o direito a alternância no poder.
2.
O sufrágio é universal, abrangendo todos os cidadãos
adultos, sem distinção de qualquer natureza;
3.
Os direitos clássicos (civis e políticos) estão
salvaguardados;
4.
Os civis eleitos controlam as forças armadas e
qualquer grupo de pressão, com a independência dos poderes.
A agenda identitária é uma
demanda de alguns grupos políticos/partidos políticos. Esta agenda traz as
pressões de grupos por direitos específicos e, por sua vez, por tratamento
diferenciado perante as instituições.
Na sua pauta, há exigências de
mudanças legais nas mais diversas áreas, pressionando, inclusive, por mudanças
de comportamentos sociais, mudanças legais no Código Penal e Processual Penal
e, até mesmo, por mudanças ortográficas nos pronomes.
A chamada “linguagem neutra” é
um exemplo dessas pressões. Esta pauta da agenda identitária pressiona atores
do poder legislativo e do poder judiciário para que haja mudanças radicais na
forma de tratamento gerando uma política autoritária na forma de comunicação
entre as pessoas quando perpassa o seu grupo. O que é comum ao grupo
identitário, deve ser universalizado, mesmo que haja forte rejeição de ampla
parte da sociedade.
Como na letra da lei, deve
prevalecer a impessoalidade na linguagem comunicativa. Deve imperar a
impessoalidade nas relações cotidianas com o Estado e suas instituições. O que
é comum a determinado grupo, não pode ser imposto para o total da sociedade,
pois fere o componente liberal da democracia que é elemento essencial do regime.
Fere os direitos civis e políticos, pois impõe uma forma de tratamento legal e comunicativo
que não é universal.
O direito civil, que incorpora
os direitos individuais de primeira geração (1967. MARSHALL, T. H. Cidadania, Classe
e Status. Zahar Editores. Rio de Janeiro), é essencial numa democracia. O cidadão,
em sua individualidade, deve ser respeitado em sua integridade física e moral.
Impor a agenda identitária, é sobrepor grupos em detrimento de direitos essenciais
– cidadania civil e cidadania política, primeira e segunda gerações
respectivamente. Tal imposição, é uma ameaça à democracia, pois fere os
critérios três e quatro da definição de democracia.
Em regimes políticos
democráticos, a agenda identitária, apesar de legítima dentro do jogo político
democrático deliberativo, não pode assumir o papel de protagonista nas
políticas públicas, ou seja, nas ações dos governos impondo determinadas pautas
indesejáveis por partes consideráveis dos cidadãos.
Impor a agenda identitária
fere a democracia e, por sua vez, se torna uma pressão autoritária desses
grupos sociais.
Comentários
Postar um comentário