A dinâmica da violência no Brasil
A dinâmica da violência
no Brasil
José Maria P. da Nóbrega
Jr. – cientista político
A violência é um dos
problemas públicos que os governos devem solucionar. Ao menos, colocar em
números controlados. Ela é um conceito multivariado, polissêmico, que tem
muitos significados e é estudado em várias áreas do conhecimento, da Sociologia
à Saúde Coletiva. Na Ciência Política, pouco se publica sobre a temática com
nível de excelência.
Neste espaço, farei uma
pequena exposição do atual quadro da violência no Brasil. O indicador que
utilizarei como medida da violência serão os números de mortes violentas
intencionais (MVIs). As mortes violentas intencionais como conceito são todas
as mortes violentas praticadas por homicídio doloso, agressão seguida de morte,
latrocínio e mortes decorrentes de intervenção policial.
É importante destacar,
que a violência é um mal social que atinge diretamente a qualidade de uma democracia.
Na contemporaneidade, a democracia é uma forma de governo na qual os
indivíduos, através de eleições livres e limpas, escolhem àqueles que irão
governar o país (Estado/Nação) por um período determinado. A democracia também
é um conjunto de instituições que compõe o estado de direito. Este componente
liberal da democracia a antecedeu nos países originários da democracia moderna.
O estado de direito é a garantia constitucional do limite ao poder arbitrário,
seja do Estado, seja dos indivíduos.
No Brasil, a violência
cresceu exponencialmente entre os anos 1996 e 2017. Nesse período, os números
absolutos de MVIs saltaram de 38.894 óbitos em 1996, para 63.748 em 2017. Um
incremento percentual de 64%. Entre 1996 e 2003, ano em que entrou em vigor a
Lei Federal de número 10.826 – conhecida como “Estatuto do Desarmamento” (ED) –
os números cresceram 31,2% no comparativo 1996/2003, saltando dos já citados
38.894 óbitos em 1996, para 51.043 em 2003. Entre 2004 e 2011, os números
absolutos de MVIs praticamente se estabilizaram. A queda de 2004 em relação a
2003 foi de -5,2%, o que reforçou o discurso dos “desarmamentistas”. (Já
discutimos a “importância” do ED em outras publicações: https://oglobo.globo.com/opiniao/o-estatuto-do-desarmamento-importa-24587047
). Houve nova queda em 2005, para 45.578 óbitos, mas, no ano seguinte, 2006, voltou
a crescer novamente. Ficando numa oscilação dos dados até o ano de 2007, quando
voltou a crescer linearmente até o ano de 2011, com 52.198 mortes violentas
intencionais.
É importante destacar que,
entre 1996 e 2019 tivemos 1.212.913 (um milhão, duzentos e doze mil e
novecentos e treze) pessoas assassinadas no Brasil. Uma média de 50.538 ao ano.
Uma calamidade pública.
Em 2012, os números de
MVIs saltaram de 56.337 óbitos, crescendo praticamente de forma linear, até o
ano mais violento da série histórica, 2017, que foi de mais de 63 mil mortes,
como já citado. Nesse período da série histórica, os dados sofreram incremento de
13%.
De toda a forma, o que
nos surpreende é a queda da violência no país depois de 2017. A análise dos
MVIs mostra uma queda no comparativo 2017/2019 de 31% em dois anos. Nada igual
aconteceu em toda a série histórica (1996/2019), nem depois da entrada em vigor
do ED que, em dois anos (2004/2005), apresentou um recuo de 6,7%.
Ainda é necessário saber
o que aconteceu entre 2017 e 2019, apesar de alguns pesquisadores afirmarem que
esse pico em 2017 se deu por causa das guerras entre as facções criminosas,
sobretudo nos Norte e Nordeste (https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2019/02/27/queda-no-no-de-assassinatos-em-2018-e-a-maior-dos-ultimos-11-anos-da-serie-historica-do-fbsp.ghtml).
No entanto, 2019 é o menor em números absolutos da série histórica que tem
início em 1996. Com 44.033 óbitos, 2019 é o ano menos violento, e é mais um
argumento em torno do verdadeiro impacto do desarmamento como política pública.
Da sua falta de causalidade (Em artigo no Jornal do Commercio explico em: https://jc.ne10.uol.com.br/opiniao/artigo/2020/08/11961838-flexibilizacao-ao-acesso-as-armas-nao-e-causa-de-aumento-da-violencia-no-brasil.html).
No Nordeste o efeito foi
mais expressivo. Tanto do crescimento entre 1996 e 2017, quanto em relação a
queda entre 2017 e 2019. O crescimento dos MVIs no Nordeste foi do patamar de
8.119 em 1996, para 27.182 em 2017. O incremento percentual no comparativo foi
de incríveis 234,7%. O mais surpreendente foi a queda entre 2017 e 2019, na
ordem de 33%, praticamente o percentual de queda que obteve o bem-sucedido
plano de segurança pública de Pernambuco entre os anos 2007 e 2013, o
reconhecido Pacto Pela Vida (PPV). (Em artigo científico publicado em parceria
com o professor da UFPE, Jorge Zaverucha, explicamos algumas causas desse
sucesso: https://revistas.ufrj.br/index.php/dilemas/article/view/7289
)
Outra informação
importante que a análise dos dados de violência do Nordeste nos informa, é a falta
de relação causal do ED na região. Entre os anos de 2003, com 11.861 MVIs, e 2017,
com os já citados mais de 27 mil óbitos, o incremento percentual do comparativo
(2003/2017) foi de 129%, sem um ano sequer de queda nessa série. Já o
crescimento das mortes violentas entre 1996 e 2003 foi de 46%.
Se compararmos 1996/2003
com 2003/2010 - períodos com mesmo número de anos -, o resultado é de
crescimento maior pós-ED, na ordem de 59%. Com crescimento de 5,7% ao ano no
comparativo 1996/2003; e com crescimento de 7,4% ao ano no comparativo
2003/2010. Os ‘desarmarmentistas’ não explicaram isso. Políticas de restrição
do acesso a arma de fogo ao cidadão cumpridor da lei não tem influência na
escalada da violência. Os dados apontam que, entre 2004 e 2015, os registros de
armas de fogo saltaram de 3.055 em 2004, para 36.807, em 2015, ou seja, um
incremento percentual na ordem de 1.105%. Ao todo foram 159.520 armas de fogo
registradas no período. Enquanto os dados de MVIs praticados com arma de fogo
aumentaram em 22%, saltando de 34.187 em 2004, para 41.817 em 2015. Apesar da
correlação positiva, o desvio padrão da média entre as variações percentuais é
alto (enquanto o desvio padrão das MVIs praticados por arma de fogo foi de
3.181, o dos registros de armas de fogo foi de 10.398). Isso indica que,
estatisticamente, esse crescimento das mortes violentas intencionais praticadas
por arma de fogo não tem conexão com o aumento dos registros de armas
legalizadas. Muito pouco provável que essas armas novas tenham praticado essas
mortes.
A dinâmica da violência
em Pernambuco, com dados da série histórica 2004/2019, teve a seguinte
descrição:
1.
Em todo o período foram 64.921 pessoas
assassinadas no estado;
2.
Isso dá uma média de 4.058 mortes ao ano;
3.
Com 2013 sendo o ano menos violento, com
3.100 óbitos;
4.
Com 2017 sendo o ano mais violento da
série histórica com 5.428 MVIs,
5.
Com o incremento percentual de 31,8% no
comparativo 2004/2017;
6.
Entre 2007 (com 4.591 MVIs) e 2013, houve
queda de -32,4% (período de sucesso do PPV);
7.
Entre 2013 e 2017, houve incremento de
78,3% (momento de crise do PPV);
8.
Entre 2017 e 2019 (com 3.469 homicídios),
queda de expressivos 37,2% em dois anos. Nada parecido com o melhor momento do
PPV.
O que a literatura aponta
e a nossa experiência acadêmica também, é que são as políticas de segurança
pública as que apresentam maior envergadura no controle da violência. Tais
políticas são bem-sucedidas quando:
1.
Investem em ciência de dados e em tomadas
de decisão baseadas em evidências científicas;
2.
Aumentam o quantitativo de prisões,
sobretudo de homicidas seriados;
3.
Diminuem os espaços para o cometimento de
crimes, reduzindo espaços criminogênicos (ex.: das “cracolândias”);
4.
Saneiam o sistema penitenciário o tornando
administrável;
5.
Dão condições de trabalho aos policiais,
com destaque a polícia patrulheira, que é a Polícia Militar;
6.
Melhoram os salários e a formação do
policial patrulheiro, ou seja, o policial de campo;
7.
Criam mecanismos de informação
interligados e capacitam os policiais e demais agentes da segurança pública
para tomarem decisões com base em tais mecanismos;
8.
Apreendem armas de fogo ilegais, sobretudo
em mãos de criminosos (destacar que esse indicador não deve ser usado para
analisar a eficácia do ED);
9.
Apreendem drogas e desmantelam grupos de
traficantes;
10.
Gastam mais em políticas de segurança com
melhor administração dos recursos, sendo a maioria desses direcionados a
atividade policial.
Sabemos que as políticas
públicas são ações dos governos para solucionar problemas públicos. Os MVIs são
um importante indicador de violência e precisa ser gerenciado pelos governos. As
ações dos governos precisam estar baseadas em evidências científicas. Contudo,
em nossa experiência de análise da violência no Brasil e no mundo, percebemos
que algumas dessas ações enumeradas acima são importantes para o controle da
violência, colocando-a em números “toleráveis”.
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