Autonomia dos militares estaduais

A Polícia Militar autônoma?



Por José Maria P. da Nóbrega Júnior – Doutor em Ciência Política UFPE. Professor Associado UFCG.

Na última semana entrou no debate o projeto de lei congressual que trata das normas gerais de organização das polícias militares e corpo de bombeiros militares dos Estados. A lei vigente sobre essas normas é de 1969, ou seja, da época da ditadura militar. A tramitação dessa discussão vige há 19 anos e ainda não foi batido o martelo a respeito dessas regras. Com um governo fortemente relacionado aos interesses dos militares estaduais, volta à tona essa discussão, desengavetando o projeto de lei e trazendo muitas críticas e mais dúvidas.

A grande crítica se dá em torno da diminuição do poder decisório dos governadores de Estado, dando maiores prerrogativas aos comandos internos dos militares estaduais. Formas de indicação e de demissão de altas patentes ficariam condicionadas a regras mais restritivas. Por exemplo, a indicação do comandante geral das pms passaria por uma lista tríplice escolhida internamente pelo oficialato e encaminhado para a sanção do governador de Estado. A justificativa para tal mecanismo seria a necessidade de limitar ações políticas dos governadores em torno de seus interesses políticos.

Projeto de lei desengavetado pela bancada da segurança pública – apelidada pela maioria da imprensa de “turma da bala” – vem sendo interpretado como uma “quebra de braço” entre a União e os entes federais estaduais. O intuito seria de dar maiores poderes ao presidente, com as forças estaduais com maior autonomia, sobretudo em questões de poder decisório.

Em democracias grupos de interesses fazem parte do debate. Parlamentares eleitos estão a frente do debate deste projeto de regulamentação das atividades dessas instituições de coerção. Diga-se de passagem, que espera por isso desde a promulgação da Constituição Federal de 1988.

O processo eleitoral, ou método democrático, produz não só o governo, mas, também, os representantes do povo no parlamento. Esses representantes têm total autonomia para propor projetos de lei e debatê-los nas diversas arenas decisórias intraparlamento, sempre respeitando a Constituição e sob fiscalização das outras instituições, sobretudo da Suprema Corte.

Grupos de interesse se articulam, desde as eleições, para defender os seus pleitos naquelas arenas. As instituições coercitivas, como qualquer outro grupo, possuem interesses e vão demandá-los. O cientista político deve focar o conflito de poder nas democracias. Resumir os interesses corporativos dos militares estaduais aos interesses do presidente me parece precipitado, quando não, superficial.

Em toda e qualquer organização, inclusive as criminosas, os atores políticos agem estrategicamente buscando maximizar o seu poder. Isso é básico para o cientista político. O presidente da República, o comandante da PM, o governador de Estado, o líder sindical, etc. todos eles buscam maximizar o seu poder. Isso é política em sua essência.

O projeto de lei em questão não tem como foco a gestão da segurança pública. Por que teria?

O referido projeto é uma ação estratégica da bancada da segurança pública em torno de interesses meramente corporativos, de poder. Busca maximizar o poder dos militares estaduais em relação aos governadores. De certa forma, maximizam o poder das forças armadas, já que os militares estaduais têm, na verdade, dois patrões: o governador e o Exército do qual os militares estaduais são força reserva e auxiliar.

A questão da segurança pública é um outro assunto que, a meu ver, não é a intenção do debate deste projeto de lei que, a rigor, busca maximizar poder num jogo de conflito de poder que é característico das democracias liberais. A sociedade precisa pressionar para uma segurança pública democrática, mas, para isso, precisa eleger bancadas da segurança pública desmilitarizadas, o que não é o caso.

 

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