A qualidade das elites políticas determina a qualidade do regime político
Elites importam
José Maria Pereira da
Nóbrega Júnior – Doutor em Ciência Política UFPE. Professor Associado UFCG.
Em livro publicado no início
da década de noventa, John Higley e Richard Gunther organizaram uma série de
artigos sobre o papel das elites políticas na consolidação, ou não
consolidação, das democracias na América Latina e sul europeu. No capítulo
introdutório, baseado numa concepção minimalista schumpeteriana da democracia,
os dois cientistas políticos supracitados, juntos com Michael Burton, desenvolveram
o argumento teórico utilizado para analisar o papel das elites políticas em
países tais como: Espanha, Colômbia, México, Costa Rica, Venezuela, Uruguai,
Argentina, Chile, Peru, Brasil, Portugal e República Dominicana.
Com o título “Elites
and Democratic Consolidation in Latin America and Southern Europe”
(Cambridge University Press, 1992), os diversos cientistas políticos, de
instituições universitárias importantes, desenvolveram o seu argumento em torno
do núcleo teórico no qual as elites políticas determinam a consolidação, ou não,
do regime político. A diferença, então, não estaria no povo, mas nas elites.
Elites essas sem cores partidárias, medidas em sua dinâmica pelo accountability
e acomodação em torno das regras do jogo formal da democracia eleitoral.
Apesar da limitação conceitual,
baseada em Schumpeter, e na não inclusão de um foco no papel do Estado de
Direito, o argumento teórico é enfático: elites políticas que não se acomodam às
regras do jogo, que não são responsivas às instituições políticas da democracia,
levarão o processo de democratização para dois caminhos: 1. Para a pseudodemocracia
ou para 2. Retorno a ditadura.
No entanto, os autores
não levaram em conta um possível acordo entre elites políticas – sobretudo em
regimes que passaram por ditaduras militares. Acordo no qual a transição não
levaria a um regime plenamente democratizado, mas a um sistema de escolhas no
qual a produção de elites alternadas no poder não consolidaria o regime
político democrático. Mantendo vícios do passado, as elites se alternariam no
poder (elites de esquerda, direita e centro) sem, necessariamente, o jogo do
poder mudar.
Quando vemos os
escândalos de corrupção nessas pseudodemocracias já intitulamos que isto leva a
crise da democracia. Mas, de que democracia estamos falando?
A maioria dos cientistas
políticos fala de democracia ligado ao processo eleitoral. As instituições
analisadas são as de representação: partidos políticos, congresso e poder
executivo. Pouco se atenta a outras instituições fundamentais, além do
Judiciário, tais quais as polícias e aquelas ligadas ao aparato de justiça
criminal.
Por isso, os cientistas ficam
míopes e respondem aos escândalos e resultados eleitorais inesperados como
resultado de uma “crise” da democracia, mas na verdade, não há democracia
consolidada e sim uma pseudodemocracia ou semidemocracia. Esta situação híbrida
já é uma crise constante pela falta de consolidação.
As elites irresponsivas
aceitam o jogo eleitoral, mas querem as instituições responsáveis pelo seu
controle (administrativo e penal) fragilizadas para poderem burlar as regras e manterem
suas prerrogativas e privilégios. Isso é característico de democracias frágeis,
pseudodemocracias, democracias iliberais e semidemocracias.
Elites políticas se
alternam no poder há três décadas no Brasil, sem que a regra informal da
interferência nas instituições de controle seja levada em conta na definição do
conceito de democracia. Democracias falhas são falhas por falha das suas
instituições de controle do crime e da violência. Impunidade, corrupção e violência
são fortemente correlacionadas.
Quando vemos atores
políticos comprando respiradores em adegas em plena crise sanitária, e as
instituições são incapazes de afastá-los de seus cargos, é então quando percebemos
o quanto falha é a análise da democracia sobre bases políticas.
Portanto, para a consolidação
da democracia precisamos avançar muito na discussão sobre a capacidade do
estado em seu monopólio da força e da violência. Falhas graves nessa sua
capacidade gera impunidade, corrupção e violência. As elites predadoras do
estado agradecem. As elites responsivas o são não por serem anjos, mas por temerem
a espada do Leviatã, visível e eficaz.
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