Genocídio




No Dicionário de Política de Norberto Bobbio, genocídio é definido como a destruição em massa de grupo étnico, como um projeto sistemático que tenha por objetivo eliminar um aspecto fundamental da cultura de um povo. Na ONU, em 1946, o genocídio foi definido como “a recusa do direito à existência de inteiros grupos humanos” e o transformou em um delito/crime que “o mundo civil condena” e quem o comete responde em um tribunal internacional.

Como se vê, não é um conceito trivial, mas é utilizado com frequência por muitas figuras públicas e por movimentos sociais de forma desconexa e, por que não dizer, irresponsável.

Esta semana começou com um infeliz exemplo desses. O membro do STF, Gilmar Mendes, conhecido por seu garantismo a muitos atores políticos envolvidos em crime de corrupção – que recorrentemente chama o presidente Bolsonaro de genocida -, dessa vez, numa live, afirmou que as Forças Armadas é parceira do chefe da nação no que ele chamou de “política genocida de saúde” no combate ao vírus chinês. Afirmou assim o juiz que tem o papel fundamental de fiscalizar a Constituição e de julgar o presidente da República por acusação de crime de responsabilidade: “o Exército se associa a genocídio”!

Movimentos sociais radicais também têm discurso parecido. Por exemplo, o MST, organização conhecida por constantes atos antidemocráticos, afirma também constantemente que “somos vítimas do maior genocídio da humanidade” quando falam de violência contra determinadas minorias, como os indígenas e os jovens da periferia.

Movimentos sociais negros também seguem a onda e usam o conceito “genocídio” quando fala da violência perpetrada nas periferias e que atingem, sobremaneira, os jovens pardos envolvidos no tráfico de drogas.

E por aí vai...

Explicando o equívoco semântico desse pessoal:

Nos três casos citados, não há fundamento teórico e muito menos empírico para as acusações. Até porque, se assim o fosse, algum órgão internacional já teria acusado o governo brasileiro desse tipo de crime.

Não se aplica o conceito, primeiro porque não há por parte das Forças Armadas um projeto sistemático de eliminação de grupos étnicos ou raciais; segundo, o presidente da República em nenhum momento atentou contra qualquer grupo étnico, racial, linguístico ou cultural, pelo contrário, se aproximou do povo que foi afetado pelo Holocausto, o Estado de Israel, ao povo judeu, este sim violentado e que motivou a criação do conceito de genocídio; terceiro, o MST erra também porque, primeiramente o grupo étnico/racial/cultural indígena é o grupo menos violentado/vitimado por violência (interpessoal ou estatal) entre os grupos étnicos catalogados nas categorias do IBGE. Utilizando os homicídios/mortes por agressão como exemplo, o grupo indígena corresponde a menos de 0,5% das pessoas assassinadas no país durante um ano (de 55.914 homicídios, 240 deles foram perpetrados contra índios). Também não há nenhum grupo organizado que tem como objetivo o extermínio de índios. Muitos assassinatos de líderes indígenas dizem respeito a conflitos por terras, que são crimes graves, mas que não denotam genocídio; por fim, não há genocídio e nem extermínio de jovens negros no Brasil (conforme já discutido em blog: https://m.blogs.ne10.uol.com.br/jamildo/2019/07/20/quem-mata-os-negros-no-brasil/), pois quem mata tem o mesmo perfil socioeconômico da vítima, descartando o uso do conceito de genocídio.

O que há no Brasil é uma politização equivocada do termo, do conceito de genocídio, que termina por banalizá-lo. No caso do Gilmar Mendes, desprestigia a Corte que ele representa e coloca em dúvida a sua imparcialidade para julgar casos nos quais membros dos outros poderes estejam envolvidos, com destaque ao presidente. No caso do MST, distancia ainda mais a organização do povo, tornando-a mais encolhida e minoritária. No caso do movimento negro, cria antipatia na sociedade e reforça discursos minoritários de grupos radicais neofascistas.

É importante destacar que o uso inadequado de um conceito generaliza a desinformação e precisa ser esclarecido para que o utilizemos só quando for cabível. Genocídio é um ato muito sério, um crime contra a humanidade e não pode ser usado a granel. Povos que realmente passaram por genocídios, a exemplo do povo judeu, sabem muito bem o sofrimento e a violência que é passar por isso. Não devemos apoiar o uso vulgar de um conceito tão drástico.

Por José Maria Nóbrega Jr. Mestre e doutor em Ciência Política pela UFPE.

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