Violência ilegal
Por José Maria Nóbrega,
cientista político.
Nas últimas duas semanas,
presenciamos cenas de violência aqui no Brasil, em nome da “democracia”, e nos
EUA, em nome dos direitos dos afro-americanos. No Brasil, as cenas de violência
partiram de movimentos que dizem ser “antifascistas” e, nos EUA, o movimento foi
resultado do assassinato do afro-americano George Floyd, brutalmente assassinado
na frente das câmeras por um criminoso travestido de policial. O que esses
movimentos têm em comum? A violência ilegal. Mas, o que é violência legal?
Violência é um conceito
polissêmico, mas pode ser definido como o uso da força contra a pessoa, cuja vida,
saúde e integridade física ou liberdade individual correm perigo a partir da ação
de outro indivíduo (SAPORI; SOARES, 2014: 37). Já violência legal, é a
característica básica do Estado Moderno que constitui-se como o centro detentor
do monopólio da força, o que requer a soberania jurídico-política e da
violência física legítima, processo que resultou na progressiva extinção dos
diversos núcleos beligerantes que caracterizavam a fragmentação do poder na
Idade Média europeia (WEBER, 1970; BOBBIO, 1984 APUD ADORNO, 2002: 5-6).
O monopólio da força é o monopólio do poder. Quando o poder está fragmentado, a
violência se torna artigo comum nas mãos dos mais diversos facínoras.
Esta concepção weberiana
bebe na filosofia política de Immanuel Kant. Para Kant, o Estado é, por
excelência, “a unificação de uma multiplicidade de homens sob leis jurídicas”. Portanto,
o Estado é uma empresa de dominação de uns sobre outros que usa do recurso da
violência, ou a ameaça de seu emprego. Trata-se de uma violência legítima,
porque autorizada pelo direito; direito este criado no conjunto das instituições
da república. Assim, o direito aparece como oposto da violência como resultado
da simples vontade dos outros (ADORNO, 2002: 7).
Em Kant, o direito
aparece como o oposto da violência. Daí, destacando Bobbio (1984 APUD ADORNO,
2002), no início das monarquias modernas tivemos um duplo processo de
unificação: a unificação de todas as fontes jurídicas na lei; e a classificação
de todos os ordenamentos jurídicos no ordenamento jurídico estatal. Desse modo,
não se reconheceria outro ordenamento jurídico que não o ordenamento jurídico
estatal, e não outra fonte jurídica que não a fonte jurídica do ordenamento
estatal insculpida na lei. Em decorrência desse processo, o poder estatal é um
poder absoluto porque emerge como o único capaz de produzir o direito; de
produzir normas vinculatórias válidas para todos os membros de uma sociedade, indistintamente.
Portanto, quando o agente
estatal passa por cima da lei e, por sua vez, do direito ele está praticando a
violência ilegítima, ou ilegal. Passa por cima do direito do outro, que é a liberdade
positiva, segundo Kant, e rasga a lei produzida pela república para o controle social,
sem derramamento de sangue, diga-se, da violência e do crime. Sendo, a partir desse
seu ato e a depender do grau do uso irresponsivo da violência praticada,
criminoso.
Foi o que ocorreu quando
o policial Derek Chauvin matou asfixiado um homem afro-americano na semana
passada, em Minnesota, Estados Unidos. O uso indiscriminado da força desmedida
foi um ato totalmente fora do que se entende por monopólio estatal da força e da
violência delineado por Weber e por Kant. E o pior veio depois. Os atos de
repúdio ao assassinato de George Floyd vieram com cenas de terror de seus
manifestantes que, além de destruir o patrimônio de muitas pessoas e do próprio
estado, atentaram ceifando à vida de um policial negro!
Aqui no Brasil, vândalos
travestidos de “movimento social” de apoio à democracia, destruíram propriedades
privadas, rasgaram o maior símbolo nacional, a bandeira do Brasil, ateando fogo
em seguida, pisando na ordem social insculpida legalmente por um regime de
democracia representativa. Um movimento que pegou carona na desordem
institucional que o país atravessa em plena crise sanitária, para desestabilizar
a ordem mínima e instalar o caos em nome de uma pseudo luta contra o fascismo
sabe-se lá de quem.
Finalizo dizendo que
quanto maior a capacidade estatal como monopolizador do direito e da força
legal, menor é a violência ilegal, seja ela advinda de atores do próprio estado,
ou da sociedade, como o movimento “antifas” que vimos atuar de forma brutal
nesses últimos dias. Tanto aqui, como nos Estados Unidos, urge o retorno da
ordem social da segurança para a paz social.
Referências:
ADORNO, Sérgio (2002). O Monopólio estatal da violência na sociedade brasileira contemporânea. Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV). Acesso: www.nev.prp.usp.br/publicacao/o-monopolio-estatal-da-violencia-na-sociedade-brasileira-contemporanea
SAPORI, L. F.; SOARES, G. A. D. (2014). Por que cresce a violência no Brasil. Ed. PUC Minas. Autêntica. Belo Horizonte.
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